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O que é e como funciona a Carta Democrática da OEA?

31/05/2016 15h33

Cristina García Casado.

Washington, 31 mai (EFE).- O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, ativou nesta terça-feira a Carta Democrática do organismo para a Venezuela, um passo sem precedentes que abre um processo que pode provocar sua suspensão da entidade.

Almagro, que na semana passada completou um ano à frente da OEA, se transforma assim no primeiro líder do organismo a ativar a carta sobre um Estado-membro contra a vontade de seu governo.

O passo à frente de Almagro responde a sua vontade pessoal de atuar na crise venezuelana apesar das reservas da maioria dos 34 Estados-membros da OEA, que preferem ou manter o silêncio de anos da organização sobre esta crise ou adotar medidas mais conciliadoras como uma resolução ou um oferecimento de mediação com autorização de Caracas.

Estes são os principais elementos para entender o que é e como funciona a Carta Democrática da OEA, aprovada em 2001 por unanimidade na Assembleia Geral do organismo em Lima.

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- O que é a Carta Democrática?

É um instrumento jurídico para a preservação da institucionalidade democrática da qual se dotaram os Estados-membros da OEA por unanimidade há 15 anos. Tem 28 pontos e fica recolhida em um pequeno livro azul de bolso que foi mais visto que nunca nestas últimas semanas nos corredores da sede da OEA em Washington.

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- Por que este passo causa tanto impacto? Há precedentes?

A Carta Democrática é um recurso muito sensível não só porque sua última consequência é a suspensão da OEA, mas também porque até agora sempre foi aplicada por solicitação ou pelo menos com autorização do Estado afetado, exceto no golpe de Estado de Honduras de 2009 por não haver governo legítimo no poder.

Até agora se recorreu à Carta em contadas ocasiões e sempre porque o próprio Estado pediu a assistência da organização (artigo 17) ou porque um grupo de Estados ofereceu ajuda a um terceiro e este aceitou (artigo 18).

O único caso no qual a autorização do governo legítimo não era possível, e no qual se aplicou a Carta até sua última consequência, com a suspensão da OEA, foi após o golpe de Estado em Honduras de 2009, ao produzir-se uma "ruptura da ordem democrática" (artigo 19).

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- Por que a Carta foi criada?

A Carta foi aprovada em Lima "depois do governo autocrático de Alberto Fujimori nos anos 90. A ideia era tornar a Carta relevante em situações como a do Peru, onde o problema não era uma ameaça ao Estado, mas um regime que violou a ordem constitucional e minou as normas democráticas", segundo explicou à Agência Efe Michael Shifter, presidente do centro de estudos Diálogo Interamericano.

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- Por que se diz que Almagro "ativa" ou "invoca" a Carta?

Para atuar, Almagro se ampara no artigo 20 da Carta, que autoriza o secretário-geral ou qualquer Estado-membro a pedir a convocação imediata do Conselho Permanente quando em um país da organização "se produza uma alteração da ordem constitucional que afete gravemente sua ordem democrática".

Com esta "invocação" ou "ativação" da Carta se abre um processo no qual os 34 Estados-membros decidirão se, como ele, consideram que se produziu essa "alteração" e as medidas a tomar a respeito.

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- Quais são os passos desse processo?

Almagro pediu a convocação do Conselho entre os dias 10 e 20 de junho. O Conselho, onde cada embaixador tem um voto, decidirá se existe essa "alteração" por maioria simples (18).

Se considerar que esse é o caso, o Conselho pode aprovar distintas medidas, entre elas as gestões diplomáticas para "promover a normalização da institucionalidade democrática".

Se estas fracassarem, ou se o caso for urgente, o Conselho pode convocar imediatamente uma Assembleia Geral extraordinária, para a qual são necessários dois terços dos votos dos embaixadores.

Nessa Assembleia, que pode voltar a tentar as gestões diplomáticas, dois terços dos chanceleres podem suspender a filiação do Estado na organização se constatarem que "se produziu a ruptura da ordem democrática".

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- Então a aplicação da Carta é uma decisão política?

Sim, como indica um dos redatores da Carta, o atual secretário de Assuntos Jurídicos da OEA, Jean Michel Arrighi, "a aplicação da Carta Democrática é uma decisão de caráter político".

"Esse debate já não é jurídico, está sujeito a uma 'apreciação coletiva' dos Estados, ou seja, é uma decisão política", reforçou.

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- O que significa, na prática, a suspensão de um país como membro da OEA?

Na prática, a suspensão de um membro da organização implica em que o país deixa de participar de todas as atividades da entidade, assim como nos programas do organismo, como os de anticorrupção, segurança e promoção de direitos.

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- Almagro tem os apoios necessários para que prospere o processo que iniciou?

A decisão de Almagro, o líder mais atípico que a OEA já teve, é de caráter pessoal. Como ele mesmo disse, não está contando se tem ou não os apoios para dar este passo. Para ele é uma questão de princípios.

Apenas os Estados Unidos denunciaram a crise da Venezuela na OEA, embora um notável número de países tenha compartilhado essa mesma preocupação em conversas privadas.

Essas nações, lideradas pela Argentina, querem atuar, mas de maneira mais conciliadora sem recorrer à Carta. A Argentina convocou uma reunião do Conselho Permanente para esta quarta-feira a fim de abordar a situação da Venezuela e pactuar uma resolução a respeito.

A Venezuela conta com o respaldo incondicional dos países da Aliança Bolivariana (Alba), sobretudo Equador e Nicarágua, assim como o de boa parte dos países do Caribe, aos quais ajudou com o programa de entrega de petróleo subsidiado da Petrocaribe.