Topo

Esse conteúdo é antigo

Eleições 2022: 10 momentos-chave que definiram campanhas de Lula e Bolsonaro no 2º turno

Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem liderado a maioria das pesquisas eleitorais, e Jair Bolsonaro (PL), que está atrás nas intenções de voto, se enfrentam em um segundo turno presidencial histórico amanhã, dia 30 de outubro - Anadolu Agency/Getty Images
Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem liderado a maioria das pesquisas eleitorais, e Jair Bolsonaro (PL), que está atrás nas intenções de voto, se enfrentam em um segundo turno presidencial histórico amanhã, dia 30 de outubro Imagem: Anadolu Agency/Getty Images

Giulia Granchi - Da BBC News Brasil em São Paulo

29/10/2022 14h35

Último mês da disputa presidencial foi marcada por polêmicas, disputa pelo eleitorado religioso e mais

Os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem liderado a maioria das pesquisas eleitorais, e Jair Bolsonaro (PL), que está atrás nas intenções de voto, se enfrentam em um segundo turno presidencial histórico amanhã, dia 30 de outubro.

É a primeira vez que dois candidatos que já presidiram o Brasil disputam um segundo turno, e suas campanhas ao longo das últimas semanas foram repletas de momentos marcantes que podem ajudar a definir os resultados neste domingo. Confira, abaixo, 10 deles.

1. Lançamentos das campanhas

As campanhas presidenciais foram lançadas oficialmente no fim de agosto, e embora tenham ocorrido bem antes da definição do segundo turno, trouxeram elementos importantes das candidaturas de Lula e Bolsonaro.

"No lançamento da campanha do petista observamos um movimento um pouco saudosista, com imagens simbólicas que remeteram a 1989 [ano da primeira campanha presidencial de Lula]. Além disso, já houve um aceno de que eles queriam transmitir a ideia de uma frente ampla, trazendo Alckmin, um marcador inicial importante", avalia o cientista político Creomar de Souza, fundador da consultoria política Dharma.

Na campanha de Bolsonaro, Souza avalia que o destaque do lançamento, que também era um indicativo do tom de como seria a candidatura do atual presidente, foi a abertura dos discursos por Michelle Bolsonaro, que foi se tornando uma figura importante.

"Para driblar um dos seus pontos fracos, a rejeição do eleitorado feminino, a campanha escalou a esposa, Michelle, para entrar em campo. Ela figurou com destaque na propaganda política e nas viagens. Participou de dezenas de cultos evangélicos, nos quais entoava o mantra da luta do 'bem' (o bolsonarismo) contra o 'mal' (o petismo). A estratégia parece ter ajudado a conter perdas nessa fatia do eleitorado", aponta a professora Maria do Socorro Braga, que leciona Ciência Política na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).

2. Bolsonaro mais forte do que previam as pesquisas

Bolsonaro terminou o primeiro turno da disputa presidencial com mais votos do que as pesquisas previam. Enquanto institutos como Datafolha e Ipec mostravam que o atual presidente conquistaria em torno de 37% dos votos, ele chegou ao segundo turno com 43,2%.

Em entrevista à BBC News Brasil, Sidney Chalhoub, professor de História e Estudos Africanos e Afro-Americanos da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, avaliou que a votação mostra que a reação conservadora não está se esgotando como se pensava.

A "onda conservadora", na visão do professor, "pode, apesar da sua vocação antidemocrática, sobreviver democraticamente e ter força para influenciar a democracia, porque conta com uma grande quantidade de eleitores."

Políticos do PL, partido de Bolsonaro, também conquistaram a maioria dos cargos no Congresso.

O partido tem a maior bancada da Câmara dos Deputados, com crescimento dos 76 deputados atuais para 99 na próxima legislatura, e 14 cadeiras no Senado.

3. Lula e o apoio da 'frente ampla'

Lula conquistou aliados importantes, que foram além dos nomes previsíveis da esquerda. Entre os apoios recebidos estão o de ex-opositores: o sutil apoio declarado por Ciro Gomes (PDT) e o apoio vocal e até militante de Simone Tebet (MDB), que tem acompanhado o petista em comícios.

"O candidato do PT conseguiu organizar em torno de si amplo apoio de segmentos sociais variados, incluindo classe de baixa renda, mulheres de vários campos profissionais, artistas, celebridades, parte da classe econômica, política e do capital financeiro", aponta a professora Maria do Socorro Braga.

Na avaliação do cientista político Creomar de Souza, Lula rompeu uma barreira ideológica ao conseguir apoios de figuras consideradas da centro-direita.

"Nomes como Simone Tebet e Fernando Henrique Cardoso, que não votaram no PT, isso é uma novidade no quadro político. Já os apoios que o Bolsonaro recebeu até agora são mais do mesmo. Não há ninguém que entrou no palanque que possamos dizer 'esse eu não esperava'."

