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Cientistas criticam transparência, mas dizem que Coronavac será valiosa para conter pandemia no país

João Dória mostra caixa da CoronaVac durante apresentação dos índices de eficácia da vacina do Instituto Butantan  - DANILO FERNANDES/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO
João Dória mostra caixa da CoronaVac durante apresentação dos índices de eficácia da vacina do Instituto Butantan Imagem: DANILO FERNANDES/FRAMEPHOTO/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO

André Biernath

Da BBC News Brasil, em São Paulo

08/01/2021 20h13

Após muita expectativa e especulação, o anúncio dos resultados preliminares de eficácia da Coronavac foi recebido com grande entusiasmo após a apresentação do Governo do Estado de São Paulo, na tarde de ontem.

De acordo com os dados apresentados na coletiva, a vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e testada no Brasil pelo Instituto Butantan conseguiu diminuir em 78% os casos leves de covid-19 e reduzir em 100% os quadros moderados, graves e as internações.

Passada a euforia inicial, muitos cientistas começaram a questionar os números divulgados e as explicações dadas pelos cientistas e representantes do governo paulista. Afinal, o que significam esses números todos? E qual é a real eficácia do imunizante?

"O anúncio de quinta-feira foi promissor, mas infelizmente eles não nos mostraram o dado principal, que é justamente a taxa de eficácia da vacina", analisa a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, entidade sem fins lucrativos baseada nos Estados Unidos que trabalha para expandir a imunização a todos os cantos do mundo.

Entenda a seguir todo o imbróglio e como essas informações divulgadas recentemente podem influenciar as campanhas de vacinação no país.

Planejamento inicial

A Coronavac está na fase 3 de estudos, a última antes da aprovação pelas agências regulatórias como a Anvisa no Brasil e a FDA nos Estados Unidos.

O Brasil é um dos locais onde acontecem esses testes. No país, mais de 12 mil profissionais de saúde foram voluntários nesta etapa derradeira de pesquisa.

Esses milhares de indivíduos foram divididos em dois grupos. O primeiro recebeu duas doses da vacina de verdade. O segundo tomou doses de placebo, uma substância sem efeito algum no organismo.

É importante mencionar que nem os voluntários, muito menos os cientistas, sabem quem faz parte de qual grupo. Isso evita vieses no estudo, como o efeito placebo (quando, por questões psicológicas, o sujeito acredita que determinado produto está fazendo efeito ao seu corpo mesmo quando ele não recebeu nenhuma substância ativa).

A partir daí, todas essas pessoas foram acompanhadas para ver se elas pegariam ou não a covid-19. Espera-se que aquelas que tomaram o imunizante estejam mais protegidas e se infectem menos com o coronavírus.

Um estudo de fase 3 completo costuma demorar um ou dois anos para ficar pronto. Porém, como estamos numa situação de emergência e é preciso achar soluções com rapidez, os órgãos regulatórios de cada país aceitam as chamadas análises preliminares.

Mas o que significa isso? Em resumo, os responsáveis pelo ensaio clínico estabelecem uma meta de eventos, ou um número mínimo de voluntários que tiveram a covid-19, para abrir os dados, compará-los e saber quem tomou vacina ou placebo.

A partir daí, basta fazer uma conta matemática relativamente simples que permite determinar a taxa de eficácia.

"Com esses resultados iniciais, os responsáveis pela vacina conseguem pedir a autorização emergencial de uso para as agências regulatórias", conta o epidemiologista Eliseu Alves Waldman, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Várias vacinas já passaram ou estão passando por esse processo, como aquelas desenvolvidas por Pfizer, Moderna, AstraZeneca/Universidade de Oxford, Instituto Gamaleya de Pesquisa e Sinovac/Butantan.

O imunizante da Pfizer, o primeiro a divulgar esses números, pode ser tomado como exemplo. Sua taxa de eficácia é de 95%. Na prática, isso significa que, de cada 100 pessoas vacinadas, 95 estarão protegidas contra a covid-19.

O que ocorreu com a Coronavac?

A confusão que aconteceu após anúncio dos resultados do produto desenvolvido por Sinovac/Butantan parece estar relacionada à forma como foi feita essa análise preliminar.

"Antes de ser iniciado, o teste clínico precisa ser descrito num protocolo, que determina os desfechos primários e secundários", explica Garrett, que atuou por mais de 20 anos nos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, o CDC.

O desfecho primário é o principal resultado que o estudo pretende encontrar. Já os desfechos secundários são outras observações e medidas que podem ser realizadas durante o trabalho, mas que são de menor importância.

No protocolo do Instituto Butantan, o desfecho primário estabelecido lá no início foi determinar a taxa de eficácia da vacina a partir da quantidade de voluntários com casos sintomáticos de covid-19 confirmados por meio de um exame RT-PCR (guarde bem essas duas palavras: casos sintomáticos).

