Impeachment de Trump: por que partido de Biden pode se beneficiar se Senado absolver presidente em julgamento
Apesar das palavras duras de líderes republicanos no Congresso sobre a responsabilidade de Donald Trump na manifestação que terminou em invasão de centenas de apoiadores ao Capitólio, há pouco mais de um mês, o ex-presidente americano deverá sair inocentado do julgamento de impeachment que começa nesta terça (9/02) no Senado, graças aos votos de seu próprio partido.
Fora da Casa Branca desde o dia 20 de janeiro, depois de ter perdido sua tentativa de reeleição para o democrata Joe Biden, Trump enfrenta um processo de impeachment pela segunda vez e, dessa vez, já sem mandato.
"Incitação à insurreição"
O ex-presidente é acusado de ter atraído milhares de pessoas à capital americana, sob falsas alegações de fraude eleitoral, e de incitá-las contra os congressistas e o vice-presidente, Mike Pence, que naquele dia 6/1 certificavam os votos do Colégio Eleitoral e confirmavam a vitória do democrata nas urnas.
A rebelião terminou com um saldo de cinco mortos, 50 agentes de segurança feridos e centenas de presos e indiciados pelos atos de violência. Políticos tiveram que ser retirados do Capitólio ou escondidos em abrigos subterrâneos enquanto os manifestantes bradavam palavras de ordem como "Enforquem Mike Pence" e ameaçavam atirar na presidente da Câmara, Nancy Pelosi.
Minutos antes da ação, o grupo assistiu a um discurso de Trump em que ele pediu aos seguidores para "marchar até o Congresso" e "lutar como o inferno".
O processo de impeachment foi aberto pela Câmara americana apenas uma semana após o episódio, com o apoio de 10 republicanos, o maior apoio a um impedimento de presidente já dado por integrantes de seu próprio partido na história dos EUA.
E não ficou só nisso. Importantes figuras da agremiação vieram a público censurar a atitude do mandatário em um processo lido por alguns como indicação de que o partido poderia romper com Trump. Uma das líderes republicanas na Câmara, Liz Cheney, justificou seu voto pela abertura do processo ao dizer que "o presidente dos Estados Unidos convocou essa turba, reuniu a turba e acendeu a chama desse ataque. Tudo o que se seguiu foi obra dele. Nada disso teria acontecido sem o presidente".
Mitch McConnell, líder do partido no Senado e aliado de Trump, afirmou um dia antes da posse de Biden que uma "multidão foi alimentada com mentiras" e "provocada pelo presidente e outros poderosos".
Agora, quando o julgamento de fato se inicia, o movimento reflui. Para condenar o ex-presidente, dois terços dos senadores, ou 67 dos 100 legisladores, teriam que apontar responsabilidade do presidente em incitar a multidão. Com a configuração dividida do Senado — 50 republicanos e 50 democratas — 17 partidários de Trump teriam que votar contra o ex-presidente. E apesar das críticas públicas e privadas a ele, os republicanos não parecem dispostos a puni-lo.
Republicanos contra: alegada inconstitucionalidade, temor das urnas
"No momento imediato da invasão, muitos republicanos denunciaram a tentativa de golpe e o papel de Trump em incitá-la, e reconheceram o presidente Biden como o legítimo vencedor da eleição. Mas agora os republicanos recuaram para sua posição normal de partidarismo obstrucionista negativo. Isso era previsível", afirma o professor William Winecoff, da Universidade de Indiana.
Embora tenha deixado a Casa Branca com baixos níveis de aprovação geral (34%), Trump continua a ser uma figura extremamente popular entre os eleitores que se dizem republicanos. Uma pesquisa de janeiro do Instituto Morning Consult mostrou que apenas 18% dos que se declaram eleitores do partido se dizem favoráveis ao impeachment de Trump, 81% têm visão positiva sobre o ex-mandatário e 50% esperam que ele desempenhe "papel central" na agremiação nos próximos anos. Apesar de derrotado nas urnas em novembro, Trump obteve a marca de 74 milhões de votos, segunda maior votação popular da história, atrás apenas do próprio Biden.