4. Bolsonaro e o escândalo do 'pintou um clima'

Em 14 de outubro, durante uma entrevista a um podcast, Bolsonaro disse que "pintou um clima" durante visita a um grupo de meninas venezuelanas no Distrito Federal.

Na ocasião, ele associou as adolescentes à exploração sexual. "Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. Eu pergunto: meninas bonitinhas, 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida."

A fala teve grande repercussão. Como mostra uma reportagem da BBC publicada logo após o episódio, houve uma série de defesas por parte de apoiadores do presidente, que disseram que sua fala foi tirada de contexto e acusaram a esquerda de fake news.

O presidente também pediu perdão caso as frases tenham sido "mal compreendidas" ou causado "algum tipo de constrangimento a nossas irmãs venezuelanas".

A cientista política Camila Rocha, que é pesquisadora da nova direita no Brasil no Cebrap, disse à reportagem que o pedido de desculpas é algo inédito.

"É uma estratégia de humanizar a figura dele porque quem faz o marketing do Bolsonaro percebeu que tem um impacto importante no sentido de afastar as pessoas do voto no Bolsonaro. Ainda que a gente saiba que seja algo meio que para inglês ver - porque ele nunca fez isso antes, vai fazer agora aos 45 do segundo tempo - mas pode dar algum resultado, sim. No sentido de alguém que até gostaria de votar no Bolsonaro, aí viu o 'pintou um clima', ficou assustado, mas daí fala 'tudo bem, ele pediu desculpa, ou fez alguma coisa a respeito'."

5. Debate com os opositores 'cara a cara'

No debate exibido pela Band no dia 16 de outubro, Bolsonaro e Lula dialogaram "cara a cara", sem a intervenção de terceiros por boa parte do tempo, pela primeira vez.

Lula focou parte do discurso na má gestão do opositor na pandemia da covid-19 e na economia, enquanto Bolsonaro reforçou mensagens que vinculavam o rival à corrupção.

Para a professora Maria do Socorro Braga, alguns debates prejudicaram Lula.

"Não usou bem o seu tempo, principalmente no último debate antes do primeiro turno, exibido na Globo, e ainda buscou ingenuamente se colocar como colega de um político que defende dizimar o oponente. Como estadista que o Lula é, precisa ter outra postura e atitudes diante das agressões, acusações, pressões e ameaças de Bolsonaro. A depender dos temas, ele poderia ter sido mais propositivo, estratégico e até desequilibrar Bolsonaro", opina Braga.

6. Os 'pacotes de bondades'

"O ano eleitoral de 2022 foi marcado pela aprovação, por parte da maioria bolsonarista no Congresso, de generosos benefícios sociais", lembra a professora Maria do Socorro Braga.

Conhecidas informalmente como "pacote de bondades", essas medidas lançadas pelo governo federal para aumentar despesas sociais em pleno período eleitoral serviram para financiar empréstimos consignados, auxílios para famílias e trabalhadores como caminhoneiros e taxistas.

As medidas foram turbinadas no último mês, com o anúncio de antecipação das últimas duas parcelas do auxílio pago a caminhoneiros e taxistas. Estima-se que o valor gasto deixe um rombo de R$ 68 bilhões aos cofres da União apenas em 2022.

"Essas políticas atingiram um extenso contingente de pessoas vulneráveis socialmente, minando bases que no passado foram cortejadas por Lula."

7. Decisões polêmicas do TSE

Em 20 de outubro, foi aprovada uma resolução que afirma que em casos de notícias falsas que já tenham sido consideradas irregulares pelos integrantes do tribunal, em decisão colegiada, a determinação de retirada do ar vale também para conteúdos idênticos replicados na internet.

Isso significa que se uma fake news com conteúdo idêntico a uma já julgada pelo TSE começar a circular, o presidente do tribunal, Alexandre de Moraes, pode ordenar que ela saia do ar sem a necessidade de uma nova ação de partidos, do Ministério Público ou uma decisão judicial com um pedido.

Em outro episódio recente, a Jovem Pan, empresa de rádio e televisão que vinha incluindo em sua programação diária críticas ao ex-presidente, foi proibida de usar temos como "ex-presidiário" e "ladrão" em referência a Lula.

A Jovem Pan veiculou um editorial afirmando que "justamente aqueles que deveriam ser um dos pilares mais sólidos da defesa da democracia estão hoje atuando para enfraquecê-la e fazem isso por meio da relativização dos conceitos de liberdade de imprensa e de expressão, promovendo o cerceamento da livre circulação de conteúdos jornalísticos, ideias e opiniões".

