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Guerra da Rússia-Ucrânia

Notícias do conflito entre Rússia e Ucrânia


Guerra na Ucrânia: a terrível morte de casal que tentava fugir com filho pequeno

Ksenia e Maksim se conheceram quando trabalhavam na mesma agência de viagens em Kiev - Arquivo pessoal
Ksenia e Maksim se conheceram quando trabalhavam na mesma agência de viagens em Kiev Imagem: Arquivo pessoal

Abdujalil Abdurasulov e Mal Siret

BBC News, Kiev

06/04/2022 14h15

Imagens de drone mostram três carros passando em alta velocidade por uma estrada principal vazia nos arredores de Kiev, a capital ucraniana, quando de repente dão a volta e retornam. Todos, menos um.

Este carro branco chega a virar, mas logo para. Um homem sai e levanta as mãos. Em seguida, seu corpo cai no chão. Momentos depois, soldados russos se aproximam. Uma idosa e um menino saem do carro, e um soldado os leva embora.

O homem caído no chão é Maksim Iovenko. Ele tinha 31 anos e foi morto a tiros pelas forças russas que estavam posicionadas na beira da estrada. A esposa dele, Ksenia, que estava dentro do carro, também foi assassinada.

O filho de seis anos do casal e a amiga idosa da família que estavam com eles escaparam, embora ela tenha sido ferida e permaneça no hospital. (Ambas as famílias pediram que seus nomes não fossem publicados.)

"Até ver o vídeo, ainda tinha alguma esperança", disse o pai de Maksim, Sergiy Iovenko, à BBC em Kiev, onde mora. "Esperava que estivesse vivo."

O incidente aconteceu em 7 de março, quando Maksim e sua família se juntaram a um comboio de cerca de 10 carros de civis que tentavam chegar a Kiev a partir da região oeste à cidade, que se tornou uma zona de conflito. E foi filmado por um grupo de defesa territorial ucraniano que realizava um reconhecimento aéreo.

O vídeo, que parece mostrar forças russas atirando em civis, foi amplamente compartilhado.

Quando um amigo de Maksim que fazia parte do comboio ligou para Sergiy para dar a notícia, ele diz que soube imediatamente que havia algo errado. Houve um silêncio quando ele pegou o telefone e, finalmente, o amigo disse: "Seja forte, seu filho e sua nora se foram".

Ksenia e Maksim Iovenko eram civis - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ksenia e Maksim Iovenko eram civis
Imagem: Arquivo pessoal

Maksim morava em Kiev e trabalhava para uma agência de viagens, onde conheceu Ksenia. Sergiy descreve o filho como um homem de bom coração que gostava de cantar em karaokê. Mas seu maior hobby era sua família. "Ele amava muito o filho, era sua paixão", diz ele.

'Putin não seria capaz...'

Como muitos outros ucranianos, Sergiy diz que ele e a família não acreditavam que o presidente russo, Vladimir Putin, fosse capaz de invadir a Ucrânia. Quando isso aconteceu, Maksim achou que Kiev seria uma das primeiras cidades a ser bombardeada.

Após discutir a situação com um velho amigo de escola, Maksim e a família se mudaram para o oeste, para a segunda casa do amigo, nos arredores de Kiev, não muito longe da rodovia E-40, onde ocorreu o incidente. Maksim disse ao pai que achava que ficaria mais seguro e tranquilo lá.

"Aconteceu exatamente o contrário", afirma Sergiy.

Embora o foco principal da Rússia parecia estar no leste e sul do país, as forças russas também começaram a bombardear cidades a oeste da capital, como Irpin, Bucha e Hostomel, perto de onde Maksim estava hospedado. Sergiy diz que muitas vezes escutava o barulho dos fortes bombardeios de sua casa em Kiev.

Segundo ele, Maksim não falou muito sobre as condições na casa de campo. "Ele disse que era tranquilo, pacífico, normal."

Maksim e o amigo, também chamado Maksim, se revezavam para patrulhar a área à noite, conta Sergiy. As quedas de energia e o sinal fraco de celular dificultavam o contato regular. À medida que o bombardeio continuava, eles se mudaram para o porão e só saíam para comprar comida.

Então, em 7 de março, eles perderam todos os suprimentos. Sem eletricidade, aquecimento ou comida, Maksim, Ksenia e outras famílias que viviam na área decidiram voltar a Kiev. Eles sabiam que corriam o risco de encontrar tropas russas ao longo da estrada, mas achavam que poderiam passar por elas com segurança.

A fuga

O carro de Maksim era o terceiro no comboio, composto por cerca de 50 pessoas, incluindo muitas crianças. Nas janelas do carro, ele havia colocado cartazes feitos em papel branco que diziam: "Crianças".

O amigo dele fazia parte do mesmo comboio. Era a mãe do amigo quem estava no carro com Maksim e Ksenia, e foi capaz de contar a Sergiy o que aconteceu.

Quando o tiroteio começou, o carro de Maksim foi atingido. "O motor do carro parou", revela Sergiy. "Meu filho saltou do carro, levantou as mãos e começou a gritar que havia uma criança no carro, para salvá-lo."

Não está claro por que o resto do comboio ficou para trás dos três primeiros carros, mas Sergiy acredita que muitos dos que estavam atrás retornaram quando viram os carros na frente dando a volta e escutaram os disparos.

Depois do tiroteio, o corpo de Maksim foi deixado na estrada, e o de Ksenia, no carro. Os soldados russos disseram ao filho do casal e à mãe do amigo deles que voltassem caminhando pela estrada.

Quando chegaram a uma distância segura dos soldados russos, a idosa ligou para o marido, que foi até lá para levá-los a um lugar seguro. Eles voltaram para casa e foram levados para Kiev no dia seguinte.

O menino está com a avó na Ucrânia, longe de Kiev, onde Sergiy permanece.

Na semana passada, Sergiy recebeu uma ligação informando que a área em que ocorreu o incidente havia sido retomada pelas forças ucranianas. Havia, no entanto, mais más notícias.

"Queimaram todos eles. Queimaram os carros também", diz Sergiy.

Uma equipe de jornalistas da BBC visitou o mesmo trecho da estrada e viu muitos carros e corpos queimados. Entre eles, estava o carro de Maksim, crivado por estilhaços e reduzido a uma carcaça pelo fogo, com os restos carbonizados de um corpo dentro e outro na estrada ao lado dele, ainda usando uma aliança de casamento.

Sergiy diz que está desolado pelo que aconteceu e pelo que seu neto teve que testemunhar.

O menino lembra de ter visto os soldados russos com suas armas e está recebendo apoio de parentes e especialistas, segundo ele.

"As únicas palavras que ele disse quando chegou em um lugar seguro, para suas avós, foram: 'Não vamos mais dormir em um porão, vamos? E não haverá nenhum homem assustador?'"