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Bloqueio de países árabes ao Catar passa quase despercebido em Doha

08/07/2017 10h01

Manuel Pérez Bella.

Doha, 8 jul (EFE).- O bloqueio de quatro países árabes contra o Catar teve um impacto imperceptível sobre a economia e os habitantes do pequeno país do Golfo Pérsico, que praticamente só foi notado na mudança de marcas e idioma de alguns produtos.

A seção de laticínios de qualquer grande supermercado agora conta com um breve glossário com os termos mais comuns que aparecem nas embalagens dos produtos que chegam da Turquia, país que abastece o emirado de alimentos que antes vinham da Arábia Saudita.

Os termos turcos "Süt" (leite) ou "SKT" (data de vencimento) aparecem traduzidos para árabe, inglês, hindu, tagalog e urdu - os idiomas mais falados no Catar - em avisos elaborados pelo governo para ajudar a população, em sua maioria de imigrantes.

Na seção de frutas e verduras, que está repleta de produtos e sem nenhum indício de um bloqueio econômico, podem ser encontrados desde melões espanhóis a mangas brasileiras, passando por alfaces chinesas, mas não há sinal de produtos frescos sauditas ou egípcios, por exemplo.

Mamun, um taxista de Bangladesh que vive no Catar há dois anos, afirmou que não sentiu falta de nenhum produto no mercado e que os preços não subiram, mas ressaltou que antes da atual crise "já era tudo caríssimo".

O anúncio do bloqueio marítimo, terrestre e aéreo em 5 de junho levou a população a comparecer em massa a supermercados, mas o governo substituiu em poucos dias os produtos de países do bloqueio pelos turcos e iranianos, que chegam pelo estreito espaço que liga as águas do Catar com as internacionais.

Apesar do aumento do custo dos fretes para os comerciantes, as autoridades subvencionam uma parte para evitar a conta fique para a população, que em sua maioria não passa apertos, já que o Catar é um dos países com renda pera capita mais alta do mundo.

O emirado é o maior exportador de gás natural do mundo, e os recursos procedentes dessas vendas são suficientes para financiar as contas de um país de cerca de 2,5 milhões de habitantes, dos quais uma minoria tem a cidadania catariana.

O Banco Central garantiu que vai manter fixa a cotação da moeda local, o rial, frente ao dólar, e garantiu ter "enormes reservas" para enfrentar uma crise prolongada - elas cheam a US$ 335 bilhões, um dos maiores fundos soberanos do mundo e que representa 250% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Além disso, nesta semana, em plena escalada da crise, a empresa estatal de gás anunciou planos para aumentar em cerca de 30% sua produção, o que fortaleceria o cofre do Estado.

Esse movimento visa também atrair as grandes companhias petrolíferas estrangeiras e, por extensão, dar sinais de que o país segue aberto aos negócios.

Apesar da robustez da economia nacional, as agências de classificação de risco mostraram cautela pela possibilidade de que a crise dure vários meses. A Standard & Poors reduziu a nota da dívida soberana do país no começo da crise, e as outras duas grandes agências, Moody's e Fitch, ainda que tenham mantido a classificação do país, mudaram perspectiva para negativa.

O que o bloqueio pode afetar de forma mais acentuada no país é o setor da construção civil, que está em pleno auge devido a projetos ambiciosos como a nova cidade planejada de Lusail e a Copa do Mundo de 2022, já que os materiais chegavam dos países vizinhos.

Um empresário espanhol, que pediu anonimato, disse à Agência Efe que os estoques de materiais de construção no país estão em um patamar baixo. Nas obras já iniciadas, segundo ele, há dificuldades para substituir esses materiais por outros idênticos sem que a mudança seja notada no resultado final do projeto.

Algumas construtoras estão tentando minimizar o problema importando as matérias-primas dos Emirados Árabes através de Omã, mas, segundo este empresário, as que foram compradas estão paradas no porto de Doha, apesar de o governo ter garantido que não aplicaria nenhuma represália comercial aos países que o bloqueiam desde o começo de junho.