PEC do Auxílio Brasil: há 22 anos, Bolsonaro foi único deputado contra Fundo de Combate à Pobreza
Hoje defensor de novos benefícios sociais, presidente disse em 2000 que tinha "orgulho" de se opor a programas de transferência de renda.
O presidente Jair Bolsonaro (PL), que hoje tenta aprovar no Congresso um controverso pacote de benefícios sociais no valor estimado de R$ 41 bilhões, foi o único deputado federal a votar contra a criação do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza em dezembro de 2000, quando exercia mandato na Câmara.
Naquela ocasião, o Congresso aprovou R$ 2,3 bilhões (o equivalente a quase R$ 9 bilhões em valores corrigidos pelo IPCA) para o novo fundo, sendo R$ 1 bilhão para ações de saneamento e R$ 1,3 bilhão para programas de transferência de renda, em especial o Bolsa Escola, programa precursor do Bolsa Família que transferia recursos para famílias pobres que mantinham crianças estudando.
Em discurso no plenário durante a votação, Bolsonaro disse que estava orgulhoso do seu voto. Segundo ele, a proposta era clientelista e aumentava impostos. A principal fonte de recursos para o fundo veio do aumento de 0,30% para 0,38% da alíquota da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), tributo que deixou de existir em 2008.
"Orgulho-me de ter votado contra o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. Orgulho-me e muito, porque é um fundo que aumenta imposto, aumenta a CPMF, aumenta o IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados]. Sabemos que, infelizmente, esse dinheiro não terá destino certo, será usado o critério do clientelismo, assim como foi usado o critério da demagogia, por parte do autor da proposta, para poder aprová-la", disse o então deputado.
Em seguida, Bolsonaro defendeu como política de combate à fome o controle de natalidade da população pobre, ou seja, que esse grupo social tivesse menos filhos.
"O combate à fome e à miséria passa por uma rígida política de controle da natalidade. Se não for assim, tudo o que estamos fazendo não alcançará nosso objetivo. Então, até aprovaria essa proposta se tivesse vindo junto com uma política de controle de natalidade, porque estamos, na verdade, estimulando a classe pobre para que cada vez tenha mais filhos, principalmente agora que eles estão sabendo que grande parte ou a totalidade desse dinheiro deverá ser empregado no programa Bolsa Escola", criticou.
"Ou seja, eu quero ser reprodutor. Quanto mais filhos tiver, mais salário mínimo vou ganhar", acrescentou.
Procurado pela BBC News Brasil para comentar o assunto, o Palácio do Planalto não respondeu até a publicação desta reportagem.
Posteriormente, o Bolsa Escola deu lugar ao Bolsa Família, programa de transferência de renda criado em 2004 no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nos anos seguintes, Bolsonaro manteve críticas a esse tipo de benefício social e chegou a defender seu fim.
"Devemos discutir aqui a questão do Bolsa Família. Devemos colocar um fim, uma transição para o Bolsa Família, porque, cada vez mais, pobres coitados, ignorantes, ao receberem Bolsa Família, tornam-se eleitores de cabresto do PT", disse em 2011, em outro discurso no plenário da Câmara.
Já como presidente, Bolsonaro decidiu substituir o Bolsa Família (cujo benefício médio em 2021 era inferior a R$ 200) por um programa social maior, o Auxílio Brasil, que paga benefícios de R$ 400.
Agora, a menos de três meses da eleição, seu governo amplia provisoriamente (até dezembro) o valor do auxílio, após aprovação na Câmara dos deputados na quarta-feira (13/7), de R$ 400 para R$ 600. O pacote cria também um auxílio para compra de combustível por caminhoneiros autônomos de R$ 1 mil e amplia o benefício para compra de gás de cozinha, entre outras medidas. Após a proposta de emenda à Constituição (PEC) ser aprovada no Senado e na Câmara, ela foi promulgada no Congresso Nacional nesta quinta-feira (14/7).
Devido ao histórico de oposição a programas de transferência de renda, críticos de Bolsonaro o acusam de ter criado o Auxílio Brasil para tentar reverter a queda da sua popularidade e dizem que o novo pacote social seria uma medida desesperada para ele tentar se reeleger.
O presidente e integrantes de seu governo e base de apoio negam que se trata de uma proposta que tem em vista a eleição e afirmam ser uma medida de urgência para aliviar os efeitos de impactos negativos sobre a economia na vida da população.
Hoje, Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, a uma distância considerável do líder desses levantamentos, o ex-presidente Lula.
Outro ponto controverso do pacote proposto pelo governo é o fato de incluir a alteração da Constituição Federal para instituir no país um estado de emergência, devido à disparada dos preços dos combustíveis. Na visão de especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, essa medida serve para driblar a lei eleitoral, que veda a criação de novos benefícios sociais antes da eleição.
Já o governo alega que a situação é emergencial, devido aos impactos da invasão da Ucrânia pela Rússia sobre os preços internacionais de combustíveis.
"Se nada fosse feito para aliviar os brasileiros dos impactos do 'fica em casa que a economia vê depois' e da guerra, a esquerda e a imprensa reclamariam de omissão. Como estamos fazendo, reclamam de (caráter) eleitoreiro. É simples: quanto pior for para o povo, melhor para se promoverem", afirmou Bolsonaro, no início de julho.
Apesar das críticas que o pacote vem sofrendo, a proposta recebeu amplo apoio no Congresso, inclusive com votos do PT, o maior partido de oposição.
"O @ptbrasil e a oposição são solidários à população brasileira, e jamais poderiam se omitir neste momento grave em que a fome atinge 33 milhões de pessoas e mais de 100 milhões em insegurança alimentar. O voto a favor da PEC Kamikaze significa um ato de humanidade e solidariedade", justificou o deputado José Guimarães (PT-CE).
Partido que governou o país de 2003 a 2016, o PT também já sofreu críticas por mudar de posicionamento quando estava no comando do Palácio do Planalto e na oposição. Um desses casos foi a posição do partido sobre a Reforma da Previdência.
A então presidente Dilma Rousseff (PT) chegou a defender a necessidade de uma reforma em janeiro de 2016, poucos meses ates de sofrer impeachment, mas seu partido ficou contra a revisão das regras da Previdência proposta pelo governo de Michel Temer (2016-2018) e aprovada no governo Bolsonaro.
Guedes defende gastos
O ministro da Economia, Paulo Guedes, por sua vez, respondeu às críticas sobre o impacto do pacote nas contas públicas. Segundo ele, como a arrecadação do governo tem surpreendido positivamente, há sobra de receita para custear os novos benefícios sociais.
"Não serão impactados os resultados fiscais deste ano. Nós estamos repassando os excessos de arrecadação, nós estamos repassando os extraordinários resultados dos dividendos das empresas estatais. Nós estamos compartilhando com a população", disse Guedes na terça-feira (12/7), ao participar de audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
O governo Bolsonaro tem realizado a redução de alguns impostos, como o IPI, que incide sobre produtos industrializados, e conseguiu também fazer com que os Estados reduzissem a cobrança de ICMS sobre combustíveis.
Por outro lado, dados do Tesouro Nacional mostram que houve aumento da carga tributária no ano passado: a arrecadação total do país atingiu o equivalente a 33,9% do Produto Interno Bruto (PIB), patamar recorde.
- Texto originalmente publicado em http://bbc.co.uk/portuguese/brasil-62158187
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