Ruanda: a tragédia que ainda faz a consciência da ONU pesar

Mario Villar.

Nações Unidas, 3 abr (EFE).- O genocídio de Ruanda continua, 20 anos depois, a ser um peso na consciência da ONU, que admitiu repetidamente seu fracasso na gestão da tragédia e baseou grande parte de suas políticas posteriores nessa experiência traumática.

As cerca de 800 mil mortes ocorridas no massacre são consideradas de forma quase unânime uma das grandes manchas na história das Nações Unidas e da comunidade internacional.

"Infelizmente, a ONU tem um grande histórico de fracassos no que diz respeito a prevenir massacres e genocídios, desde o Camboja, nos anos 70, até hoje no Sri Lanka e na Síria. Mas Ruanda ocupa um lugar especial. É provavelmente o maior e mais histórico fracasso", declarou à Agência Efe o diretor-executivo do Centro Global para a Responsabilidade de Proteger (CGRP), Simon Adams.

A lembrança da tragédia em Ruanda dói especialmente por especialistas aceitarem quase com unanimidade que ela poderia ter sido evitada.

Meses antes de o conflito eclodir, em 6 de abril de 1994, com o assassinato do presidente ruandês Juvénal Habyarimana, a ONU já tinha sinais claros da explosiva situação que estava começando.

Em janeiro de 1994, o então comandante da missão da ONU no país, o general canadense Romeo Dallaire, enviou um fax aos principais dirigentes das Nações Unidas após descobrir que extremistas hutus estavam distribuindo armas e organizando o extermínio de tutsis e hutus moderados.

Dallaire propunha usar o contingente de mais de 2 mil "boinas azuis" enviados ao local para conter a distribuição de armas e prevenir massacres. Porém, a resposta da ONU foi clara: a missão deveria se manter à margem e se limitar a cumprir seu mandato.

"Houve total indiferença e falta de vontade política diante do genocídio", lembra Adams, que trabalhou em Ruanda após a tragédia.

Apenas três meses depois do alerta de Dallaire, a violência disparou com a queda do avião do presidente Habyarimana.

No dia seguinte, dez boinas azuis belgas que protegiam a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana foram assassinados junto com a política, o que levou Bruxelas a ordenar a retirada de seu contingente.

O massacre que se seguiu ceifaria a vida de 800 mil pessoas em pouco mais de três meses, muitas delas mortas por milícias e outros civis a tiros ou golpes de faca e outras armas brancas. Tudo isso diante da inação da ONU, que após o início da violência optou por retirar praticamente toda a missão, deixando pouco mais de 200 soldados no país.

O Conselho de Segurança demorou mais de um mês para reconhecer que havia um genocídio em andamento e aprovar o envio de 5.500 soldados, cuja chegada só aconteceu no meio do ano, quando a França já havia enviado suas próprias forças e quando a guerrilha opositora à Frente Patriótica Ruandesa (FPR) havia tomado o controle do país e dado fim ao genocídio.

Nos anos posteriores, o "mea culpa" foi feito por muitos dos dirigentes da ONU, entre eles o então responsável pelas Operações de Paz, Kofi Annan, que mais tarde se tornou secretário-geral das Nações Unidas.

Hoje, duas décadas depois, a ONU continua refletindo o ocorrido em Ruanda em outras crises como as do Sudão do Sul, onde se encarregou repetidamente de fazer um apelo ao compromisso da comunidade internacional e onde os boinas azuis abriram seus acampamentos para acolher civis que fugiam da violência.

"Há 20 anos, esses passos teriam sido impensáveis", disse nesta semana o secretário-geral, Ban Ki-moon, que assegurou que as políticas são "uma lição de Ruanda aplicada à realidade".

O genocídio ruandês, unido ao massacre de Srebrenica um ano depois, levou além disso a ONU a iniciar um grande debate sobre seu papel nesse tipo de tragédia.

Por fim, em 2005, a comunidade internacional adotou o princípio da "responsabilidade de proteger", pela qual interveio para frear vários conflitos nos últimos anos.

No entanto, situações de conflito atuais como as de República Centro-Africana, Sudão do Sul e Síria obrigam a ONU a olhar para trás para tentar não repetir erros.

"Há muitos casos no mundo onde vemos um fracasso na hora de proteger civis", disse à Agência Efe o diretor do Centro Global para a Responsabilidade de Proteger, uma instituição com sede em Nova York iniciada com o apoio de importantes figuras internacionais para promover a aplicação desse princípio.

"Eu gostaria de pensar que não seria possível em 2014 vermos algo como (o que aconteceu em) Ruanda", acrescentou.

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