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Quais são os interesses da China no conflito entre Rússia e Ucrânia?

Pequim pediu calma para ambos os lados, insistindo para que as potências abandonem a mentalidade competitiva herdada da Guerra Fria - Carlos Rawlins/Reuters
Pequim pediu calma para ambos os lados, insistindo para que as potências abandonem a mentalidade competitiva herdada da Guerra Fria Imagem: Carlos Rawlins/Reuters

Tessa Wong - BBC News

05/02/2022 14h51

Enquanto Estados Unidos e Rússia trocam ameaças cada vez mais agressivas sobre a crise na Ucrânia, um outro importante ator da geopolítica mundial também vem se manifestando com firmeza: a China.

Cerca de 100 mil soldados russos encontram-se atualmente na fronteira com a Ucrânia, e os americanos acusam Moscou de planejar invadir a ex-república soviética.

Nos últimos dias, Pequim pediu calma para ambos os lados, insistindo para que as potências abandonem a mentalidade competitiva herdada da Guerra Fria. Porém, ao mesmo tempo, o gigante asiático já deixou claro que compartilha das preocupações de Moscou.

Nesta sexta-feira (4/2), o presidente russo, Vladimir Putin, desembarcou em Pequim para acompanhar a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno a convite do líder chinês Xi Jinping. Os dois líderes se reuniram antes da abertura do evento e, segundo o Kremlin, tiveram "discussões calorosas".

Em um comunicado divulgado após a reunião, os dois países afirmaram que "a amizade entre [Rússia e China] não tem limites, não há áreas 'proibidas' de cooperação" e que pretendem "combater a interferência de forças externas em assuntos internos de países soberanos".

É de se imaginar que, numa eventual escalada das tensões com a Ucrânia e o Ocidente, a China ficaria do lado da Rússia, país que é seu aliado de longa data e ex-camarada comunista. Mas os motivos que levaram Pequim a apoiar o governo de Vladimir Putin no atual confronto vão muito além da afinidade histórica.

Rússia e China contra o Ocidente

Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, classificou as preocupações da Rússia em relação à sua segurança nacional como "legítimas", afirmando que elas deveriam ser "levadas a sério e discutidas".

Já na segunda-feira (31/1), o representante de Pequim na ONU, Zhang Jun, foi ainda mais longe e disse abertamente que a China discordava das alegações dos EUA de que a Rússia está ameaçando a paz internacional.

Ele também criticou os Estados Unidos por convocar uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, afirmando que a "diplomacia do megafone" americana "não era propícia" para as negociações.

Baseada em um discurso diplomático ponderado, a China tem tomado uma posição cautelosa e sutil em relação à crise, esquivando-se de manifestar qualquer tipo de apoio ao uso de força militar.

Mas alguns dos meios de comunicação estatais que cobrem a crise têm sido mais diretos. Com o crescimento do sentimento anti-Ocidente no país, a crise na Ucrânia foi retratada na China como mais um exemplo do fracasso da política externa ocidental.

Na opinião da imprensa controlada por Pequim, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, aliança militar ocidental) sob o comando dos Estados Unidos está adotando uma posição agressiva ao se recusar a respeitar o direito soberano de outros países - como Rússia e China - de defender seu território.

O jornal Global Times chegou a dizer que o relacionamento e o vínculo cada vez mais próximos entre a China e a Rússia são "a última defesa que protege a ordem mundial". Já um relatório da agência de notícias estatal Xinhua afirmou que os EUA estavam tentando "desviar a atenção doméstica " e "reviver a sua influência sobre a Europa" com seu comportamento.

Segundo Jessica Brandt, diretora da área de política do centro de estudos Brookings Institution, o discurso de Pequim foi divulgado em vários idiomas no Twitter - que é proibido na China -, em uma tentativa de moldar a visão do restante do mundo em relação aos EUA e à Otan.

"O objetivo é minar o soft power dos Estados Unidos, manchar a credibilidade e o apelo das instituições liberais e desacreditar a imprensa livre", disse ela à BBC, acrescentando que este é um exemplo de como Pequim discute o confronto entre o Kremlin e a Ucrânia quando convém aos seus interesses.

No comunicado emitido nesta sexta, a China apoiou a posição russa em relação à Otan e condenou a "expansão" da organização. No documento, as duas nações ainda pedem que a aliança militar "abandone suas abordagens ideológicas da Guerra Fria" e respeite a "soberania, segurança e interesses de outros países".

