Análise: Atolado no Iraque, Bush dobra aposta com beligerância iraniana

da BBC, em Londres

Há uma certa lógica no cenário de uma guerra entre os EUA e Irã. Esta lógica de um novo confito até que combina com o declínio inexorável das expectativas de sucesso americano no Iraque. Como um jogador compulsivo, o presidente George W. Bush dobra a aposta quando está perdendo. A derrota em si no Iraque, aliás, passa a ser secundária diante do espectro iraniano.

Já na sabatina de sua confirmação no Senado, em 30 de janeiro, o almirante William Fallon, novo chefe do Comando Central Americano (em um arco que inclui Afeganistão, Irã e Iraque), foi sintomaticamente cauteloso sobre as expectativas no Iraque, apesar do reforço das tropas americanas.

Ele enfatizou também a necessidade de cortar o poder e a influência do Irã, que passou a ser acusado sistematicamente pelos EUA de envolvimento no conflito iraquiano a favor de facções xiitas em ações que resultaram na morte de soldados americanos, através do fornecimento de explosivos.

Um presidente Bush cada vez mais sóbrio quando fala das dificuldades americanas no Iraque é agora persistente quando adverte o Irã para não se envolver no país, insistindo que todas as cartas seguem na mesa, inclusive as militares.

Até semanas atrás, estas cartas militares eram acenadas basicamente na questão das ambições nucleares iranianas, mas agora fazem parte também do jogo iraquiano, em meio às ressalvas de que um possível engajamento americano com o regime xiita se limitaria ao território do Iraque e não a uma invasão.

Recados

Esta crescente beligerância americana em relação ao Irã é um ataque frontal à comissão bipartidária que entre suas principais propostas em dezembro recomendou um diálogo de Washington com Teerã, justamente para conter a espiral de violência no Iraque.

Os recados da Casa Branca a uma comissão que inclui o ex-secretário de Estado republicano James Baker foram claros: tornar pública em janeiro a autorização secreta decidida quatro meses antes para forças militares americanas matarem ou capturarem iranianos suspeitos de armarem ou apoiarem milícias xiitas no Iraque. Um segundo recado, anunciado com alarde, foi o envio de um segundo porta-aviões para o golfo Pérsico.

Nos recados beligerantes, o governo Bush tem um cúmplice inestimável no presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, também interessado em elevar a temperatura (e baixar o nível político com sua negação do Holocausto e mensagens apocalipticas sobre o fim de Israel), para desviar as atenções dos seus fracassos domésticos.

Em termos políticos americanos, a crescente tensão com o Irã demonstra como foi prematuro assinar o atestado de óbito dos neoconservadores em função dos resultados eleitorais em novembro e da demissão do ex-secretario da Defesa Donald Rumsfeld.

Lógica neoconservadora

A lógica neoconservadora segue em curso. É preciso buscar a todo custo a vitória no Iraque, mas com uma novidade: responsabilizar o Irã pelas mazelas iraquianas.

O Irã, a rigor, sempre foi a grande pedra no caminho neoconservador. Bagdá seria uma escala na estrada para Teerã. E agora, se os americanos atolarem no Iraque, a culpa é dos iranianos.

Beligerância evidentemente não implica em um encontro marcado com a guerra. Mantendo a metáfora da jogatina, é possível que Bush esteja blefando.

No momento, os EUA carecem de opções militares plausíveis para confrontar o Irã (mesmo um ataque aéreo contra instalações nucleares) e estão atolados no Iraque.

A mera resistência dentro dos EUA à guerra no Iraque mostra como seria difícil ampliar a frente de batalha na região. Nada disso serve de consolo. Beligerância mútua e erros de cálculo podem levar a um conflito entre EUA e Irã.

Estratégia

A beligerância pode fazer parte de uma agressiva estratégia de contenção do Irã, na qual diplomacia não pode ser descartada. Em meio à sua linguagem dura, o novo secretário de Defesa, Robert Gates, argumentou neste sentido quando disse que "se os iranianos não virem os EUA como um adversário formidável, não existe uma razão real para buscar conversações".

Há uma possibilidade inquietante em que não cabe esta sofisticação estratégica. Os americanos estão simplesmente atarantados, brigando no escuro e sem fazer exatamente o que fazer no Oriente Médio.

Em meio a tantas especulações, nada indica que uma decisão sobre uma guerra contra o Irã tenha sido adotada.

Existe, é verdade, uma reminiscência perturbadora da invasão do Iraque em 2003: um "casus belli" sem sólidas evidências sobre o envolvimento iraniano no Iraque ou informações precisas a respeito do avanço nuclear de Teerã. A história sempre pode se repetir como tragédia.


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