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E quando não houver mais testemunhas do Holocausto?

A húngara Éva Fahidi, sobrevivente do Holocausto, durante uma visita ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau - Z. Madacsi
A húngara Éva Fahidi, sobrevivente do Holocausto, durante uma visita ao campo de concentração de Auschwitz-Birkenau Imagem: Z. Madacsi

Marina Strauß

30/01/2019 13h28

É uma corrida contra o tempo. Logo os últimos sobreviventes não poderão mais contar suas histórias. Organizações e museus lutam para manter viva a memória dos crimes cometidos pelos nazistas na Segunda Guerra. Num pequeno palco em Berlim, Éva Fahidi fala de pé. Ela tem 93 anos e veio de Budapeste à capital alemã convidada para uma exposição dedicada a ela pelo Centro Memorial da Resistência Alemã. Ao ouvi-la, é preciso segurar o riso. Ela é boa contadora de histórias, sempre consegue encaixar uma boa piada. Ao mesmo tempo, é preciso conter as lágrimas, sempre que ela relata testemunhos de Auschwitz e os horrores vivenciados por ela.

"Para mim, é realmente uma salvação poder agora falar sobre isso o quanto eu quiser", afirma. Mas por quê? "Caso contrário, eu ficaria maluca", responde.

Mas nem sempre foi assim. Seu silêncio durou 59 anos. Por todo esse tempo, não disse nenhuma palavra sobre a fumaça que viu saindo dos crematórios. Por todos esses anos, nada sobre a falta de espaço, sede, fome, os gritos altos que ela teve que suportar por semanas. Foram quase seis décadas sem citar uma única palavra sobre Auschwitz.

Mas num dado momento Éva Fahidi escolheu confrontar o próprio passado. Em 1º de julho de 2003, ela decidiu voltar ao antigo campo de concentração. Desde então, não consegue parar de falar sobre Auschwitz. Especialmente porque quer garantir que este inferno na Terra nunca seja esquecido.

Fahidi e sua família foram presas em abril de 1944 na Hungria, durante a ocupação nazista, e deportadas para Auschwitz-Birkenau. A mãe e a irmã morreram na câmara de gás, seu pai num dos abarrotados barracões. Ela foi forçada a trabalhar num fábrica alemã de explosivos. Em 1945, foi enviada para uma das chamadas "marchas da morte" – mas sobreviveu e conseguiu fugir.

Hoje em dia, a húngara diz que teve duas vidas, uma antes de Auschwitz, outra depois. Por muito tempo, não conseguia falar sobre o período entre essas duas vidas. No entanto, atualmente, ela faz isso com bastante frequência em escolas e eventos.

Fahidi é uma das últimas sobreviventes do Holocausto. O que acontecerá quando ela e as outras testemunhas da perseguição nazista não estiverem mais vivas? Fahidi quer acreditar que, ainda assim, a recordação pode ficar presente.

"Isso [o Holocausto] não deve acontecer novamente e não pode acontecer novamente", diz Fahidi, que defende que é preciso viver com essa crença. "[Sem testemunhas] os livros estarão aí, os documentos estarão aí. Algo precisa ficar. Ficam os locais de memória, isso tem que...", ela faz uma pequena pausa, pensa: "Isso tem que funcionar."

Em Berlim, Fahidi também conta sobre seu retorno a Auschwitz. Exatamente 59 anos depois do dia exato em que foi deportada com sua família para o campo de concentração. Desde então, ela tem visitado o local regularmente e discursa para grupos num espaço de encontro para jovens em Oswiecim, o nome polonês para Auschwitz.

Leszek Szuster, diretor do Centro Internacional de Encontros da Juventude em Oswiecim, é o primeiro interlocutor para testemunhas como Fahidi, quando estas visitam Auschwitz. Ao longo dos anos, o número tem sido cada vez menor.

"Nos 33 anos de nossa existência, estivemos em contato próximo com 50 sobreviventes de Auschwitz", calcula Szuster. Agora restam apenas entre quatro a cinco testemunhas para conversar com grupos sobre suas experiências. Muitos morreram.

