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O que são mercenários e qual é a diferença para empresas militares privadas

Combatentes do grupo Wagner na rodovia M4, perto de Voronezh, na Rússia - Stringer/Reuters
Combatentes do grupo Wagner na rodovia M4, perto de Voronezh, na Rússia Imagem: Stringer/Reuters

Oliver Pieper

04/07/2023 04h00

Combatentes do Grupo Wagner, que se amotinou contra Vladimir Putin, são conhecidos como mercenários. Mas, segundo o direito internacional humanitário, eles não podem ser chamados assim.

A Convenção de Genebra define mercenário como alguém que:

  1. É recrutado no próprio país ou no exterior com o objetivo específico de lutar num conflito armado;
  2. Participa de fato das hostilidades;
  3. Participa de hostilidades para obter vantagens pessoais e recebe de ou em nome de uma parte do conflito a promessa de uma remuneração substancialmente superior à prometida ou paga a combatentes de forças armadas desta parte com patente e funções semelhantes;
  4. Não é cidadão de uma parte envolvida no conflito e nem resida em território controlado por uma parte do conflito;
  5. Não é integrante das forças de segurança de uma das partes envolvida no conflito;
  6. Não tenha sido enviado em missão oficial como membros das forças armadas de um Estado não envolvido no conflito.

Wagner é empresa militar privada

Katharina Stein, pesquisadora do Instituto de Direito Público da Universidade Albert Ludwigs de Freiburg, aponta que os combatentes do Grupo Wagner não são mercenários, mas trabalham para uma empresa militar privada.

"Eles não cumprem os seis requisitos cumulativos para o status de mercenários —sobretudo porque eles próprios são cidadãos russos", afirma. Ou seja, no caso da Guerra na Ucrânia, eles são cidadãos de uma parte envolvida no conflito.

Qual é a origem de empresas militares privadas?

Organizações que funcionam no modelo do Grupo Wagner surgiram no final da Segunda Guerra Mundial. Naquela época, muitos Estados ocidentais privatizaram as suas empresas de armamentos. A privatização dos serviços militares foi o passo seguinte.

Quando a Guerra Fria chegou ao fim, em 1991, principalmente os EUA, o Reino Unido e os antigos países da União Soviética reduziram suas forças armadas, deixando muitos soldados formados sem colocação. Eles encontraram uma ocupação nas empresas militares privadas, e foram incumbidos pelos mesmos Estados de intervir em conflitos internos de menor intensidade para que os próprios governos não precisassem se envolver militarmente de forma ativa.

"Prestadores de serviços militares privados são, às vezes, empresas que estão inseridas em grandes estruturas empresariais e que podem oferecer muito. Entram, libertam um refém e saem. Ou treinam militares para dominar o manual da Otan ou o ataque", diz Stein.

Custos menores

Segundo a pesquisadora, sai muito mais barato para o Estado terceirizar esse tipo de serviço, pois não há custos de formação de profissionais, despesas com salários de longo prazo, aposentadoria ou compensação por dia de doença. A especialista ressalta que o pagamento é feito apenas por uma ação, que tem um objetivo específico durante um período determinado.

Entre 1994 e 2007, os EUA investiram cerca de 300 bilhões de dólares em 12 empresas militares privadas. Um montante volumoso, mas que para muitos países não deixa de ser um dinheiro bem gasto.

"Os contratados são altamente especializados, bem treinados e possuem equipamento próprio", acrescenta Stein.

Trabalho sujo

Acima de tudo, as empresas militares privadas fazem o trabalho sujo, como o Grupo Wagner na Síria e na Ucrânia. Casos de mortos e feridos por essas organizações não provocam os mesmos debates políticos como quando envolvem as forças armadas. Além disso, a responsabilidade por crimes de guerra, por exemplo, pode ser facilmente empurrada.

Mas nem sempre pode ser vantajoso ceder o monopólio do uso da força, como mostrou o motim do Grupo Wagner no fim de semana. Foi a primeira vez que uma empresa militar privada agiu contra o próprio país.

Autoridades estatais têm dificuldades para controlar essas organizações, que operam numa zona jurídica cinzenta e se sentem pouco vinculadas ao direito internacional de guerra.

Grupo Wagner pode dar início a um novo debate?

Stein espera que o caso Wagner aumente a pressão sociopolítica para uma regulamentação internacional. Até agora, essas propostas fracassaram.

"No âmbito da ONU, houve várias iniciativas para criar um tratado vinculativo sobre as empresas militares privadas. Elas foram bloqueadas principalmente por EUA, Reino Unido, África do Sul e Israel, que são os quatro países que mais utilizam esses serviços", afirma a pesquisadora.

Muitos Estados usam como referência o chamado Documento de Montreux, de 17 de setembro de 2008. O texto foi a primeira declaração internacional sobre o tema, com a participação da Alemanha, da Ucrânia e dos EUA.

Para Stein, porém, o Documento tem "papel fictício". "Ele não tem nenhum efeito vinculativo, não prevê nem direitos, nem obrigações", diz.