Análise: Cheney tenta preservar poder em nova realidade política

da BBC, em Londres

O impacto do atentado suicida na principal base militar americana no Afeganistão nesta terça-feira, quando o vice-presidente americano Richard Cheney estava no local, é mais simbólico. Cheney não correu risco direto.

Menos simbólico é o impacto da fuzilaria disparada pelo vice-presidente e ultimamente contra ele, o centro de gravidade da linha-dura no governo americano.

Motivo de chacota quando em uma caçada no Texas - ele acertou um dos acompanhantes e não a codorna - Cheney atirou para todos os lados nesta sua última viagem à Ásia e Austrália.

Foram repetidas advertências contra o Irã, mais uma defesa irrealista da missão americana no Iraque (em particular o envio de mais tropas), dúvidas sobre a "ascensão pacífica" da China e recados para o presidente paquistanês Pervez Musharraf atuar de forma mais agressiva contra militantes do Talebã e da rede Al-Qaeda.

Em casa

Dentro de casa, também é fuzilaria. Recentemente, o vice-presidente disparou contra os influentes senadores republicanos John McCain e Chuck Hagel.

O primeiro levou bala por alvejar o velho aliado de Cheney, o ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld, e o segundo por atirar contra os planos da Casa Branca de reforçar as tropas americanas no Iraque.

Cheney não se intimida com políticos e nem com gente como o ex-secretário de Estado James Baker, o consiglieri da família Bush, que tentou convencer o presidente a mudar o curso da política americana no Oriente Médio. Cheney prevaleceu sobre Baker.

Bush decidiu mandar mais tropas para o Iraque e rechaçou as recomendações por uma abertura diplomática em relação ao Irã. Pelo contrário. Está ocorrendo uma escalada de tensões entre Washington e Teerã.

Tal endurecimento aconteceu mesmo quando Cheney se converteu em uma espécie de "último moicano" da linha dura e seus inimigos ficaram mais à vontade para atacá-lo.

Um por um, partiram seus companheiros da estrada neoconservadora: Donald Rumsfeld, John Bolton, o embaixador americano nas Nações Unidas e Paul Wolfowitz, o subsecretário de Defesa.

Também partiram vários assessores do segundo escalão. Cheney é o único integrante da equipe original de segurança nacional do governo Bush que mantém o mesmo cargo. Foi a equipe que após os atentados do 11 de setembro optou por ir à caçada de Saddam Hussein ao invés de dar cabo de Osama Bin Laden.

Influência

Nos últimos meses existe um debate não resolvido se a influência de Cheney sobre o presidente está se desvanecendo. Afinal existe uma outra realidade política.

Além da retirada de tropas neoconservadoras do governo, o presidente está em uma posição mais fraca e os democratas controlam o Congresso.

Este cenário supostamente exige mais conciliação. Mas Cheney não tem demonstrado espírito de compromisso.

Seria esperar demais de alguém que tanto batalhou por uma presidência imperial e por mais prerrogativas do Poder Executivo na chamada guerra contra o terror. A Casa Branca foi forçada a fazer concessões, como no programa de escuta eletrônica, e Cheney perdeu algumas paradas para a secretária de Estado Condoleezza Rice, como na decisão de um acordo preliminar com a Coréia do Norte na questão nuclear.

Cheney é avesso a conceder e a aparecer. Prefere exercer seu poder nos bastidores e no ouvido no presidente.

Para o seu desencanto, Cheney foi exposto no bizantino julgamento por perjúrio e obstrução de justiça do seu ex-chefe de gabinete, Lewis "Scooter" Libby, no caso do vazamento do nome de uma agente da CIA.

Testemunhos e evidências apresentadas no julgamento mostraram como Cheney é implacável com quem atravessa seu caminho. O vice-presidente estava obcecado para punir o ex-diplomata Joseph Wilson (marido da agente da CIA que teve o nome vazado) por duvidar das alegações do governo Bush de que o regime de Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa.

Cheney está sofrendo com a partida do seu íntimo aliado Rumsfeld e a ascensão de Condoleezza Rice, mas as indicações são de que mantém a sólida relação pessoal com o presidente, com o qual almoça semanalmente e sem acompanhantes na Casa Branca.

Medir com precisão a influência atual do vice-presidente (o mais poderoso na história americana) é missão impossível. Quase todos os seus conselhos a Bush são privados e ambos são zelosos para preservar os detalhes.

Cheney, é claro, menospreza as especulações de perda de influência. Perguntado no mês passado pela revista Newsweek sobre críticos dentro do próprio Partido Republicano que o acusaram de distorcer as justificativas para a guerra no Iraque, Cheney disparou: "Bem, eu sou o vice-presidente e eles não são".

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