"A base do Partido Republicano ama Trump tanto quanto o resto do país o odeia, e muitos congressistas republicanos eleitos têm muito mais medo de perder suas cadeiras por uma oposição dos trumpistas do que pela concorrência dos próprios democratas", explica Winecoff.
Trump é conhecido por perseguir quem se opõe a ele dentro do partido. O caso de Liz Cheney, que votou pelo impeachment do então presidente, é ilustrativo. Esse mês, o deputado trumpista Matt Gaetz, da Flórida, viajou até o Estado de origem dela, o Wyoming, para pedir que os eleitores a derrotem na próxima eleição. "Derrote Liz Cheney nas próximas eleições e o Wyoming colocará Washington de joelhos", ele pediu aos republicanos do Estado.
Por outro lado, a pressão de grandes doadores de campanha, que prometeram cortar verbas de qualquer parlamentar que tivesse contribuído para o desfecho violento no Congresso, arrefeceu após as palavras iniciais de desaprovação dos republicanos.
Diante do risco de optar por punir Trump e acionar contra si uma máquina eleitoral que pode arrasar uma carreira política, ou de inocentá-lo e ser cobrado pelo maioria dos americanos (segundo pesquisa Ipsos/ABC, 56% defendem a condenação), republicanos saíram-se com uma manobra legalista: defendem que o instrumento do impeachment só pode ser adotado para presidentes durante o mandato, e que julgar Trump seria inconstitucional. Assim, não precisariam dizer se aprovam ou não as ações do ex-presidente, bastaria interditar o procedimento.
O argumento é considerado "ilógico" mesmo por advogados constitucionalistas conservadores, como Charles J. Cooper, ex-conselheiro do senador do Texas Ted Cruz, um dos maiores aliados de Trump. Segundo escreveu em um artigo no Wall Street Journal, Cooper acredita que, como o Senado tem o poder de barrar de cargos públicos servidores que tenham cometido ofensas passíveis de impeachment, o contrário é igualmente verdadeiro e a Casa legislativa deveria julgar tais ofensas mesmo de ex-servidores.
Ainda assim, segundo a analista política Regina Argenzio, da consultoria Eurasia Group, essa será a linha adotada pelos republicanos e que resultará na absolvição de Trump. Os advogados do ex-presidente, que se recusou a testemunhar no processo, já anunciaram que seguirão nessa mesma linha.
"Na prática, o resultado do julgamento foi dado no fim de janeiro, quando o Senado votou uma moção sobre a constitucionalidade do impeachment de Trump, já que ele não mais detém o cargo. Apenas cinco republicanos votaram pela constitucionalidade. Os democratas precisariam de mais 12 republicanos para votar pela condenação", diz Argenzio. Os cinco senadores republicanos que votaram contra Trump são considerados moderados ou críticos de longa data do ex-presidente: Ben Sasse, do Nebraska, Susan Collins, do Maine, Lisa Murkowski, do Alaska, Mitt Romney, do Utah, e Pat Toomey, da Pensilvânia.
"Fundamentalmente, há muito pouca vantagem política para um republicano em votar para condenar o presidente; o fato de que ele não está mais no cargo fornece uma razão conveniente para se opor ao impeachment com base no processo, e a maioria dos republicanos se sente confortável com essa posição", diz Argenzio.
Absolvição de Trump: bom para os democratas?
Do lado democrata, já não existe expectativas de que Trump seja punido no processo. E, inocentado da acusação de incitação à insurreição, é improvável que Trump possa enfrentar uma segunda votação para retirar-lhe os direitos políticos e impedir que ele possa algum dia voltar a ser presidente.
Assim, o que democratas pretendem fazer é tentar associar o extremismo dos manifestantes a Trump e, por consequência, a todo o Partido Republicano.