Objetivos compartilhados, inimigo comum

Os governos de China e Rússia vêm se aproximando e, segundo especialistas, podem ter criado a conexão mais próxima entre as potências desde a era de Stálin e Mao.

A crise da Crimeia de 2014 na Ucrânia empurrou a Rússia para os braços da China, que ofereceu a Moscou apoio econômico e diplomático em meio ao isolamento internacional.

Desde então, o relacionamento floresceu ainda mais. A China é o maior parceiro comercial da Rússia há anos e atingiu no ano passado um novo recorde de US$147 bilhões em comércio bilateral.

Os dois países também assinaram um acordo para estreitar seus laços militares no ano passado e intensificaram os exercícios militares conjuntos.

Ambos os países têm relações particularmente tensas com o Ocidente, o que é crucial para sua aliança.

"Pequim e Moscou têm um interesse comum em reagir contra os EUA e a Europa e expandir seu papel na política internacional", diz Chris Miller, professor assistente de História Internacional da Universidade Tufts.

No caso de uma escalada no conflito com a Ucrânia que resulte na imposição de sanções ocidentais à Rússia, os especialistas acreditam que a China provavelmente fornecerá ajuda econômica para Moscou, assim como já fez no passado.

A assistência pode chegar em forma de fornecimento de sistemas alternativos de pagamento, empréstimos para bancos e empresas russas, uma expansão da importação de petróleo russo ou até mesmo a rejeição total dos controles de exportação dos EUA.

No entanto, tudo isso significaria um ônus financeiro significativo para a China - razão pela qual os especialistas acreditam que Pequim, ao menos por enquanto, se contentou em apoiar Moscou apenas com palavras de aprovação.

"O apoio manifestado apenas por meio da retórica é um movimento de baixo custo para Pequim", diz Miller.

Um conflito militar na Ucrânia certamente tiraria a atenção dos EUA de outras questões, o que sem dúvida beneficia a China. Mas muitos observadores acreditam que Pequim realmente diz a verdade quando afirma não querer uma guerra.

A China busca estabilizar as relações com os EUA neste momento, aponta Bonnie Glaser, diretora do programa sobre a Ásia do centro de estudos americano German Marshall Fund. Se Pequim ampliar ainda mais seu apoio a Moscou, "poderia criar mais tensões com os EUA, incluindo uma divisão mais clara entre democracia e autocracia", afirmou a especialista à BBC.

Em um artigo publicado recentemente, o cientista político Minxin Pei afirmou que Pequim está provavelmente "protegendo suas apostas" em relação à crise, pois desconfia das verdadeiras intenções de Moscou.

Além disso, dar mais apoio à Rússia pode provocar reações negativas da União Europeia, o segundo maior parceiro comercial da China. Segundo Pei, esse descontentamento europeu poderia assumir a forma de apoio a Taiwan em sua luta por independência com Pequim.

'Taiwan não é a Ucrânia'

Americanos e chineses observam de perto o conflito na Ucrânia, que pode servir como um teste para a lealdade dos Estados Unidos com seus aliados.

Muitos questionam se os EUA poderiam intervir militarmente se a Rússia decidir, de fato, invadir a Ucrânia, ou se o país faria o mesmo caso a China decida intervir em Taiwan, uma ilha que se vê como independente e tem os americanos como maiores aliados.

A preocupação em relação ao uma guerra dos EUA com a China por causa de Taiwan é vista como legítima na Ásia, já que a rivalidade EUA-China não para de crescer e Taiwan relata cada vez mais invasões de aviões militares chineses em seu espaço aéreo.

Os EUA evitam comentar sobre sua posição no caso de um ataque. E apesar do acordo que obriga os americanos a fornecer suporte militar a Taiwan em momentos de ameaça, Washington reconhece por meio de sua diplomacia a ideia defendida por Pequim de que Tibete, Hong Kong, Macau e Xinjiang (todas áreas que reivindicam autonomia perante a China) fazem parte do mesmo país.

Especialistas, no entanto, afirmam que não é correto comparar a situação de Taiwan com a da Ucrânia e argumentam que as duas crises são alimentadas por interesses geopolíticos distintos.

"A China não é a Rússia, e Taiwan não é Ucrânia. Os EUA têm muito mais em jogo com Taiwan do que com a Ucrânia", diz Bonnie Glaser.