Vaticano sai do armário e abraça Oscar, diz jornal

da BBC, em Londres

Oscar Wilde, um dos poetas mais controversos, polêmicos e consagrados da história da literatura ocidental, recebeu uma rara homenagem do Vaticano, com o lançamento de uma antologia de frases organizada por um colaborador próximo do papa Bento 16.

Vários jornais britânicos desta sexta-feira trouxeram diversas matérias sobre a inclusão de frases do escritor irlandês Oscar Wilde na compilação Provocações: Aforismas para um Cristianismo Inconformado, organizada pelo padre Leonardo Sapienza, chefe do protocolo do Vaticano.

O livro, que foi publicado por uma editora italiana, contém mil frases que têm um caráter moral e são divididas por ordem alfabética

“Vaticano sai do armário e abraça Oscar Wilde”, foi o título da matéria de página inteira do austero The Times, enquanto o The Independent dedicou uma matéria de duas páginas sob o título: “O Vaticano enlouquece” (um trocadilho em inglês que usa o sobrenome do autor: “The Vatican Goes Wilde”).

Também na Itália o lançamento do livro causou espanto. “Que Surpresa!”, diz o texto do diário romano La Repubblica. “Um ícone homossexual foi aceito pelo Vaticano”. Segundo o The Times, o analista do Vaticano, Orazio La Rocca, classificou o livro como uma “bomba”.

“Grande escritor”

Sapienza afirmou ao The Times que incluiu Wilde, cuja relação homossexual com o filho de um nobre inglês desgraçou sua vida e carreira, porque “ele foi um escritor que viveu perigosamente e às vezes, escandalosamente, mas nos deixou muitas máximas afiadas”.

Sapienza disse que Wilde foi um grande escritor e que ele não é lembrado pela sua promiscuidade, mas sim por obras como A Importância de Ser Honesto e O Retrato de Dorian Gray.

Ele propõe que o cristianismo provoque o “despertar” de certos ambientes católicos porque, como se lê no prefácio, citando o filósofo dinamarquês Kierkegaard, “o cristianismo deveria ser uma cura radical, mas ao invés disso, se transformou em um remédio comum, desses que se usam contra resfriado”.

“Devemos ser um espinho na carne da sociedade e mover a consciência das pessoas para atacar aquele que é hoje o inimigo número um da religião a indiferença”, disse Sapienza.

Talento e controvérsia

Oscar Wilde teve uma relação controversa com o catolicismo durante toda a sua vida. Nascido em uma família protestante e filho de um pai agnóstico, mas na maciçamente católica Irlanda, Wilde teria sido batizado a pedido de sua mãe sem que seu pai soubesse.

Durante sua vida, embora tenha se convertido ao catolicismo somente em seu leito de morte, em 1900, sempre teve uma relação de admiração com a Igreja e recebeu a bênção do papa em uma de suas viagens à Roma. Perguntado sobre sua situação espiritual, disse que não era católico, mas “um papista violento”.

Wilde foi um personagem polêmico e irrequieto em toda a sua vida, que teve uma intensa produção literária, onde se encontram peças teatrais e livros que são hoje considerados clássicos, sempre permeados por um humor ácido, mordaz e inteligente.

No entanto, seu modo de vida desafiador e seus diversos casos homossexuais na rigorosa Londres vitoriana acabaram por condená-lo à cadeia depois de um processo judicial onde o escritor enfrentou o Marquês de Queensberry, pai de seu amante, o jovem Lorde Alfred Douglas.

A perseguição sofrida por Wilde e a sua postura diante da repressão que ele sofreu por sua sexualidade o transformaram em um ícone no século 20, freqüentemente ligado ao movimento gay e como inspiração de artistas.

Entre os incontáveis exemplos da sua inteligência e de sua verve irônica, estão frases como “Aqueles que não sabem a diferença entre corpo e alma não têm nenhum”, ou “O que é um cínico? Um homem que sabe o preço de tudo e não sabe o valor de nada”.


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