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Farc têm desafio de conquistar espaço na política colombiana

23/09/2016 18h12

Claudia Polanco Yermanos.

Bogotá, 23 set (EFE).- A guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que por cinco décadas tentou chegar ao poder por meio da luta armada, enfrenta com a assinatura da paz o desafio de se transformar em um movimento político e conseguir nas urnas o apoio que não teve enquanto pegava em armas.

Como disseram repetidas vezes o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e o chefe negociador de paz do governo, Humberto de la Calle, trata-se de "trocar as balas pelos votos" e de fazer as Farc deixarem de existir como organização armada ilegal, objetivo do acordo negociado em Havana.

O trânsito da clandestinidade à legalidade foi o eixo da décima e última conferência guerrilheira realizada nesta semana em Llanos del Yarí, no sul do país, como parte dos compromissos adquiridos com o acordo de paz.

Porém, contra o novo movimento está a lembrança da maioria dos colombianos sobre as atrocidades cometidas pela guerrilha no último conflito armado do continente, que deixou cerca de oito milhões de vítimas, entre elas cerca de 220 mil mortos, segundo o Centro Nacional De Memória Histórica.

Por isso, o diretor do Observatório para a Democracia da Universidade dos Andes, Miguel García, disse à Agência Efe que "a degradação da guerra gerada pelas Farc fez com que acabasse a visão romântica que muitos tinham desse grupo".

Em consequência, segundo explicou, "muito seguramente não poderão se transformar em um ator importante na política nacional, pelo menos em curto prazo, porque não ser querido pela maioria dos colombianos conspira contra seu êxito eleitoral".

Como partido político, os analistas concordam que as aspirações das Farc estarão centradas em obter o poder local devido ao fato de que, historicamente, seu maior impacto foi o de se apresentar como uma guerrilha rural.

Não será estranho então que, nas primeiras eleições que terão a participação, o novo movimento político busque se eleger nas áreas nas quais tradicionalmente teve influência aproveitando o abandono do Estado.

Enquanto organiza a estrutura do novo movimento, as Farc terão porta-vozes com voz, mas sem voto no Congresso, que serão cidadãos em exercício de seus direitos, e nas eleições de 2018 e 2022 será assegurado ao novo movimento uma representação mínima de cinco senadores e cinco deputados na câmara caso não alcancem nas urnas o limite requerido.

Dependendo da maneira como as Farc façam o trânsito das armas às ideias, pode ser encontrado o apoio ou a rivalidade de outros partidos da esquerda colombiana que têm representação parlamentar.

Buscar aliados em outras legendas "inicialmente não seria uma opção porque comprometeria a autonomia do partido que vão criar e deixaria em evidência que carecem de líderes carismáticos e preparados, com um discurso sério e bases ideológicas firmes", acrescentou García.

Se a isso se somar o fato de que os chefes das Farc, à parte de carecer de conexão com o eleitorado, são associados pelo grosso da população a crimes atrozes, o mais provável é que tenham que buscar candidatos entre seus quadros mais jovens para transmitir uma mensagem de renovação.

Diferente foi o caso do também guerrilheiro Movimento 19 de Abril (M-19), que após sua desmobilização há 26 anos se transformou na Aliança Democrática M-19 e teve triunfos nas urnas pela simpatia que gerava como força política e especialmente por seu máximo comandante, Carlos Pizarro.

No entanto, Pizarro foi assassinado a tiros pouco após deixar as armas, em 26 de abril de 1990, em um avião comercial em pleno voo de Bogotá a Barranquilla para onde viajava em um ato de campanha como candidato presidencial.

Esse e outros antecedentes demonstram que a entrada das Farc na política representa também um enorme desafio para o governo na hora de garantir a segurança de seus integrantes quando deixarem as armas.

Ainda segue presente, além disso, o fantasma do extermínio do partido de esquerda União Patriótica (UP), nascido em 1985 de um processo de paz das Farc com o então presidente Belisario Betancur.

Em 15 de setembro, Santos reconheceu a responsabilidade do Estado no assassinato, entre os anos 80 e 90, de cerca de quatro mil membros da UP, entre eles os candidatos presidenciais Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo Ossa, uma tragédia que o país espera que não se repita.