Integração da América Latina vai continuar emperrada em 2007
da BBC, em Londres
O processo de integração da América Latina vai continuar enfrentando grandes dificuldades práticas em 2007, apesar da recente eleição de vários presidentes de esquerda na região.
Alguns analistas esperavam que a suposta aproximação ideológica entre os oito presidentes com tendências de esquerda eleitos no continente desde dezembro de 2005 facilitasse a integração econômica e política regional.
Afinal, muitos desses líderes (entre eles, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva) vêm defendendo enfaticamente a tese de que é preciso aumentar a integração entre os países da região para ampliar o desenvolvimento, ajudar a diminuir as imensas desigualdades sociais locais e dar ao continente melhores condições para competir no mundo globalizado.
Algumas medidas, como o esforço que o Brasil fez para criar a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), estão sendo tomadas para que essa sonhada integração saia do papel e se transforme numa realidade.
Mas os obstáculos para isso ainda são imensos, como ficou claro durante a 2ª reunião de presidentes da Casa, realizada em Cochambamba, na Bolívia, no início de dezembro.
"Viagra político"
Durante a reunião, alguns presidentes mostraram que têm pontos de vista muito diferentes sobre esse processo de integração.
O presidente da Venezuela, por exemplo, discorda até do nome da Comunidade Sul-Americana de Nações e disse que as entidades regionais, como o Mercosul, precisam de um "viagra político".
Indo mais direto ao ponto, Chávez afirmou que os líderes da região tomam as decisões nas reuniões de cúpula, "mas não têm poder para executá-las".
Outros, como o presidente Lula, foram mais conciliadores e positivos.
Na reunião, Lula pediu paciência para tentar fazer avançar o processo de integração. Num reconhecimento de que a tarefa não é fácil, o presidente disse que os líderes do continente precisam tratar da questão da integração com "delicadeza".
De certa forma, os dois presidentes estão certos.
Os organismos regionais, de fato, não têm a influência necessária para promover de forma mais acelerada essa integração, como diz Chávez. E o próprio processo pode simplesmente naufragar se for feito de forma atabalhoada, algo que o presidente Lula pretende evitar.
Dificuldades
O processo de integração está cercado de problemas e dificuldades para sua implantação.
Em primeiro lugar, os países da região têm interesses estratégicos muito distintos – e que, obviamente, acabam tendo precedência sobre a suposta aliança ideológica dos seus presidentes.
O exemplo mais claro disso se deu em meados de 2006, quando o presidente da Bolívia, Evo Morales, enviou tropas para ocupar refinarias da Petrobras no país durante o processo de nacionalização do gás boliviano.
Os interesses, em alguns casos, são tão distintos que a diretora-executiva e fundadora do Latinobarómetro, Marta Lagos, disse recentemente numa conferência em Londres que a América Latina, na prática, "não existe" como entidade política.
Segundo Marta Lagos, cada país da região age como bem entende porque existem poucos interesse comuns. Ela diz que seria mais lógico que as discussões fossem feitas em pequenos blocos regionais, quando os interesses imediatos tendem a ser mais interligados.
Moderados x radicais
Um outro ponto que dificulta qualquer processo de integração, no momento, é a diferença de pontos de vista entre os próprios presidentes de esquerda do continente.
O professor Victor Bulmer-Thomas, um especialista em América Latina que está deixando a direção do Royal Institute of International Affairs (um dos mais prestigiados institutos de estudos das relações exteriores do mundo), diz que os presidentes podem ser divididos em dois grupos: os "moderados" e os "radicais".
Em um recente artigo para a revista World Today, do próprio Royal Institute of International Affairs, Bulmer-Thomas afirmou que a principal diferença entre os dois grupos é a forma como eles vêem e reagem ao processo de globalização.
Segundo o professor, o grupo de presidentes da esquerda moderada (entre eles, Lula e os presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e do Chile, Michelle Bachelet) "aceitam os desafios do processo de globalização" e pretendem usar os mecanismos econômicos ortodoxos para fazer a economia de seus países crescer e para distribuir renda.