Em entrevista à BBC News Brasil, o advogado Alberto Rollo, especializado em direito eleitoral avalia as expressões proferidas pelos comentaristas da emissora. "Se algum dia eu fosse condenado por alguma coisa pela qual eu pudesse ser chamado de ladrão e o meu processo fosse anulado, estaria errado me chamar de ladrão empiricamente. Ladrão é aquele que foi condenado em transitado em julgado [quando não há mais possibilidade de recursos]."

Na avaliação da professora Luciana Veiga, os apoiadores de Bolsonaro encararam a decisão como uma privação da liberdade. "Foi mais um ponto para o discurso de que a liberdade de expressão deles corre risco."

8. Caso Roberto Jefferson

Na última semana de campanha, o ex-deputado Roberto Jefferson, quando soube que seria preso pela Polícia Federal, disparou mais de 50 tiros e jogou três granadas contra servidores da PF, que ficaram feridos.

"Jefferson é apoiador declarado de Bolsonaro e o resultado, previsível, foi um efeito colateral negativo na campanha bolsonarista, atingida pelo efeito dos disparos. Sobretudo porque as vítimas foram policiais, uma das bases que ajudaram a eleger Bolsonaro em 2018. Vale lembrar que essa atitude violenta foi em seguida a uma primeira, dirigida a uma mulher, a ministra Cármen Lúcia , público mais refratário ao Bolsonaro", diz Braga.

A violência à ministra Carmem Lúcia citada por Braga foi proferida por Jefferson durante sua audiência de custódia, em 25 de outubro. Em depoimento a Airton Vieira, juiz instrutor do ministro Alexandre de Moraes no Supremo, Jefferson disse que Cármen Lúcia age "pior que prostitutas".

"Essa fala contra uma ministra, mulher e sexagenária, foi ruim para Bolsonaro na questão de estratégia de gênero. Como reflexo do que aconteceu com Jefferson, agora o presidente se manifesta contra o antigo aliado, e nas propagandas políticas, fala da segurança, mas sem falar da questão do armamento", afirma Luciana Veiga.

9. Busca pelo eleitorado religioso

A religião foi foco importante da disputa no último mês. Notícias falsas de que Lula fecharia igrejas foram espalhadas, às quais o petista respondeu se encontrando com padres e sacerdotes e escrevendo uma carta aberta aos evangélicos.

Enquanto isso, Bolsonaro se destacou recebendo o apoio de influenciadores evangélicos e mantendo bom índice de apoio entre as comunidades cristãs.

O "acirramento do ordenamento social no campo religioso", como caracteriza a cientista política Luciana Veiga, foi uma estratégia que trouxe bons resultados para Bolsonaro.

"Ele buscou alinhar principalmente as mulheres cristãs, pobres, do país inteiro, mas sobretudo do Nordeste, pela identidade religiosa. É um grupo que poderia, por identidade de classe e gênero, estar tendendo a votar no Lula, mas Michelle e Bolsonaro buscaram trazer essas mulheres para dentro."

Um episódio, no entanto, marcou negativamente a campanha do presidente. No dia 12 de outubro, durante as celebrações em homenagem a Nossa Senhora de Aparecida, apoiadores de Bolsonaro proferiram ofensas e chegaram a vaiar um sacerdote que discursava a favor do combate à fome na Basílica.

10. Acusações da campanha bolsonarista

Na reta final do segundo turno das eleições presidenciais, o comando da campanha à reeleição de Bolsonaro recorreu ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) alegando que a sua chapa teria sido alvo de "fraude eleitoral".

A suposta fraude teria ocorrido porque rádios das regiões Norte e Nordeste teriam deixado de veicular milhares de inserções (pequenas peças publicitárias) da campanha do presidente, prejudicando o candidato à reeleição.

A Justiça Eleitoral, no entanto, negou o pedido de investigação feito pela campanha. Em decisão divulgada na noite desta quarta-feira, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, afirmou que as supostas irregularidades "são inconsistentes" e carecem de "base documental crível."

"Bolsonaro parte para a narrativa de que há um desvio de conduta do Tribunal da Justiça Eleitoral na condução das inserções de rádio e tenta jogar isso na 'conta' de Lula, em uma tentativa de dizer, a poucos dias da decisão, que as eleições não são limpas", diz Creomar de Souza.

Com isso, diz Luciana Veiga, Bolsonaro mune seus eleitores com informação que fazem com que eles ganhem força nas redes sociais, onde tinham perdido força após o episódio de Roberto Jefferson. "Além disso, criam mais um argumento para, caso necessário, gerar questionamento e usar o discurso de fraude.

Na sexta-feira (28), no entanto, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, deu entrevista à Folha de S.Paulo afirmando que se arrependia de ter levantado a questão das inserções e admitindo que, se houve a falta da veiculação, a culpa seria do próprio partido do presidente, o PL.

- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63418127