Ivan Lessa: Com a cara e o carisma
da BBC, em Londres
A semana que passou foi pródiga em carismas. Dos mais variados tons, das mais sutis sensibilidades.
Dei por mim abrindo o jornal ou ligando a televisão e lá estava ele, o danado do carisma. Isso pelo menos o que me asseguravam repórteres, editorialistas e locutores.
Tenho a impressão que essa fartura de carismas começou, para variar, nos Estados Unidos, onde uma plêiade – se esse é o substantivo coletivo correto para políticos – se decidiu de público a se canditar à presidência do país nas eleições de 2008.
Um pouco cedo demais?, dirão os céticos. Nunca é cedo para se exibir de frente e de perfil ao público, interessado ou não, um carisma de bom tamanho e respeitável envergadura.
Foi quando eu, como um caboclo de Joubert de Carvalho, aquele do “Maringá”, digamos, “garrei de maginá”: carisma não é privilégio masculino? E, além da mais, para uso exclusivo masculino? Feito loção pós-barba?
Digo isso porque li nas folhas, e ouvi em mais de 123 canais de televisão, que a Hillary Clinton tinha muito carisma. Uai, sô -- pensei em voz alta sempre com o pito de caipira na boca -- , carisma num é só pro sexo forte?
Mulher, no meu tempo, tinha “It”, feito a Clara Bow, ou “Oomph”, à maneira de Ann Sheridan. Ou então era simplesmente, com o perdão de uma misoginia há muito superada, “gostosa”, “boazuda”, “linda, encantadora, inteligente e de boa família” e outras formas de porco-chovinismo hoje em dia, graças ao progresso e à marcha do esclarecimento, jogados fora juntamente com o lixo dos tempos.
E tem mais, carisma era uma fórmula mágica a que só tinham acesso os políticos. Carisma era, na minha ignorância, uma espécie de guarda-costas ou batedor daquele deputado ou senador que ou vai começar ou encerrar com fecho de ouro o discurso sobre como resolver as questões fundamentais de um país.
Jogador de futebol podia ser “perna de pau” ou “gênio”. Cantor? Ídolo das multidões, talentoso. Teleator? “Divino”, o “máximo”. Militar no poder não tinha carisma, apenas detinha nas mãos férreas os destinos da nação – e mais era prudente não dizer.
Isso foi ontem. Ou anteontem. Agora o carisma está saindo pelo ladrão. Peço logo pedindo desculpas pelo símile.
Obama: o carisma de um nome
Barack Obama tem apenas 25 meses de senadoria americana. Ele é “African-American”, palavrinha de difícil tradução, e não negro como nossos negros são negros, destituídos ou não de carisma.
Obama tem carisma, juram todos. Deve ter contribuído para esse estado carismático sua extração, que, até agora, é de enredada narrativa.
Nasceu no Havaí, filho de mãe americana do Kansas e pai economista queniano negro (perdão, americanos). Como político, não se sabe direito nada dele, o que quer dizer: não se sabe nada sobre o que fez. De positivo ou negativo.
Mas falou umas coisas que uma parte do eleitorado, sempre mínima, se interessou. Nada, no entanto, supera seu nome, filiação e sorrisos para senhoras e crianças.
Hillary Clinton, por muitos chamada de Lady Macbeth, só tem um problema: não ligarem seu nome com o do marido, que, consta, já foi presidente do país e, esse sim, tinha carisma para dar e vender, que foi precisamente o que andou fazendo, segundo as más, as péssimas línguas. Esse o clima, o tsunami carismático do lado de lá do Atlântico.
Ségoléne: mais carisma onomástico
Do lado de lá do canal da Mancha, mais pertinho, na França, temos Ségolène Royal (que nomão, hein, sô!), candidata do partido socialista. A coisa é para abril. Segundo ela própria, é herdeira do “manto de Mitterand (eu não o vestiria por 10 minutos).
Ségolène Royal. Vontade ficar repetindo, como se fosse encantação. Seu programa, sua agenda? Melhores aposentadorias, melhores salários. Manjamos demais. Tem dado rata após rata.
Mas – e eis um dos mistérios do carisma – isso pouco importa, uma vez que, em sendo Ségolène (ah, esses acentos!), é duro não votar nela, apesar de fazer parte de um pequeno grupo de francesas sem o mínimo de noção do que seja elegância no trajar, falar e vestir. A vida é dura, Ségolène. Urge mais do que o nome para se usufruir de todas as vantagens do.... pois é, carisma.
No Reino Unido
Aqui nestas ilhas, ainda este ano, o próximo primeiro-ministro deverá ser o atual ministro da Fazenda, Gordon Brown. Ele não tem absolutamente nada a ver com carisma.
