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"Jurei não voltar à Alemanha", diz sobrevivente de Auschiwtz

31/01/2018 14h42

Berlim, 31 jan (EFE).- Anita Lasker-Wallfisch, sobrevivente dos campos de extermínio de Auschiwtz e Bergen Belsen, pediu ao Parlamento alemão que não tolere o negacionismo do Holocausto e nem baixe a guarda perante as novas formas de antissemitismo, incluido o ódio aos israelenses.

"Jurei não voltar a colocar meus pés em solo alemão. O meu ódio ao que era a Alemanha não tinha limites. Mas, como veem, encontrei a razão há muitos anos. E não me arrependo. O ódio é simplesmente um veneno e no final acaba envenenando a nós mesmos", disse perante os Bundestag, em uma cerimônia para lembrar as vítimas do Holocausto.

Com quatro dias de atraso, o Parlamento alemão festejou o 73° aniversário da liberdade de Auschwitz, campo ao qual Lasker-Wallfisch sobreviveu porque, como relatou, "era necessária" como violoncelista na orquestra "feminina" do campo de extermínio.

Aos 93 anos, entrou no Bundestag de braço dados com o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, e depois se apoiou em uma bengala para chegar à tribuna, mas sua voz não tremeu.

Lasker-Wallfich alertou sobre o vírus "do antissemitismo, que tem mais de 2 mil anos e "aparentemente é incurável", e pediu que sejam combatidas as pessoas que duvidam da maquinaria assassina do nazismo, um dos capítulos da história mais documentados.

Entre chamadas de atenção, quis também elogiar o acolhimento de mais de 1,3 milhão de refugiados na Alemanha nos últimos dois anos, palavras ouvidas pela chanceler, Angela Merkel, e que não foram aplaudidas desde as cadeiras da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD).

Após lembrar que aos judeus foram fechadas "hermeticamente" todas as portas, destacou o gesto "humano, incrível, generoso e valente" da Alemanha em um mundo hoje "cheio de refugiados".

Acompanhada de sua irmã, Renate, sobrevivente também de Auschwitz, além de seu filho, que tocou violoncelo na cerimônia, defendeu em seu discurso Israel e lamentou que hoje em dia seja usada a palavra "israelense", em substituição de "judeu".

"Os judeus são criticados por não terem se defendido e são criticados quando se defendem hoje", apontou.

Filha de um advogado e uma violinista, Anita nasceu em Breslavia (hoje Polônia) em 1925 e sua vida foi um "idílio" até a chegada do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães ao poder.

Ela se lembra bem da noite dos vidros quebrados, em 1938, quando seu pai quis pela primeira vez abandonar o país e "já era muita tarde".

Quando deportaram seus pais, ela tinha 16 anos e começou com sua irmã Renate a trabalhar em uma fábrica, onde conheceram presos de guerra franceses.

Começou então sua carreira como "falsificadora de documentos", a que a levaria à prisão e a que lhe abriu uma porta de esperança em Auschwitz, onde ela e sua irmã chegaram não como judias, com a morte quase garantida, senão como delinquentes.

Anita foi destinada à orquestra "feminina" e vivia no bloco 12, "a um par de metros do crematório" e das colunas de fumaça das câmaras de gás. Para uns, a música em Auschwitz era "um insulto", para outros, "a possibilidade de sonhar com outro mundo", explicou.

Perante o avanço das tropas soviéticas, foram levadas a Bergen Belsen, onde esperavam a morte quando o campo foi libertado pelos britânicos.

"Eu tinha 19 anos", disse ao final do relato de seu martírio, após o qual se estabeleceu em Londres.

"O que passou, passou, e não se pode apagar com um risco. É preciso ter a segurança de que nunca mais acontecerá algo assim de novo aqui", disse lembrando uma experiência desagradável em uma recente visita a Baviera, quando um homem se aproximou da mesa do restaurante na qual encontrava-se e protestou pois "essas histórias de "Auschwitz" estragavam o ambiente.

O presidente do Bundestag, Wolfgang Schäuble, sublinhou que da culpa nasce a "especial responsabilidade" da Alemanha perante os judeus, uma responsabilidade que devem assumir também com os imigrantes.