Ainda não é certo que testemunhas serão permitidas no julgamento, mas uma possibilidade para viabilizar isso seria que os democratas convocassem manifestantes presos que estejam dispostos a dizer que cometeram atos violentos sob orientação de Trump. Um dos mais notórios é Jacob Chansley, de 33 anos, que invadiu o Capitólio vestido em trajes vikings, o que lhe rendeu na imprensa americana a alcunha de "xamã do QAnon", em referência à teoria da conspiração frequentemente defendida por trumpistas.
Preso após os acontecimentos, ele disse, por meio de seus advogados, que 'lamenta muito, muito não ter apenas sido enganado pelo presidente, mas ter estado em uma posição em que permitiu que essa fraude o fizesse tomar decisões que não deveria ter tomado'. Chansley tem se defendido dizendo ter sido inflamado por "meses de mentiras, deturpações e discurso hiperbólico de nosso presidente". Em um vídeo feito ao sair do Capitólio após a invasão, no dia 6, Chansley afirma ter deixado o prédio sob orientação de um tuíte de Trump.
A estratégia dos democratas de carimbar em republicanos a pecha de radicais foi colocada em prática antes mesmo do início do julgamento de impeachment de Trump. Na semana passada, democratas exigiram que republicanos destituíssem a recém-eleita deputada Marjorie Taylor Greene de postos em comissões, como a de educação.
A justificativa foram declarações e endossos públicos de Greene a propostas de violência contra líderes políticos, como Nancy Pelosi, além de ter duvidado da existência do ataque de 11 de setembro ao Pentágono e de ataques de atiradores em escolas. Acuada, Greene afirmou ter recebido uma ligação de Trump a apoiando e culpou a mídia pelos posicionamentos que adotou. Ela se diz uma fiel aliada de Trump, que seria, em sua visão, o único caminho de poder viável para os republicanos.
Com o apoio de 11 republicanos e de todos os democratas, ainda na semana passada, a Câmara decidiu punir Greene.
"Os democratas estão ansiosos para usar o momento como uma oportunidade para pintar o Partido Republicano como o partido do QAnon e de Marjorie Taylor Greene. Até por isso, convidaram Trump para testemunhar, apostando que ele provavelmente soaria insano em sua própria defesa. O julgamento será principalmente para fazer os republicanos parecerem radicais", diz Argenzio.
Eleito com uma plataforma de união dos americanos e superação da divisão no país, Biden tem sido reiteradamente cobrado pelos republicanos a buscar políticas com apoio bipartidário.
A nova administração, no entanto, já demonstra impaciência com a dificuldade de negociar com os opositores. Exemplo disso é o pacote emergencial contra os efeitos da pandemia: Biden propôs injetar quase US$ 2 trilhões na economia americana em um plano entregue ao Congresso em seu primeiro dia na Casa Branca. Republicanos, no entanto, apresentaram contra-proposta que representava apenas um terço desse valor. Biden, cujo partido tem maioria na Câmara e no Senado, deu sinal verde aos seus correligionários para seguirem em frente com a aprovação do pacote original mesmo sem o endosso dos republicanos.
De acordo com Jon Lieber, diretor da Eurasia Group nos EUA, a presença de Trump como um ator na arena política possibilita aos democratas tomar atitudes mais ousadas e profundas em sua agenda política. "A equipe de Biden não tem pudores em desfazer as ordens executivas de Trump com base no fato de que, se Trump era a favor, eles podem ser contra. Em muitos aspectos, isso é uma força radicalizante que está possibilitando uma agenda muito mais progressista, incluindo o enorme estímulo à economia de US$ 1,9 trilhão. Um Partido Republicano cada vez mais radical permitirá que os democratas governem de uma forma totalmente unilateral, na lógica do 'não podemos trabalhar com essas pessoas irracionais!'", diz Lieber.
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