Nunca viu um, ninguém explicou. Deve confundir com assalto de trem, feito na velha piada. Talvez seja melhor assim.
Dei por mim abrindo o jornal ou ligando a televisão e lá estava ele, o danado do carisma. Isso pelo menos o que me asseguravam repórteres, editorialistas e locutores.
Tenho a impressão que essa fartura de carismas começou, para variar, nos Estados Unidos, onde uma plêiade – se esse é o substantivo coletivo correto para políticos – se decidiu de público a se canditar à presidência do país nas eleições de 2008.
Um pouco cedo demais?, dirão os céticos. Nunca é cedo para se exibir de frente e de perfil ao público, interessado ou não, um carisma de bom tamanho e respeitável envergadura.
Foi quando eu, como um caboclo de Joubert de Carvalho, aquele do “Maringá”, digamos, “garrei de maginá”: carisma não é privilégio masculino? E, além da mais, para uso exclusivo masculino? Feito loção pós-barba?
Digo isso porque li nas folhas, e ouvi em mais de 123 canais de televisão, que a Hillary Clinton tinha muito carisma. Uai, sô -- pensei em voz alta sempre com o pito de caipira na boca -- , carisma num é só pro sexo forte?
Mulher, no meu tempo, tinha “It”, feito a Clara Bow, ou “Oomph”, à maneira de Ann Sheridan. Ou então era simplesmente, com o perdão de uma misoginia há muito superada, “gostosa”, “boazuda”, “linda, encantadora, inteligente e de boa família” e outras formas de porco-chovinismo hoje em dia, graças ao progresso e à marcha do esclarecimento, jogados fora juntamente com o lixo dos tempos.
E tem mais, carisma era uma fórmula mágica a que só tinham acesso os políticos. Carisma era, na minha ignorância, uma espécie de guarda-costas ou batedor daquele deputado ou senador que ou vai começar ou encerrar com fecho de ouro o discurso sobre como resolver as questões fundamentais de um país.
Jogador de futebol podia ser “perna de pau” ou “gênio”. Cantor? Ídolo das multidões, talentoso. Teleator? “Divino”, o “máximo”. Militar no poder não tinha carisma, apenas detinha nas mãos férreas os destinos da nação – e mais era prudente não dizer.
Isso foi ontem. Ou anteontem. Agora o carisma está saindo pelo ladrão. Peço logo pedindo desculpas pelo símile.
Obama: o carisma de um nome
Barack Obama tem apenas 25 meses de senadoria americana. Ele é “African-American”, palavrinha de difícil tradução, e não negro como nossos negros são negros, destituídos ou não de carisma.
Obama tem carisma, juram todos. Deve ter contribuído para esse estado carismático sua extração, que, até agora, é de enredada narrativa.
Nasceu no Havaí, filho de mãe americana do Kansas e pai economista queniano negro (perdão, americanos). Como político, não se sabe direito nada dele, o que quer dizer: não se sabe nada sobre o que fez. De positivo ou negativo.
Mas falou umas coisas que uma parte do eleitorado, sempre mínima, se interessou. Nada, no entanto, supera seu nome, filiação e sorrisos para senhoras e crianças.
Hillary Clinton, por muitos chamada de Lady Macbeth, só tem um problema: não ligarem seu nome com o do marido, que, consta, já foi presidente do país e, esse sim, tinha carisma para dar e vender, que foi precisamente o que andou fazendo, segundo as más, as péssimas línguas. Esse o clima, o tsunami carismático do lado de lá do Atlântico.
Ségoléne: mais carisma onomástico
Do lado de lá do canal da Mancha, mais pertinho, na França, temos Ségolène Royal (que nomão, hein, sô!), candidata do partido socialista. A coisa é para abril. Segundo ela própria, é herdeira do “manto de Mitterand (eu não o vestiria por 10 minutos).
Ségolène Royal. Vontade ficar repetindo, como se fosse encantação. Seu programa, sua agenda? Melhores aposentadorias, melhores salários. Manjamos demais. Tem dado rata após rata.
Mas – e eis um dos mistérios do carisma – isso pouco importa, uma vez que, em sendo Ségolène (ah, esses acentos!), é duro não votar nela, apesar de fazer parte de um pequeno grupo de francesas sem o mínimo de noção do que seja elegância no trajar, falar e vestir. A vida é dura, Ségolène. Urge mais do que o nome para se usufruir de todas as vantagens do.... pois é, carisma.
No Reino Unido
Aqui nestas ilhas, ainda este ano, o próximo primeiro-ministro deverá ser o atual ministro da Fazenda, Gordon Brown. Ele não tem absolutamente nada a ver com carisma.
Nunca viu um, ninguém explicou. Deve confundir com assalto de trem, feito na velha piada. Talvez seja melhor assim.