Como Trump ficou isolado e pode rachar o Partido Republicano
Após a invasão do Capitólio, a sede do Congresso dos Estados Unidos, na última quarta-feira (6/01), o presidente americano Donald Trump viu aliados históricos se distanciando ou rompendo diretamente com ele.
De congressistas do Partido Republicano a membros de seu governo, vários deram as costas a Trump depois dos acontecimentos em Washington DC.
As imagens de dezenas de pessoas rompendo o cerco de segurança e ocupando e depredando várias das salas do edifício causaram surpresa e indignação em um país não habituado a esse tipo de cena.
Rapidamente, as atenções do mundo se voltaram para Trump, que antes da marcha para o Capitólio fizera um discurso incendiário no qual insistia, sem provas, que as eleições de novembro tinham sido roubadas.
Diante do caos e da falta de contundência do presidente para condenar o ataque, múltiplas vozes exigiram sua renúncia ou sua destituição por impeachment ou pela invocação da 25ª emenda à Constituição.
O que é surpreendente sobre o caso é que, ao contrário do que aconteceu com outros escândalos durante os quatro anos da presidência de Trump e a corrida presidencial, várias dessas vozes vieram do campo republicano.
Alguns dizem que essas posições chegam tarde demais, quando Trump tem menos de duas semanas restantes na Casa Branca e depois de outras situações que mereciam uma reação contundente semelhante.
Para outras pessoas, é melhor tarde do que nunca, e a união vista no Congresso entre legisladores de partidos rivais após os eventos alarmantes no Capitólio prenuncia tempos melhores.
Resta saber se o vídeo divulgado por Trump na tarde de quinta-feira, em que condena os acontecimentos de quarta-feira e pela primeira vez admite claramente que em 20 de janeiro haverá um novo governo e termina seu mandato, ajuda a acalmar os espíritos e o reconcilia com seus companheiros.
"Passamos por uma eleição intensa e há muitas emoções, mas agora é a hora de acalmar as coisas e recuperar a calma", disse ele.
"Em 20 de janeiro um novo governo será empossado. Meu objetivo agora é garantir uma transferência ordenada de poder. Este momento exige um chamado para o fechamento das feridas e a reconciliação", afirmou Trump em tom conciliador, muito diferente do exibido em outro vídeo na quarta-feira poucos horas após o ataque ao Capitólio.
Ele primeiro admitiu o fim de seu mandato dizendo que ser presidente era "a maior honra" de sua vida.
O presidente americano também elogiou seus "fãs maravilhosos" e prometeu: "Nossa incrível jornada apenas começou".
No novo vídeo, no entanto, ele mal falou sobre suas alegações infundadas de fraude eleitoral, motivo pelo qual milhares de seus apoiadores se reuniram em Washington na quarta-feira para ouvi-lo em frente à Casa Branca pouco antes de seguirem para o Capitólio.
Além de uma série de demissões no ambiente de Trump, que explicaremos mais adiante, os acontecimentos de 6 de janeiro marcaram, sobretudo, o crescente isolamento em que se encontra o presidente.
Seus aliados mais leais no Partido Republicano - o vice-presidente Mike Pence; o líder do Senado, Mitch McConnell, e o senador da Carolina do Sul Lindsey Graham - acabaram virando as costas para ele em sua tentativa de reverter o resultado da eleição de 3 de novembro.
Essa ruptura foi particularmente evidente na quarta-feira durante a sessão conjunta do Congresso para certificar a vitória do democrata Joe Biden.
Em primeiro lugar, antes do início da sessão, o vice-presidente Pence divulgou uma declaração explicando que não tinha autoridade para rejeitar unilateralmente os votos do Colégio Eleitoral.
Resolvia assim o debate, promovido principalmente por Trump e entoado por seus seguidores, sobre sua capacidade de reverter o resultado eleitoral. Com isso, ele desencadeou a raiva e as críticas do homem a quem demonstrou lealdade absoluta durante toda a presidência.
McConnell, em um terno escuro sóbrio, fez um discurso altamente elogiado no qual estendeu um ramo de oliveira a seus colegas democratas.
"Se esta eleição fosse revertida por simples alegações do lado perdedor, nossa democracia entraria em uma espiral mortal" , disse o ainda líder da maioria republicana no Senado.
"Nunca mais veríamos o país inteiro aceitar o resultado de uma eleição. A cada quatro anos haveria uma luta pelo poder a qualquer custo", continuou McConnell antes que a violência explodisse no prédio.
"Não podemos continuar a nos separar em duas tribos diferentes, com fatos e realidades diferentes. O país corre o risco de tomar um caminho perigoso em que o vencedor de uma eleição seja realmente o único a aceitar os resultados".
Outro grande aliado de Trump, o ex-procurador-geral William Barr, que deixou o cargo em 23 de dezembro, condenou duramente o presidente a quem serviu.
Em um comunicado enviado à agência de notícias AP, Barr descreveu a conduta de Trump de "traição contra seu cargo e seus seguidores" e denunciou que "mobilizar as massas para pressionar o Congresso é indesculpável."
Em menos de 24 horas houve várias demissões na esfera do governo Trump e no entorno da primeira-dama.
As mais notáveis foram as renúncias de dois membros do gabinete: a secretária de Transporte, Elaine Chao, e a secretária de Educação, Betsy DeVos.
Ambos anunciaram sua decisão na quinta-feira.
