Shinzo Abe: armas caseiras como a usada para matar ex-premiê desafiam rigoroso controle japonês
A atual lei japonesa de controle de armas, criada em 1958 e revisada em 2014, ajudou o Japão a manter os menores índices de criminalidade do mundo, mas vem sendo desafiada pela fabricação de armas caseiras.
Foi com uma arma artesanal de 40 centímetros de comprimento que Tetsuya Yamagami, de 41 anos, tirou a vida do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, um dos líderes políticos mais proeminentes do país, na cidade de Nara.
Durante revista na casa do acusado, também em Nara, policiais encontraram objetos semelhantes à arma usada no atentado e outros explosivos.
Artefatos de produção doméstica têm incomodado a polícia nos últimos anos, mas se tornaram ainda mais preocupantes depois da popularização das impressoras 3D.
Esses aparelhos permitem fabricar em casa partes, peças e objetos inteiros, em diferentes tipos de materiais.
"Nós fiscalizamos, da mesma forma que fazemos com as convencionais, mas é muito difícil achar essas armas caseiras, porque hoje em dia qualquer pessoa pode comprar uma impressora 3D", comentou um instrutor da Academia Nacional de Polícia.
"Temos que mudar as leis e melhorar o sistema de segurança."
No caso de Abe, as autoridades não informaram se a arma caseira, que tinha dois cilindros envoltos com fita adesiva preta e fios à mostra, foi feita com uma impressora 3D ou não.
Outros casos
A primeira vez que o Japão aplicou a Lei de Controle de Armas de Fogo no caso de armas fabricadas com impressoras 3D foi em 2012.
A polícia chegou até Yoshitomo Imura, funcionário de 27 anos de um instituto de tecnologia em Kanagawa, após ver vídeos que ele havia postado na internet com seus artefatos: cinco armas de plástico, sendo duas com função para disparar balas reais.
Em março de 2002, em Osaka, a polícia prendeu um desempregado de 61 anos que teria usado uma arma artesanal para ferir um homem que passeava com um cachorro.
Dois anos depois, foi registrada outra tentativa de homicídio, desta vez com um artefato feito com impressora 3D. O acusado, ex-motorista na província de Fukuoka, atingiu um colega.
A polícia também encontrou uma pistola caseira ao lado do corpo de uma pessoa de 52 anos que se suicidou na Província de Ibaraki.
Baixa criminalidade
Apesar de casos assim, as estatísticas indicam que o Japão ainda se mantém como um dos países com o menor índice de criminalidade do mundo.
De acordo com a Agência Nacional de Polícia, no ano passado foram registrados dez crimes cometidos com armas de fogo, que resultaram em uma morte e quatro feridos.
Também houve 295 armas apreendidas e 78 pessoas detidas por violarem a lei referente ao assunto, sendo que, do total de presos, 29 tinham ligação com a máfia.
Observando os dados a partir de 2017, há entre 10 e 20 incidentes com tiros por ano e o total de vítimas (mortos e feridos) oscila entre 3 e 12.
A título de comparação, nos primeiros seis meses deste ano, os Estados Unidos já registraram 306 tiroteios em massa com pelo menos quatro feridos ou mortos.
Esse número está perto do recorde verificado no primeiro semestre de 2021, quando houve 327 crimes semelhantes, segundo a Gun Violence Archive.
A organização sem fins lucrativos monitora crimes com uso de arma de fogo desde 2014.
'Isso não pode ter acontecido aqui'
O atentado contra o ex-premiê Abe chocou o mundo, porque isso parecia improvável no Japão, onde episódios assim são raros, e as armas fortemente controladas.
"Isso não pode ter ocorrido aqui!", foi um dos comentários mais ouvidos sobre o caso.
Lideranças políticas falavam em "terrorismo", lembrando atentados passados. Mas nada que pudesse ser comparado ao assassinato de um ex-premiê japonês.
"Este ataque é um ato de brutalidade que aconteceu durante as eleições - a base de nossa democracia - e é absolutamente imperdoável!", afirmou o premiê Fumio Kishida.
O Japão vai às urnas no domingo (10/7) para renovar a Câmara Alta do Parlamento. Depois do atentado a Abe, o primeiro-ministro Kishida confirmou o calendário eleitoral e mandou reforçar a segurança de seus ministros.
O atual sistema de proteção dos políticos foi iniciado em 1975, após um incidente envolvendo o então premiê Takeo Miki. Agredido por um membro do grupo da extrema-direita quando participava de um funeral, ele passou a criticar a Polícia Metropolitana de Tóquio por não fazer o suficiente para garantir sua segurança.
O desfecho do caso Abe trouxe esse tema de volta ao noticiário japonês.
Como Abe foi assassinado?
No momento do atentado, havia cerca de 30 pessoas na frente do ex-premiê e, do lado, alguns seguranças e parte de sua equipe.
O político fazia campanha para seus companheiros do Partido Liberal Democrático em uma rua perto da estação de trem em Nara, e discursava no momento em que foi baleado por trás.
Imagens feitas com celulares por quem assistia ao comício mostram um homem de óculos e usando máscara, postado a dez metros de Abe. Ele observava o comício e aplaudia. De repente, ficou a três metros do político.
Tetsuya Yamagami fez dois disparos com a arma, antes de ser imobilizado por seguranças. Não reagiu.
À polícia, ele admitiu a autoria do crime, disse ter planejado tudo há alguns meses e contou que estava insatisfeito com o ex-primeiro-ministro, por isso pretendia matá-lo.
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62102889
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