Conteúdo publicado há 7 meses

Mesmo com conflitos e guerras, vendas globais de armas caem, diz pesquisa

Há anos que as vendas de armas crescem em todo o mundo, o que não surpreende diante dos inúmeros conflitos em andamento. Mas, em 2022, essa tendência foi interrompida, ainda que provavelmente apenas de forma temporária, constatou o Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (Sipri), que analisou os negócios das cem maiores empresas de armamentos no ano passado e divulgou os resultados nesta segunda-feira (4).

Segundo o relatório, as empresas faturaram 597 bilhões de dólares com a venda de armas e serviços militares. A soma impressiona, mesmo sendo 3,5% menor do que a de 2021. Esse foi o primeiro recuo no faturamento desde que a lista do Sipri foi criada, em 2015. O recuo se explica sobretudo com as quedas nas receitas das empresas dos Estados Unidos e da Rússia.

"Apesar da quantidade de novas encomendas, que atingiu um nível recorde para muitas empresas, as receitas caíram principalmente nos Estados Unidos", comentou um dos autores do relatório, Xiao Liang, à DW. O ranking é dominado por empresas dos EUA, que ocupam as cinco primeiras posições, e tem à frente a Lockheed Martin. Nenhuma empresa brasileira está na lista.

Por que as receitas caíram

Muitas empresas americanas, mas também europeias, não puderam elevar substancialmente sua capacidade de produção devido à carência de mão de obra, elevação de custos, efeitos da pandemia de covid-19 e falhas na cadeia produtiva, que foram intensificadas com a guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Além disso, a maior parte das armas entregues à Ucrânia é oriunda de estoques dos europeus e americanos, ou seja, não trouxe rendimentos para a indústria.

Outra explicação é o foco dado pelas maiores empresas de armamentos em sistemas caros, como aeronaves, navios e mísseis, explica Liang. Só que, em 2022, os armamentos mais procurados, por causa da guerra na Ucrânia, não eram necessariamente os mais caros, mas veículos blindados, munições e artilharia.

Em especial as receitas das 42 empresas dos EUA na lista caíram significativamente, em 7,9%, para 302 bilhões de dólares, ou pouco mais da metade do total das cem maiores empresas.

O Sipri ressalvou que encomendas de longo prazo fechadas em 2022 terão um impacto positivo nos balanços dos próximos anos, quando as entregas forem feitas.

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Na Europa, alta no faturamento

O faturamento das 26 empresas europeias da lista subiu 0,9%, para 121 bilhões de dólares em 2022. A guerra na Ucrânia criou demanda por materiais "adequados para uma guerra de desgaste, como munições e veículos blindados", afirma o estudo do Sipri.

Muitos fabricantes europeus de armas puderam aumentar seus rendimentos em 2022. Como exemplo, o Sipri mencionou a empresa polonesa PGZ, que se beneficiou do programa de modernização militar da Polônia e elevou suas receitas em 14%.

As receitas das quatro empresas alemãs entre as cem maiores totalizaram 9,1 bilhões de dólares, um aumento de 1,1% em relação a 2021. A única empresa alemã com registro de queda foi a ThyssenKrupp, cujas vendas caíram 16%, para 1,9 bilhão de dólares, porque a empresa entregou menos navios do que no ano anterior, de acordo com a análise do Sipri.

As empresas alemãs no ranking das cem maiores são a Rheinmetall (28º lugar), a ThyssenKrupp (62º), a Hensoldt (69º) e a Diehl (93º).

Falta de transparência na Rússia

Devido à falta de dados, o Sipri não pôde acompanhar as receitas das empresas russas de armamentos. Apenas duas foram consideradas para o ranking: a Rostec (10º lugar), e a United Shipbuilding Corporation (36º). A receita somada das duas caiu 12%, para 20,8 bilhões de dólares.

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Segundo o Sipri, a falta de transparência das empresas russas não é novidade, mas piorou com a guerra na Ucrânia. Liang supõe que as empresas russas tenham sido impedidas pelo governo russo de divulgar qualquer informação porque isso poderia colocar em xeque a narrativa oficial sobre o esforço de guerra na Ucrânia.

Ásia e Oriente Médio

Um crescimento claro no faturamento foi registrado pelas empresas na Ásia, na Oceania e no Oriente Médio. "As empresas locais muitas vezes têm de enfrentar condições de segurança muito difíceis e são confrontadas com uma espécie de estado de guerra constante, como em Israel ou na Coreia do Sul", diz Liang. Isso faz com que elas estejam aptas a elevar rapidamente sua capacidade de produção em caso de aumentos repentinos na demanda.

Além disso, algumas empresas na China, na Índia ou na Turquia são apoiadas pelos seus governos com planos de modernização de longo prazo. Outra vantagem é que muitos fornecedores são nacionais, e a maior parte da demanda também é doméstica, para abastecer as próprias forças armadas. "Isso ajuda esses países a mitigar o impacto das falhas na cadeia de abastecimento global."

As vendas das 22 empresas da Ásia e da Oceania listadas no ranking aumentaram 3,1%, para 134 bilhões de dólares. Esse foi o segundo ano consecutivo em que as receitas na Ásia e na Oceania foram superiores às da Europa, sublinhou o Sipri. Essa região tem 22 empresas entre as cem maiores de 2022.

Oito delas são chinesas, e três destas estão entre as dez primeiras. As receitas somadas das empresas chinesas chegaram a 108 bilhões de dólares e representaram 18% do total global. Esse é o segundo maior percentual de um país, atrás apenas dos EUA.

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No caso da Turquia, as empresas se beneficiaram da sua especialização em produtos menos sofisticados tecnologicamente. Assim, elas são capazes de aumentar a produção mais rapidamente em resposta a aumentos da demanda, afirma o Sipri.

As quatro empresas turcas na lista viram suas receitas totais crescerem para 5,5 bilhões de dólares, ou 22% a mais do que em 2021. O Sipri destacou a empresa turca Baykar, com a produção de drones. Esta é a primeira vez que a Baykar está no top 100 (76ª posição), depois de suas vendas terem aumentado 94%, o maior crescimento de qualquer empresa no ranking.

Quantidade importa

O relatório do Sipri deixa duas conclusões sobre os recentes desenvolvimentos no setor de armamentos, avalia o especialista militar Markus Bayer, do Centro Internacional de Estudos de Conflitos (BICC), na Alemanha.

"A primeira lição é que os drones e os sistemas automatizados tornaram-se imensamente importantes e serão decisivos para as guerras futuras", afirma.

"A segunda é que quantidade importa, e o Ocidente não estava preparado para isso", observa. Os estoques de munições foram reduzidos ao longo de décadas. "Tentou-se compensar a falta de quantidade com superioridade tecnológica e precisão. Agora é possível constatar, especialmente na Ucrânia, que isso só funciona até certo ponto."

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