Szuster está ciente de que o tempo urge. Ele conversa regularmente com os poucos sobreviventes restantes para absorver o máximo possível e transmitir suas histórias.

"Eu converso por telefone quase todos os dias com Zofia Posmysz. As conversas sempre duram uma eternidade", diz Szuster. "Nunca seremos tão exatos quanto um relato de uma testemunha."

Por isso, o Centro Internacional de Encontros da Juventude grava os encontros de sobreviventes com jovens – para a posterioridade. A organização também promove oficinas e conta, por exemplo, o que ocorreu com Posmysz. Ela foi presa com 18 anos de idade em Cracóvia, na Polônia, quando distribuía panfletos e foi enviada para o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau.

Szuster quer cativar os jovens. Ele quer contar sobre Auschwitz e a história para alertar contra os perigos atuais como o antissemitismo, populismo e o ódio aos refugiados.

Ele teme também que, no 80º aniversário da libertação de Auschwitz, provavelmente não haja ninguém que tenha testemunhado o que ocorreu. Sim, ele está preocupado. A conversa com as testemunhas é sempre o ponto alto da visita dos jovens, muito mais do que os passeios pelo antigo campo de extermínio.

Cartas contra o esquecimento

Quase mil quilômetros a oeste, no estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, um grupo de jovens voluntários atua num projeto de manutenção da memória. Como "testemunhas secundárias", eles ajudam os sobreviventes. Muitos estão demasiadamente fracos para falar perante grupos escolares. Então, os voluntários vão às escolas e propagam a história dos sobreviventes.

Ao final destas conversas há sempre as chamadas "cartas contra o esquecimento". Como as "testemunhas secundárias" querem contar o mais pessoalmente possível, elas não falam sobre a senhora De Vries ou o senhor Pluznik, mas sobre Erna e Siegmund. Devido a essa proximidade, muitos estudantes estão enviando cartas aos sobreviventes, como nestes exemplos:

Cara Erna, acho inacreditável como você conseguiu sobreviver a isso. Você veio para o campo de concentração aos 15 anos. E você foi para Auschwitz. Você quase morreu por causa de uma doença e, mesmo assim, conseguiu sobreviver (inacreditável). Eu acho que é uma pena que alguém tenha roubado seu pão no seu 20º aniversário.
Abraços, Meiko (11 anos)

Caro Siegmund, mesmo que você não possa mais ler esta carta, espero que saiba que muitas pessoas que ouviram sua história são gratas por você compartilhá-la conosco. Sua história é comovente. Eu gostaria de te conhecer pessoalmente.
Simon (14 anos)


Outros também estão na busca por respostas para a importante questão sobre o que vem depois. Por exemplo, o memorial Yad Vashem em Jerusalém. O museu do Holocausto tem apostado nas redes sociais.

Informações sobre 4,5 milhões das seis milhões de vítimas do Holocausto estão armazenadas online num banco de dados. Quem se cadastra com nome completo e país de origem pode compartilhar a imagem e a história de uma das vítimas no Twitter ou no Facebook. Um clique rápido contra o esquecimento.

Em Nova York, o Jewish Heritage Museum virtualmente mantém vivos dois sobreviventes do Holocausto como avatares. As duas testemunhas responderam a centenas de perguntas e foram filmadas. Os visitantes do museu podem perguntar aos avatares sobre seu passado – o que exatamente eles respondem, decide um algoritmo.

Testemunhas digitais podem parar a corrida contra o tempo? Conseguem suplantar pelo menos em parte uma conversa com um sobrevivente? Segundo Szuster, quanto maior a escolha, melhor: "Se os fatos estão corretos e a história dos sobreviventes é contada autenticamente, então estou aberto à experimentação", diz.

De volta a Berlim no pequeno palco ocupado por Fahidi: o Holocausto, diz a sobrevivente, foi um choque horrendo para a humanidade. Mas as pessoas, segunda ela, talvez só se darão conta disso quando não houver ninguém mais para relatar o que testemunhou. O futuro poderia inaugurar um novo tipo de cultura de recordação, na qual, como diz Fahidi, todos "reconheçam que precisam estar envolvidos".