Chao explicou sua renúncia com estas palavras: "Ontem, nosso país experimentou um evento traumático e totalmente evitável, no qual partidários do presidente invadiram uma multidão no Capitólio após uma marcha na qual Trump se dirigiu a eles."
"Como certamente acontece com muitos de vocês, isso me afetou profundamente de uma forma que simplesmente não posso ignorar".
A renúncia de Chao entrará em vigor na segunda-feira (11/01), nove dias antes da posse de Biden e Kamala Harris.
As razões apresentadas por DeVos, que renunciou horas depois de Chao, são semelhantes: os eventos de quarta-feira e a tática de Trump de "colocar lenha na fogueira entre seus seguidores".
Mick Mulvaney, ex-chefe de gabinete da Casa Branca e ex-diretor do Escritório de Administração e Orçamento, anunciou na quinta-feira que está deixando seu cargo como enviado especial dos EUA à Irlanda do Norte.
"Não posso fazer isso. Não posso ficar", disse Mulvaney ao secretário de Estado Mike Pompeo.
"Aqueles que decidiram ficar, e eu falei com alguns deles, estão agindo porque temem que o presidente indique alguém pior", disse Mulvaney à emissora CNBC.
As renúncias de quinta-feira provavelmente não serão as últimas e se somam às anunciadas na quarta-feira.
Dois dos principais assessores de Melania Trump renunciaram abruptamente naquela tarde em um claro sinal de descontentamento.
Durante a sessão de quinta-feira, também houve especulação sobre a possível saída dos responsáveis pelos órgãos de segurança nacional, mas ex-funcionários desses serviços e dirigentes de grandes empresas do setor imploraram que não o fizessem.
Eles ressaltaram que seu papel é importante para a continuidade do governo e que é preciso evitar que uma crise política se transforme em crise de segurança nacional.
Nem tudo é dissidência
No entanto, nem todos se afastaram do presidente, que continua com uma base forte e muito leal (quase 75 milhões de pessoas votaram nele).
Além disso, Trump conta com o apoio incondicional de um grupo de pessoas, não apenas de sua família, mas de nomes como o advogado Rudy Giuliani ou Roger Stone, a quem concedeu recentemente o perdão presidencial.
E durante o processo de certificação dos votos do Colégio Eleitoral, ficou claro que mais de 100 membros da Câmara dos Deputados e cerca de uma dezena de senadores o seguem acreditando que as eleições foram fraudulentas.
Ted Cruz e Josh Hawley, cujos nomes aparecem na bolsa de apostas como candidatos à presidência em 2024, contestaram os resultados do Arizona e da Pensilvânia, respectivamente.
Finalmente, após a violenta irrupção de partidários de Trump no Congresso, que colocou em risco a segurança de legisladores de todas as cores políticas, apenas seis senadores apoiaram a iniciativa de Cruz e sete de Hawley, mas o apoio foi muito maior para ambos os casos na Câmara dos Representantes.
Cisão no Partido Republicano?
"Este não é mais o seu Partido Republicano, este é o Partido Republicano de Donald Trump", disse Don Jr., o filho mais velho do presidente, durante a marcha de quarta-feira.
Don Jr. disse que o ato deveria ser um alerta para o Partido Republicano, que ele acusou de não fazer o suficiente para ajudar seu pai a reverter os resultados eleitorais, para "impedir o roubo".
"Este não é mais o Partido Republicano, este é o Partido Republicano de Donald Trump, o partido que coloca os EUA em primeiro lugar", disse ele.
Ele não é o único que pensa que o Partido Republicano não é mais o mesmo e que vem uma batalha para ver quem o lidera.
Os membros mais conservadores e históricos do partido estão tentando tirar o poder de Trump e seus aliados.
McConnell parece pronto para liderar essa virada. Outros, como o senador de Utah Mitt Romney, candidato presidencial em 2012 e o único republicano na casa que votou para condenar Trump no impeachment de fevereiro de 2020, também podem assumir um papel de liderança.
Eles serão desafiados por aqueles que parecem mais interessados em atrair o eleitorado de Trump.
Da cisão poderia surgir um terceiro partido com capacidade para competir com o duopólio de democratas e republicanos.
"Pode acontecer que o partido se divida, se desfaça, como parecia que ia acontecer nesta quarta-feira. Não estou falando de uma divisão formal, mas de uma conformação em que há uma ala do partido que ainda está fortemente alinhada com Trump e outra que está tentando avançar além de Trump. E se os republicanos estiverem divididos, isso fortalecerá Biden", diz Steven Levitsky, professor de governança da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, à BBC news Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
Nessa luta pelo poder, chamou atenção que Hawley do Missouri, o primeiro senador a anunciar que faria objeções aos resultados da eleição, não se desviou de sua iniciativa, mesmo quando o Senado se reagrupou após a violência no Capitólio.
Nem Cruz, senador do Texas, que insistiu na necessidade de adiar por dez dias a certificação dos votos para fazer uma auditoria.
"As crises podem representar uma oportunidade política e há muitos políticos que não hesitarão em usá-las em seu benefício", escreveu Anthony Zurcher, jornalista da BBC especializado em política dos Estados Unidos.
"Enquanto isso, Trump ainda permanece no poder. E assim que ele deixar a presidência e voltar para sua casa na Flórida, poderia começar a fazer planos para retaliar e, talvez, um dia retornar ao poder e reconstruir um legado que, momento, está quebrado", acrescenta.
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