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'Por que voltei para o Boko Haram depois de ser resgatada - e como escapei'

Aisha Yerima, sequestrada aos 21 anos, conta como viveu com militantes na Nigéria - A T Nwaubani
Aisha Yerima, sequestrada aos 21 anos, conta como viveu com militantes na Nigéria Imagem: A T Nwaubani

Da BBC

28/10/2021 10h56Atualizada em 28/10/2021 11h03

Em uma série da BBC News, a jornalista e romancista nigeriana Adaobi Tricia Nwaubani conversa com uma mulher sobre o tempo em que ela viveu com os militantes islâmicos do grupo extremista Boko Haram no seu esconderijo na floresta, no nordeste da Nigéria.

Em 2017, Aisha Yerima surpreendeu sua família ao retornar, de livre vontade, ao cativeiro do Boko Haram depois de ter sido libertada pelos militares.

Quatro anos depois, Aisha, agora com 30 anos, escapou e retornou para a casa dos pais em Maiduguri, capital do Estado de Borno, na Nigéria.

Ela foi raptada pelo Boko Haram com 21 anos em uma cidade a sudeste de Maiduguri. Mas depois aceitou se casar com um dos comandantes do grupo, que ela conta ter conquistado seu coração com romance e presentes.

Ele havia partido para uma batalha quando os militares atacaram seu acampamento na floresta de Sambisa, resgatando Aisha e dezenas de outras esposas.

Todas as mulheres passaram por um programa contra a radicalização do seu pensamento que durou um ano, mas, pouco mais de quatro meses depois, Aisha concluiu que sua vida com o Boko Haram era melhor.

Algumas das pessoas resgatadas do cativeiro do Boko Haram passam por programas contra a radicalização do pensamento - AFP - AFP
Algumas das pessoas resgatadas do cativeiro do Boko Haram passam por programas contra a radicalização do pensamento
Imagem: AFP

"Foi difícil retomar a minha vida", conta ela. "Foi complicado e precisei contar com os meus pais."

Ela também teve dificuldades para alimentar seu filho, então com dois anos de idade, resgatado junto com ela — o filho do seu casamento com o comandante.

"Telefonei para o meu marido e ele ficou muito feliz por me ouvir", relembra Aisha.

"Ele me contou quando viria para Maiduguri comprar gás e combustível e nós combinamos que eu voltaria com ele", afirma.

No dia combinado, ela saiu da casa dos pais com o filho pequeno, sem contar a ninguém e levando apenas alguns pertences.

Comemoração com armas de fogo

Ela encontrou seu marido em um lugar isolado e ele lhe deu algum dinheiro para comprar roupas novas. Ela se reuniu com ele por volta das 19h30 em um local separado onde ele a esperava com cerca de 20 militantes em um ônibus.

"Todos eles estavam fortemente armados com pistolas", conta ela.

Eles então começaram o longo caminho para a floresta de Sambisa, até que abandonaram o ônibus em uma garagem distante — onde ele seria retirado pelo homem que o alugou para os militantes — e continuaram o restante da viagem a pé.

"Quando chegamos ao nosso acampamento na floresta, houve comemoração. Todos estavam felizes com o meu retorno e disparavam tiros para o ar", ela conta.

Aisha retomou imediatamente sua vida como esposa do comandante — era tratada com respeito, com outras prisioneiras cedidas a ela como escravas e alimentos mais que suficientes para ela e para o seu filho.

Pouco depois do retorno, ela ficou feliz em descobrir que havia engravidado, mas a criança morreu no parto.

Militares enfrentam dificuldades para garantir segurança de Borno, Estado nigeriano com pouco menos da metade do tamanho do Ceará - AFP - AFP
Militares enfrentam dificuldades para garantir segurança de Borno, Estado nigeriano com pouco menos da metade do tamanho do Ceará
Imagem: AFP

O marido de Aisha foi morto em batalha quando ela estava com dois meses de uma nova gravidez.

Os militantes acreditavam que o filho por nascer tinha direito a uma parte dos bens do seu pai e, por isso, eles esperaram até o nascimento do bebê para dividir a herança.

