Venezuela x Guiana: por que guerra entre os vizinhos seria desastre para Lula
No domingo (3), a população da Venezuela deverá decidir em um referendo se o país caribenho deve incorporar dois terços da vizinha Guiana. Isso criaria o 24º estado federal da Venezuela, chamado por lá de Guiana Essequiba. Os cerca de 300 mil habitantes da região se tornariam cidadãos venezuelanos.
"Você concorda com isso?" é uma das cinco perguntas do referendo.
A situação é complexa. Envolve demarcações de fronteiras coloniais e julgamentos em instâncias variadas, que a Venezuela não quer aceitar - e um tema do qual a Guiana naturalmente discorda. A Guiana solicitou à Corte Internacional de Justiça que o referendo seja declarado ilegal.
Tanto na Venezuela quanto na Guiana, as populações estão firmemente convencidas de que o território pertence a elas. Entretanto, a região de baixa densidade populacional, que tem aproximadamente o tamanho da Tunísia, nunca foi de interesse especial para nenhum dos dois países.
No entanto, isso mudou em 2015, quando foram descobertas reservas gigantescas de petróleo na costa da Guiana, as maiores do mundo nos últimos 20 anos. Com uma população de apenas 800 mil habitantes, a Guiana poderá em breve se tornar o maior exportador de petróleo per capita do mundo - e um país imensamente rico.
Alerta na América do Sul
O conflito é visto com preocupação na América do Sul, porque tem chances de se agravar. Há duas semanas, fracassou uma tentativa do Itamaraty de chegar a uma solução, negociada com a participação de vários países.
"A controvérsia é hoje a maior ameaça à estabilidade regional", diz Rubens Barbosa, um dos maiores especialistas em política externa do Brasil.
Não parece que o regime de Nicolás Maduro queira ceder. Com esse conflito alimentado artificialmente, o ditador está perseguindo três objetivos.
Maduro está apelando para o orgulho nacional a fim de ganhar a simpatia de uma população empobrecida por uma crise de uma década no seu governo.
Ele quer usar o referendo como uma distração para a pressão política que está sofrendo. Nas primárias da oposição realizadas há seis semanas, a candidata María Corina Machado recebeu um alto nível de apoio. Maduro concordou em realizar eleições livres em 2024 e, em troca, recebeu dos EUA alívio nas sanções contra seu regime. Entretanto, não parece que Maduro queira permitir mais democracia.
Maduro também quer se fazer importante com sua política externa agressiva contra a Guiana. Assim, ele desafia os EUA - afinal de contas, o governo americano não pode se dar ao luxo de ter um conflito bem na sua porta. Isso, por outro lado, agrada Rússia, Irã e China, regimes com os quais a Venezuela há muito tempo mantém laços militares e econômicos estreitos. É possível que, a qualquer momento, haja mais envolvimentos geopolíticos nesse conflito regional crescente.
As ações de Maduro lembram as da ditadura argentina em 1982, quando um general tentou salvar o regime mergulhado em uma grave crise econômica ocupando as Ilhas Malvinas/Falkland. Tudo terminou tragicamente, com 900 mortes. Um ano depois, eleições livres foram realizadas novamente na Argentina.
O que Lula vai fazer?
E o Brasil? Para Lula, uma guerra entre os vizinhos na fronteira norte seria um desastre. O autoproclamado líder do Sul Global quer ser o mediador na guerra entre Rússia e Ucrânia, mas não consegue nem mesmo evitar um conflito semelhante, de um agressor avassalador contra um vizinho muito menor na América do Sul?
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Quero receberDesde que assumiu o seu atual mandato em janeiro deste ano, Lula tem trabalhado para trazer Maduro, que foi isolado por sanções no Ocidente, de volta ao cenário internacional.
Agora, o brasileiro deve considerar seriamente como pode fazer o ditador tropical se moderar.
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Há mais de 30 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente a da DW.
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