No documento, há também a descrição de quatro desfechos secundários. Entre eles, a incidência de casos graves da doença.

Porém, na coletiva do governo estadual, os dados de eficácia foram divididos em três categorias, de acordo com a gravidade da infecção. Foi por isso que os especialistas apontaram uma diminuição de 78% nos casos leves e de 100% nos casos moderados e graves.

"O problema está aí: no anúncio se falou em casos leves, moderados e graves, enquanto o protocolo estabelecia casos sintomáticos, independentemente do grau", diferencia Garrett.

"Parece que foi utilizada uma escala da OMS (Organização Mundial da Saúde) para determinar a gravidade da covid-19, mas isso é subjetivo. O que é um caso leve? Se tiver dor de cabeça é considerado o quê?", questiona a especialista.

O outro lado

Procurado pela BBC News Brasil, o Instituto Butantan respondeu por meio de uma nota enviada pela assessoria de imprensa:

"O Instituto Butantan esclarece que todos os dados necessários para o registro da vacina no Brasil serão submetidos à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e, posteriormente, publicados em revista científica com todos os seus detalhes e de forma absolutamente transparente. Assim que a análise do estudo pela Anvisa foi finalizada, os relatórios serão divulgados. Qualquer outra informação ou suposição de fontes ouvidas pela reportagem é mera especulação."

A continuação do texto, os representantes explicam que estudo foi complexo e permite essa apresentação detalhada de resultados por tipo de caso. "O foco do anúncio foi voltado ao impacto da vacina na pandemia e o quanto ela evitará a progressão da doença grave".

A nota continua: "Os resultados divulgados nesta quinta-feira demonstram inequivocamente que a vacina é extremamente eficaz, evitando o desenvolvimento de formas graves e até mesmo moderadas da doença, além de internações e óbitos".

Afinal, qual a taxa de eficácia?

Depois da apresentação, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, deu mais detalhes sobre a taxa de eventos (aquela quantidade de voluntários que pegaram a covid-19 após tomar as duas doses).

Segundo o médico, a análise preliminar contou com 220 eventos. Desses, 160 ocorreram no grupo placebo e "pouco menos" de 60 no grupo que recebeu a vacina de verdade.

"Considerando esses números, chegaríamos a uma eficácia de cerca de 64%, o que é um número bom", calcula Garrett.

Lembrando que essa taxa é apenas uma especulação a partir das poucas informações disponíveis no momento e, de acordo com reportagem publicada hoje (8/01) no jornal O Globo, o Instituto Butantan só pretende divulgar essa taxa para a Anvisa.

Copo meio cheio ou meio vazio?

Comparados a índices de 90 ou 95% obtidos por outras competidoras, uma eficácia na casa dos 60% pode parecer frustrante. Mas a verdade é que esse número (se confirmado) é bastante positivo.

A própria OMS estabeleceu que qualquer vacina que superasse os 50% de eficácia receberia uma sinalização positiva da entidade.

Em segundo lugar, a Coronavac apresenta uma série de vantagens em relação a suas concorrentes. "Eu prefiro uma vacina de 64% que é de fácil distribuição e acessível do que outra com 90% que eu não consigo levar a todo o país", compara Garrett.

O imunizante desenvolvido e testado por Sinovac e Butantan utiliza a tecnologia de vírus inativado, uma das mais tradicionais e com décadas de uso na saúde pública. As doses podem ser armazenadas em geladeiras comuns, o que facilita o transporte e o armazenamento, mesmo nas regiões com menor infraestrutura.

Além disso, os dados relacionados aos desfechos secundários (aquela diminuição de 78% nos casos leves e 100% nos casos moderados e graves e nas hospitalizações) são achados muito promissores.

"Falamos de uma vacina capaz de reduzir a gravidade da infecção, o que traz um impacto muito bom na taxa de internações e óbitos", concorda Waldman.

A prevenção das complicações da covid-19 pode ajudar a desafogar os sistemas de saúde e controlar a ocupação de enfermarias e leitos de UTI.

Outro ponto relevante: pelo observado até o momento, a Coronavac é bastante segura e não provocou efeitos colaterais sérios durante os testes clínicos.

Próximos passos

Vale mencionar ainda que a efetividade dos imunizantes no mundo real dependerá de outro fator: a quantidade de pessoas que vai tomar as doses.

"Quanto maior for a adesão da população às vacinas, melhor será a proteção coletiva que alcançaremos", observa Waldman.

O Instituto Butantan já submeteu os dados para análise e espera uma resposta da Anvisa nos próximos dias.

De acordo com o calendário apresentado pelo governo paulista, o início da campanha de imunização no estado está marcado para o dia 25 de janeiro.

Mesmo com tantas turbulências, a Coronavac, pela avaliação dos cientistas, segue como uma das saídas mais próximas para o controle da pandemia no país.