"Eles queriam saber se era menino ou menina porque os meninos têm direito ao dobro da herança das meninas", explica Aisha.

Seu bebê era um menino, mas sobreveio novamente a tragédia. Ele morreu no parto. Aisha ficou arrasada.

Forçada a casar-se novamente

A sua parcela da herança permitiu que Aisha continuasse a viver bem, o que causou ciúmes entre os demais.

"Eles começaram a se perguntar por quê eu deveria viver sozinha. Eu não queria me casar com mais ninguém, mas fui forçada", relembra ela.

O seu novo marido também era próspero — um comerciante responsável pelo fornecimento de produtos para o Boko Haram, que viajava frequentemente para Maiduguri. Quando ela ficou novamente grávida, Aisha ficou apavorada com a possibilidade de perder mais um bebê na floresta.

"Eu implorei a ele que nos mudássemos para Maiduguri, mas ele se recusou", conta ela.

O seu desejo de partir ficou mais urgente quando os militares intensificaram os ataques, com bombardeios regulares que forçavam os militantes e suas famílias a mudar-se constantemente.

Além disso, conflitos intensos levaram à fragmentação do Boko Haram, com ataques mútuos cada vez maiores entre as duas facções. Temendo pela sua vida e do seu filho por nascer, Aisha decidiu fugir.

Às 3h de uma manhã de agosto, Aisha saiu para a floresta com seu filho e mais duas viúvas que desejavam uma vida diferente.

Mas elas foram capturadas no caminho pelo Boko Haram e retornaram para o acampamento. Para evitar que Aisha tentasse fugir novamente, seu marido e os militantes capturaram seu filho, já com seis anos, e o levaram para um local desconhecido.

"Enquanto eles arrastavam meu filho, ele se segurava em mim e gritava: 'Mamãe, por favor, não me deixe aqui! Por favor, não me deixe aqui!'", relembra Aisha.

Por vários dias, ela implorou aos militantes que devolvessem o menino e ainda tentou procurá-lo, até que compreendeu que seus esforços eram inúteis. Aisha decidiu fugir sem ele quando surgisse outra oportunidade.

Fuga e gentileza

Em troca de dinheiro, um militante que conhecia um caminho clandestino pela floresta dispôs-se a ajudar a ela e mais de uma dezena de outras mulheres que desejavam escapar.

Aisha deu a ele todo o dinheiro que tinha. Uma semana depois, ele as levou para longe da base dos militantes, passando por cidades remotas, e as deixou em um ponto onde elas poderiam continuar sozinhas até um posto militar.

"Os soldados foram muito gentis", conta Aisha. "Eles me elogiaram pela coragem de fugir e deram dinheiro para me colocar em um veículo que me levasse de volta para os meus pais. Eles não acharam que haveria necessidade de escolta."

Quando eles chegaram a Maiduguri, Aisha precisou pedir ao motorista que parasse para que ela pudesse telefonar para sua mãe e pedir orientação, pois a cidade havia mudado muito na sua ausência: "havia novos viadutos e estradas asfaltadas em toda parte", segundo ela.

Mais de 2 milhões de pessoas deixaram suas casas durante a insurgência do Boko Haram e muitas se mudaram para Maiduguri - Getty Images - Getty Images
Mais de 2 milhões de pessoas deixaram suas casas durante a insurgência do Boko Haram e muitas se mudaram para Maiduguri
Imagem: Getty Images

Toda a família estava aguardando quando o mais velho dos oito irmãos foi até o portão da casa. Eles correram em direção a Aisha e a abraçaram.

Todos haviam sido gentis e solidários desde que ela retornou, segundo Aisha, e alguns vizinhos contribuíram com dinheiro para sua manutenção. Mas o bebê que nasceu no início de outubro morreu.

Desde então, Aisha não teve mais contato com o marido que ela abandonou na floresta. Ela soube de algumas mulheres que fugiram posteriormente que ele havia sido capturado por uma facção opositora do Boko Haram e seu destino era desconhecido.

Decidida a criar uma nova vida para si, Aisha espera levantar fundos para iniciar o comércio de perfumes e incenso.

"Rezo a Alá para recuperar meu filho, mas nunca mais voltarei para o Boko Haram", afirma ela.