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Pior seca em décadas no Afeganistão leva famílias a entregarem os filhos

Toby Lanzer, o coordenador da ONU para a assistência humanitária ao Afeganistão em conferência da ONU, em Genebra - Xinhua/Xu Jinquan
Toby Lanzer, o coordenador da ONU para a assistência humanitária ao Afeganistão em conferência da ONU, em Genebra Imagem: Xinhua/Xu Jinquan

Isabel Saco

27/11/2018 17h12


A pior seca sofrida pelo Afeganistão em décadas, que levou famílias de zonas rurais a entregarem os filhos como pagamento de dívidas, é o principal assunto da conferência internacional de dois dias convocada pela ONU em Genebra para analisar o avanço das reformas às quais o governo afegão se comprometeu.

"Calculamos que 3,6 milhões de pessoas estão no nível 4 de insegurança alimentar, que representa o passo anterior à crise de fome. Isto revela o quão forte a seca veio em 2018", declarou nesta terça-feira o coordenador da ONU para a assistência humanitária ao Afeganistão, Toby  Lanzer.

De maneira mais geral, é calculado que 10,6 milhões de pessoas, ou a metade da população rural afegã, têm dificuldades para se alimentar ou cobrir as necessidades nutricionais.

"A seca aguçou a prática do casamento infantil, envolvendo, pelo menos, 155 meninas e seis meninos de populações afetadas em duas províncias", declarou à imprensa a porta-voz do Unicef no Afeganistão, Alison  Parker.

Em comentários paralelos à conferência sobre o Afeganistão, Parker explicou que a perda em massa de gado e outros ativos forçou muitas famílias a se endividarem para sobreviver. Agora, estão "diante da situação de submeter toda a família à fome ou entregar uma ou mais crianças para um casamento ou para o serviço do credor".

O casamento infantil é uma prática ainda muito estendida no país asiático e afeta até 35% das crianças. O Afeganistão é eminentemente jovem, com 17,5 milhões de habitantes - de um total de 30 milhões - com menos de 18 anos.

A conferência sobre o Afeganistão reúne na Suíça representantes de governos, setor privado e sociedade civil para avaliarem o avanço das reformas no país e o uso da ajuda financeira que os doadores destinaram com este fim.

O presidente afegão, Ashraf  Ghani, foi o orador principal em um dos eventos da conferência que tinha como público principal empresários, aos quais explicou a vontade do governo para reformar a base produtiva da economia.

Ghani explicou que, para isso, o mais importante é sair da lógica de exportação de uma dezena de matérias-primas sem valor agregado, o que não permite que o Afeganistão tire proveito das preferências comerciais concedidas pela União Europeia e vários outros países industrializados.

Ministros de 70 países anunciaram a participação na quarta-feira, o segundo dia da conferência, quando haverá uma revisão das promessas de financiamento que a comunidade internacional fez ao Afeganistão em 2016 para um período de quatro anos.

"Vamos analisar a agenda da reforma, o combate à corrupção, os investimentos realizados em saúde e educação, assim como as medidas para propiciar as atividades do setor privado", explicou Lanzer.

No entanto, a nova e severa crise humanitária no Afeganistão pela combinação do conflito e da seca concentrou grande parte da atenção nesta conferência, com anúncios de órgãos de ajuda e da União Europeia para enfrentar a realidade.

O Programa Mundial de Alimentos da ONU declarou que expandirá a sua resposta à seca fornecendo mantimentos essenciais a 2,5 milhões de pessoas afetadas em 20 províncias durante os próximos seis meses.

A Organização da ONU para a Agricultura e Alimentação (FAO) divulgou um plano para socorrer 1,4 milhões de afegãos da população mais vulnerável à seca.

A União Europeia assinará durante esta conferência um pacote de cinco acordos de financiamento por um total de 474 milhões de euros para o Afeganistão.