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Cuba, órfã do "patriarca" Fidel, segue caminho traçado por Raúl Castro

26/11/2016 22h59

Sara Gómez Armas.

Havana, 26 nov (EFE).- Com a morte de Fidel Castro, os cubanos ficam órfãos do que foi seu líder e patriarca, além de um ícone para a esquerda militante de todo o mundo; mas além do plano simbólico, o país enfrenta essa mudança sem contratempos, sob a tutela de seu irmão Raúl, que tem bem traçado o rumo a seguir.

Após sobreviver ao colapso econômico do Período Especial nos anos 90, a Cuba revolucionária viveu um de seus momentos mais críticos em 2006, quando Fidel Castro teve que se afastar do poder por causa de uma grave doença, após 47 anos governando a ilha com mão firme e valores socialistas ferrenhos.

A substituição política por seu irmão Raúl foi feita de maneira suave, sem sobressaltos, e os que previram o fim da Cuba castrista comprovaram com certa estupefação que o mais novo dos Castro, "o eterno segundo", sabia para onde conduzir o governo da Revolução, uma direção que não vai mudar muito sem Fidel de corpo presente, segundo analistas consultados pela Agência Efe.

Raúl Castro foi muito mais reformista que Fidel, fez mudanças impensáveis na era fidelista: abertura de um incipiente setor privado frente à economia centralizada, captação de investimento estrangeiro frente à nacionalização de empresas e o descongelamento da relação com os Estados Unidos contra o "imperialismo ianque" que encarnou o líder cubano.

"Cuba vai continuar o caminho das reformas econômicas e com uma política externa mais aberta iniciada Raúl Castro. Ele sabe por onde passa o futuro do país e as mudanças que devem ser feitas", declarou à Efe o ex-diplomata cubano Carlos Alzugaray.

Segundo este analista, a morte de Fidel pode servir de incentivo para acelerar certas mudanças que o país requer com urgência e que Raúl mantinha em compasso de espera para evitar um confronto sério com seu irmão mais velho.

"Raúl Castro tinha consciência de que estava fazendo coisas de que seu irmão não gostava e não queria violentá-lo mais. O mesmo reconheceu no último Congresso do Partido Comunista que havia dois partidos, o que o apoia, mais reformista, e o que apoiava seu irmão, exemplo para os setores mais duros", explicou.

A morte de Fidel Castro, símbolo dos comunistas mais recalcitrantes, por um lado; e a eleição do controvertido Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, abrem o terreno adequado para que Raúl pise o acelerador das reformas como exigem dele muitos cubanos.

Em suas últimas reflexões, cada vez mais esporádicas, Fidel Castro nunca escondeu seu mal-estar com a nova relação de Cuba com os EUA "capitalistas e imperialistas", o oposto da Revolução.

Demorou mais de um mês para reagir ao anúncio do restabelecimento de relações entre ambos os países de dezembro de 2014 com um artigo no qual deixava claro que não acreditava nos EUA; e após a histórica visita do presidente Barack Obama ao país escreveu com certo tom de desdém que Cuba "não precisa de presentes do império".

No entanto, Raúl Castro seguiu a caminho da reconciliação e ainda mantém um diálogo fluído com os EUA em diversas áreas, sem deixar de reivindicar veementemente o fim do bloqueio que sufoca sua economia e à espera agora de ver que intenções tem em relação à ilha um imprevisível Donald Trump.

"Tenho a esperança de que Trump seja inteligente e veja que em Cuba o governo tem vontade de avançar. As relações com a ilha caíram bem para uma ampla porcentagem de americanos, salvo um pequeno grupo do exílio mais anticastrista", disse à Efe o acadêmico e membro do Partido Comunista de Cuba Esteban Morales.

Para Morales, as posturas anticubanas de Trump responderam a uma estratégia eleitoral "oportunista" de última hora para somar voto entre o exílio e quando chegar o momento agirá como homem de negócios que é.

As implicações da morte de Fidel dentro da ilha "não serão traumáticas" já que há dez anos que delegou o poder a seu irmão mais novo, e esse foi o "trânsito mais complicado, infestado de incertezas", previu este militante comunista.

Segundo Morales, a morte do comandante tem "uma carga simbólica muito grande", porque ele iniciou a caminhada revolucionária da ilha que deu como resultado "o primeiro país livre e independente de toda a América, além de seu inegável trabalho pela emancipação dos povos da África".

Por isso, mais do que se perguntar o que vai acontecer com Cuba sem Fidel, a incógnita vive em quem herdará o legado da octogenária geração histórica da Revolução a partir de 2018, quando Raúl Castro deve deixar a presidência do país sem que haja um substituto claro que convença a população.