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A dimensão da grilagem em florestas públicas na Amazônia

A Amazônia tem 23% de suas terras públicas não designadas registradas ilegalmente como propriedades privadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) - Larissa Rodrigues
A Amazônia tem 23% de suas terras públicas não designadas registradas ilegalmente como propriedades privadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) Imagem: Larissa Rodrigues

Larissa Linder

24/06/2020 17h02

A Amazônia tem 23% de suas terras públicas não designadas, ou o equivalente a dois estados do Rio de Janeiro, registradas ilegalmente como propriedades privadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), indicando a dimensão da grilagem, conforme um estudo publicado nesta semana na revista científica Land Use Policy.

O levantamento foi feito por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). A professora titular do NAEA Claudia Azevedo-Ramos ressalva que não é possível afirmar que 100% dessa área é grilada, já que pode haver comunidades com direito à posse, mas estima que esse seja um número mínimo.

Segundo os autores, como o CAR é um instrumento de autodeclaração - no qual os proprietários informam os limites de suas terras, assim como áreas de cultivo e de conservação, por exemplo -, ele tem sido usado para registrar terras públicas como propriedades privadas.

Em teoria, o cadastro deveria ser validado por meio de fiscalização de órgãos estaduais, mas, segundo Azevedo-Ramos, o percentual de propriedades validadas é muito baixo.

"O que acontece é que hoje você tem essa área gigante dentro de florestas não destinadas, as pessoas entram, fazem registros no CAR, com a pretensão de um dia ser titulada no nome daquele propenso proprietário, e muitas vezes ele vende antes mesmo de ter o título", afirma a pesquisadora.

O modus operandi é antigo e conhecido: o grileiro entra em uma terra pública, desmata, inicia alguma atividade que indique que está produzindo - em geral a pecuária - e especula no tempo para ver se consegue obter um valor melhor pela terra.

"Acontece que essa forma de grilar é custosa, então dificilmente você pode imaginar que um pequeno produtor vai invadir a terra, desmatar e ficar esperando, até porque desmatar é custoso", diz Azevedo-Ramos. "Normalmente há muitos interesses maiores envolvidos, que usam laranjas para poder aglutinar o maior número de terras possíveis."

Não destinação abre espaço para grilagem e desmatamento

As terras não designadas, tanto da União quanto de estados, são áreas que aguardam destinação para um uso específico, como unidade de conservação, quilombola ou terra indígena, conforme determina a Lei de Gestão de Florestas Públicas, de 2006.

Apesar disso, os pesquisadores afirmam que, ainda no governo Michel Temer, em 2018, começou o desmantelamento da força-tarefa que designava essas áreas florestais.

Ao todo, há 49,8 milhões de hectares de florestas sob responsabilidade estadual e federal ainda não alocados a nenhuma categoria de uso, sendo que 11,6 milhões de hectares foram declarados, ilegalmente, como de uso privado.

Para os pesquisadores, até que a destinação seja feita, há confusão entre as esferas estadual e federal sobre quais agências são responsáveis por proteger as áreas, abrindo espaço para o desmatamento ilegal.

Nas terras públicas não designadas da Amazônia, os pesquisadores identificaram 2,6 milhões de hectares de floresta derrubados entre 1997 e 2018, o equivalente ao território do Sergipe. Ao todo, 80% dessa área desmatada tem registro no CAR, "demonstrando a intenção de uso privado de uma área pública", diz o Ipam.

Nos últimos anos, a grilagem de florestas ainda não destinadas aumentou. Em 2019, foi a categoria fundiária em que mais se derrubou floresta na Amazônia, segundo do sistema de alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De acordo com o Ipam, a tendência se mantém em 2020.

O Ministério do Meio Ambiente foi procurado pela DW Brasil, mas não se manifestou até a publicação do texto.