Os radicais (entre eles, Evo Morales e Hugo Chávez), segundo Bulmer-Thomas, não "aceitam os desafios do processo de globalização" e vêem com ceticismo a aplicação de capital estrangeiro em suas economias.
Essa visão de mundo distinta, especialmente com relação à globalização, contribui para que os dois grupos interpretem de maneira diferente o processo de integração do continente.
Para líderes como Chávez, a integração deve ser política. Para outros, o maior interesse é a integração econômica. E alguns não vêem o processo como prioridade em nenhum dos dois casos.
Livre comércio
Um terceiro obstáculo para o processo como um todo é a falta de um tema óbvio que aglutine as preocupações imediatas da maioria dos líderes da região.
Até recentemente, a proposta de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) era o principal tema com potencial para conseguir essa façanha.
A clara posição dos Estados Unidos em defesa da Alca levou todos os países do continente a preparar suas estratégias de política externa em relação a uma realidade que poderia inseri-los na maior zona de livre comércio do mundo, com todos os benefícios e problemas que a Alca poderia criar em suas economias e sociedades.
Mesmo os governos que eram contrários à idéia tiveram que se mobilizar para contestá-la. A opção de ignorar o assunto não existia e isso levou a uma grande mobilização diplomática e conseqüente aproximação entre vários países.
Mas está claro agora que a Alca não deve sair do papel no curto prazo. Com isso, o comércio exterior deixa de ser prioridade para uma grande parte dos países da região.
Para outros, como Peru e Colômbia, a prioridade passa a ser a implementação de acordos de livre comércio diretamente com os Estados Unidos, o maior parceiro comercial da esmagadora maioria dos países do continente.
O suposto desinteresse de Washington em relação à América Latina desde os atentados de 11 de setembro de 2001 (quando a atenção dos americanos voltou-se de maneira definitiva pra outras partes do mundo) também ajuda, de certa forma, a manter o processo de integração da região em banho-maria.
Michael Shifter, o vice-presidente do Inter-American Dialogue, um dos maiores institutos dedicados ao estudo da América Latina, baseado em Washington, diz que esse desinteresse não deve mudar nos próximos anos, muito pelo contrário.
Isso talvez seja um sinal de que os americanos também não crêem que o processo de integração saia do papel no curto prazo.
Alguns analistas esperavam que a suposta aproximação ideológica entre os oito presidentes com tendências de esquerda eleitos no continente desde dezembro de 2005 facilitasse a integração econômica e política regional.
Afinal, muitos desses líderes (entre eles, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva) vêm defendendo enfaticamente a tese de que é preciso aumentar a integração entre os países da região para ampliar o desenvolvimento, ajudar a diminuir as imensas desigualdades sociais locais e dar ao continente melhores condições para competir no mundo globalizado.
Algumas medidas, como o esforço que o Brasil fez para criar a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), estão sendo tomadas para que essa sonhada integração saia do papel e se transforme numa realidade.
Mas os obstáculos para isso ainda são imensos, como ficou claro durante a 2ª reunião de presidentes da Casa, realizada em Cochambamba, na Bolívia, no início de dezembro.
"Viagra político"
Durante a reunião, alguns presidentes mostraram que têm pontos de vista muito diferentes sobre esse processo de integração.
O presidente da Venezuela, por exemplo, discorda até do nome da Comunidade Sul-Americana de Nações e disse que as entidades regionais, como o Mercosul, precisam de um "viagra político".
Indo mais direto ao ponto, Chávez afirmou que os líderes da região tomam as decisões nas reuniões de cúpula, "mas não têm poder para executá-las".
Outros, como o presidente Lula, foram mais conciliadores e positivos.
Na reunião, Lula pediu paciência para tentar fazer avançar o processo de integração. Num reconhecimento de que a tarefa não é fácil, o presidente disse que os líderes do continente precisam tratar da questão da integração com "delicadeza".
De certa forma, os dois presidentes estão certos.
Os organismos regionais, de fato, não têm a influência necessária para promover de forma mais acelerada essa integração, como diz Chávez. E o próprio processo pode simplesmente naufragar se for feito de forma atabalhoada, algo que o presidente Lula pretende evitar.
Dificuldades
O processo de integração está cercado de problemas e dificuldades para sua implantação.
