Por que Lula criticou principal órgão da ONU e luta por mudança de impacto
As mudanças no Conselho de Segurança da ONU vem sendo um tema central na política externa dos governos Lula. Desde o seu primeiro mandato (2003-2006), quando o Brasil, junto da Alemanha, Japão e Índia, criou o G4, uma aliança entre esses países para apoiarem uns aos outros na busca por um assento permanente num dos principais órgãos das Nações Unidas, o tema é abordado. Desde 2005, o G4 vem pedindo uma reforma estrutural do Conselho.
"Vivemos em um mundo em que o Conselho de Segurança da ONU, os membros permanentes, todos eles, são os maiores produtores e vendedores de armas do mundo e os maiores participantes de guerras. Então, eu me pergunto, se não cabe a nós, os países que não somos membros permanentes do Conselho de Segurança, fazer uma mudança na ONU, colocar mais países [no Conselho]", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em coletiva de imprensa durante viagem oficial à Espanha.
No dia anterior, em Portugal, Lula afirmou em discurso no Parlamento português que o Conselho de Segurança "encontra-se praticamente paralisado" e que "isso ocorre porque sua composição, determinada ao fim da Segunda Guerra Mundial, 78 anos atrás, não representa a correlação de forças do mundo contemporâneo", disse ele.
Ampliação e diversificação
Uma reforma do Conselho de Segurança ocorreu uma única vez na história, em 1965. Isso no contexto da Guerra Fria, quando a ONU ampliou os membros não permanentes de seis para dez, mas sem alterar a concentração de poder do órgão nas mãos de apenas cinco membros permanentes: Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França.
"É claro que o mundo mudou bastante desde 1945, e muitos países almejam mais poder nas organizações internacionais. Na prática, o Brasil ganharia poder de veto e maior capacidade de negociação diplomática. Teria um outro papel na diplomacia mundial", analisa Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard.
O Conselho de Segurança
O Conselho de Segurança nasceu junto com as Nações Unidas, em 1945, para promover a paz mundial, assim como a Assembleia Geral, outro mecanismo fundamental da ONU, mas com função diferente.
"As decisões relativas à paz e à segurança internacionais são atribuições do Conselho de Segurança, enquanto que a Assembleia Geral pode apenas fazer recomendações sobre essas questões", explica Brustolin.
O Conselho de Segurança é composto por apenas 15 membros, sendo cinco permanentes com poder de veto (EUA, China, Rússia, Reino Unido e França) e dez não permanentes, rotativos e sem poder de veto, eleitos a cada dois anos. Já a Assembleia Geral é formada por todos os 193 Estados-membros da ONU.
Na Assembleia Geral, um país como a Índia, com seus mais de 1,4 bilhão de habitantes, tem direito a um único voto, assim como as Ilhas Marshall, com seus 70 mil habitantes. No Conselho de Segurança, um único país com assento permanente tem o poder de se opor a todos os 14 demais membros e barrar resoluções.
Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard
Poder e relevância. Com isso, segundo a professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Eveline Brigido, os Estados-membros permanentes têm uma posição de poder muito relevante no sistema internacional.
A busca do Brasil por um assento permanente
Diferentes governos brasileiros estiveram interessados em um assento permanente no órgão, mas foi somente em 1994 que tal interesse foi formalizado.
Quem propôs explicitamente na ONU que o Brasil era candidato a membro permanente foi o diplomata Celso Amorim, em 1994, e que depois veio a ser ministro [das Relações Exteriores] no governo Lula a partir de 2003.
Eveline Brigido,professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)
Apesar das riquezas naturais do país e de sua enorme dimensão territorial, o Brasil ainda é considerado por muitos analistas periférico nos assuntos internacionais, aponta Brigido.
As investidas de Lula
Lula busca se apresentar ao mundo como um possível mediador da guerra na Ucrânia, na tentativa de projetar o Brasil no cenário internacional, desde que assumiu seu terceiro mandato como presidente, em janeiro deste ano.
No fim de março, Celso Amorim, assessor especial do Palácio do Planalto para assuntos internacionais, viajou a Moscou para discutir a proposta do Brasil de criar um grupo de países para negociar a paz na Ucrânia. Poucos dias depois, durante visita ao Brasil, o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, demonstrou apoio ao Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
No seu segundo mandato, Lula ajudou a intermediar o acordo nuclear assinado posteriormente pelo Irã.
"Quando o governo Lula buscou intermediar, juntamente com a Turquia, um acordo nuclear com o Irã, o foco era em uma maior projeção diplomática, almejando um assento no Conselho de Segurança. O Brasil não tem armas nucleares e aderiu formalmente ao Tratado de Não Proliferação. Logo, o país tenta se destacar diplomaticamente por sua tradição pacífica", afirma Brustolin.
Para Brigido, da ESPM, ainda é cedo para fazer uma análise minuciosa da atual política externa brasileira, mas, até o momento, os demais membros permanentes do Conselho não fazem oposição ao Brasil como possível integrante desse seleto grupo.
Conselho paralisado
Brustolin concorda com a afirmação de Lula sobre a atual incapacidade do Conselho de Segurança em resolver conflitos internacionais, e afirma que uma simples ampliação dos membros permanentes não resolveria o problema do órgão.
"Os membros permanentes têm descumprido sucessivamente a Carta da ONU, que estabelece que deve se abster de votar o membro do Conselho de Segurança que for parte em uma 'controvérsia que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais'", diz o professor e pesquisador.
Ele lembra que o Conselho de Segurança se reuniu um dia após a Rússia invadir a Ucrânia, em fevereiro de 2022. Dos 15 membros, 11 votaram a favor de uma resolução condenando a invasão, três se abstiveram, e só a Rússia votou contra a resolução.
"A Rússia não poderia ter votado, ela descumpriu expressamente a Carta da ONU, mas países como EUA e Reino Unido perderam a legitimidade para condenar esse ato porque eles também não obtiveram a autorização do Conselho de Segurança para invadir o Iraque em 2003, e guerras de agressão são proibidas pela Carta da ONU, só sendo possíveis com a aprovação do Conselho", diz Brustolin.
Entre os 11 dos 15 membros do Conselho de Segurança que apoiaram a resolução contra a invasão da Ucrânia pela Rússia estava o Brasil, que ocupa um dos assentos temporários do órgão até este ano.
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