Ivan Lessa: Nem blim nem blom

da BBC, em Londres

Nunca acreditei em Papai Noel. Como toda criança. Criança é mais esperta do que pensam os adultos. Criança finge acreditar para não entristecer os pais.

Entre si, tudo quanto é garoto, dos 2 anos para cima, morre de rir da burrice e ingenuidade dos mais velhos. “Cambada de débeis mentais!” dizem para os botões de seus videogames.

Criança não é besta, é o que estou tentando dizer. Criança, só de safarnagem, faz tudo que se espera de criança: chora, chateia, diz gracinha (“Papai, para onde vão as estrelas nas noites de chuva?), o repertório habitual.

Adulto, invariavelmente corrompido pela fixação irrazoável na vida, acredita naquilo que prefere acreditar e vai tudo sorrindo ou se comovendo com o que chamam de doçura e inocência infantis.

Esquecem-se de tudo que sabiam aos 5 anos. Só vão se lembrar apenas naquela fração de segundo logo depois do garoto disparar o 45 na cara deles, depois de ter pego o relógio e a carteira dos bestalhões. Para citar, entre linhas e dentes, um assunto na moda por aí: as crianças são os “turistas” (lato sensu) desta vida.

No colo de Papai Noel

Nunca acreditei em Papai Noel, disse eu. O que não me impediu de me sentar no colo de alguns deles nas grandes lojas de departamentos (do MacyŽs, nos Estados Unidos, ao Mappin, em São Paulo – que era feminino na minha infância), e enumerar, tatibitate, meus pedidos: os almanaques do Globo Juvenil e do Gibi, um jogo de química e uma bola nova de futebol.

Se pai e mãe estivessem por perto, acrescentava: “O resto o senhor escolhe”, para gáudio (os adultos sentem gáudio, coitados) deles que iriam repetir a tolice para os conhecidos e o resto da família.

Lembro do bafo de onça de todos os Papais Noéis que me pegaram no colo. Sempre torci para um deles tentar uma imoralidade comigo para eu botar a boca no mundo e empanar um pouco que fosse da ilusão dos pobres adultos, pais e mães todos em torno da gruta do cavalheiro de vermelho e branco e longas barbas e bigodes, sorrindo entre si feito idiotas.

A uma certa hora, graças a Deus, podíamos ir para casa e, à sombra de uma árvore de Natal de matéria plástica, brincar de constituirmos uma família razoavelmente feliz.

Papai Noel passa na caixa

A HarrodŽs, aqui em Londres, mantém a tradição da gruta de Papai Noel há algumas dezenas de anos. Mesmo depois de passar a pertencer a um egípcio, possivelmente muçulmano, o Mohammed al-Fayed (é, aquele mesmo, o pai do rapaz que morreu no túnel parisiense com a princesa de Gales), o ritual da fila em frente àquele que, sem ironia, é conhecido como o “bom velhinho” (Ho! Ho! Ho! conforme se ri por aqui), é aberta para toda a (palavra odiosa) “petizada”.

Esse ano, para “gáudio” dos menores de 12 anos, deu bolo. Papai Noel foi sumariamente demitido. Por estar fazendo comentários irônicos e sarcásticos. Não foram as crianças que se queixaram. Criança adora ironia e sarcasmo. Foram os pais que correram para delatar um dos poucos momentos interessantes desta época do ano, tirante o mini-tornado londrino.

Ficaram ainda mais chateados porque o Papai Noel da HarrodŽs não estava de porre. A ironia e o sarcasmo eram sua natural bonomia – Ho! Ho! Ho!). Resultado: Papai Noel foi obrigado a passar na contabilidade e pegar os trocados que lhe eram devidos. Pouca coisa, na certa, mas espero que o cavalheiro, agora livre de filhos dos outros e descomprometido com renas, guizos, sininhos e chaminés, possa ter ido para o pub e, aí sim, enchido a cara para valer.


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