Em primeiro lugar, os países da região têm interesses estratégicos muito distintos – e que, obviamente, acabam tendo precedência sobre a suposta aliança ideológica dos seus presidentes.
O exemplo mais claro disso se deu em meados de 2006, quando o presidente da Bolívia, Evo Morales, enviou tropas para ocupar refinarias da Petrobras no país durante o processo de nacionalização do gás boliviano.
Os interesses, em alguns casos, são tão distintos que a diretora-executiva e fundadora do Latinobarómetro, Marta Lagos, disse recentemente numa conferência em Londres que a América Latina, na prática, "não existe" como entidade política.
Segundo Marta Lagos, cada país da região age como bem entende porque existem poucos interesse comuns. Ela diz que seria mais lógico que as discussões fossem feitas em pequenos blocos regionais, quando os interesses imediatos tendem a ser mais interligados.
Moderados x radicais
Um outro ponto que dificulta qualquer processo de integração, no momento, é a diferença de pontos de vista entre os próprios presidentes de esquerda do continente.
O professor Victor Bulmer-Thomas, um especialista em América Latina que está deixando a direção do Royal Institute of International Affairs (um dos mais prestigiados institutos de estudos das relações exteriores do mundo), diz que os presidentes podem ser divididos em dois grupos: os "moderados" e os "radicais".
Em um recente artigo para a revista World Today, do próprio Royal Institute of International Affairs, Bulmer-Thomas afirmou que a principal diferença entre os dois grupos é a forma como eles vêem e reagem ao processo de globalização.
Segundo o professor, o grupo de presidentes da esquerda moderada (entre eles, Lula e os presidentes da Argentina, Néstor Kirchner, e do Chile, Michelle Bachelet) "aceitam os desafios do processo de globalização" e pretendem usar os mecanismos econômicos ortodoxos para fazer a economia de seus países crescer e para distribuir renda.
Os radicais (entre eles, Evo Morales e Hugo Chávez), segundo Bulmer-Thomas, não "aceitam os desafios do processo de globalização" e vêem com ceticismo a aplicação de capital estrangeiro em suas economias.
Essa visão de mundo distinta, especialmente com relação à globalização, contribui para que os dois grupos interpretem de maneira diferente o processo de integração do continente.
Para líderes como Chávez, a integração deve ser política. Para outros, o maior interesse é a integração econômica. E alguns não vêem o processo como prioridade em nenhum dos dois casos.
Livre comércio
Um terceiro obstáculo para o processo como um todo é a falta de um tema óbvio que aglutine as preocupações imediatas da maioria dos líderes da região.
Até recentemente, a proposta de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) era o principal tema com potencial para conseguir essa façanha.
A clara posição dos Estados Unidos em defesa da Alca levou todos os países do continente a preparar suas estratégias de política externa em relação a uma realidade que poderia inseri-los na maior zona de livre comércio do mundo, com todos os benefícios e problemas que a Alca poderia criar em suas economias e sociedades.
Mesmo os governos que eram contrários à idéia tiveram que se mobilizar para contestá-la. A opção de ignorar o assunto não existia e isso levou a uma grande mobilização diplomática e conseqüente aproximação entre vários países.
Mas está claro agora que a Alca não deve sair do papel no curto prazo. Com isso, o comércio exterior deixa de ser prioridade para uma grande parte dos países da região.
Para outros, como Peru e Colômbia, a prioridade passa a ser a implementação de acordos de livre comércio diretamente com os Estados Unidos, o maior parceiro comercial da esmagadora maioria dos países do continente.
O suposto desinteresse de Washington em relação à América Latina desde os atentados de 11 de setembro de 2001 (quando a atenção dos americanos voltou-se de maneira definitiva pra outras partes do mundo) também ajuda, de certa forma, a manter o processo de integração da região em banho-maria.
Michael Shifter, o vice-presidente do Inter-American Dialogue, um dos maiores institutos dedicados ao estudo da América Latina, baseado em Washington, diz que esse desinteresse não deve mudar nos próximos anos, muito pelo contrário.
Isso talvez seja um sinal de que os americanos também não crêem que o processo de integração saia do papel no curto prazo.