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Moro questiona empenho de Bolsonaro em luta contra corrupção

Montagem de fotos com Sergio Moro (à esquerda) e Jair Bolsonaro de costas um para o outro - Marcos Oliveira/Agência Senado; Fernando Frazão/Agência Brasil
Montagem de fotos com Sergio Moro (à esquerda) e Jair Bolsonaro de costas um para o outro Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado; Fernando Frazão/Agência Brasil

Antonio Torres del Cerro

São Paulo

09/07/2020 15h35

O ex-ministro da Justiça e ex-juiz federal Sergio Moro colocou em dúvida se "estão garantidas as autonomias dos órgãos de controle" para o combate à corrupção no governo Jair Bolsonaro (sem partido), criticou o presidente por "omissão" no combate à pandemia do novo coronavírus e evitou revelar se pretende se lançar candidato nas eleições de 2022.

Em entrevista por videoconferência à Agência Efe, Moro também lamentou uma "polarização política nociva" no Brasil, mas ressaltou que não acredita que o país esteja perto de uma ruptura institucional.

"Não existe uma ruptura a caminho, e o próprio presidente tem contribuído agora com a adoção de um discurso mais moderado", afirmou.

O ex-ministro desejou boa recuperação a Bolsonaro, que contraiu covid-19, e negou que o motivo de ter deixado o governo tenha sido político.

"Lamentei os fatos que motivaram minha saída. A minha expectativa principal era proteger a Polícia Federal de interferência", disse.

Confira a entrevista:.

Agência Efe: O presidente Jair Bolsonaro foi infectado pelo novo coronavírus. Como o senhor encarou essa notícia?

Sergio Moro: Até publicamente eu manifestei o meu desejo de que ele tenha plena recuperação em relação à covid. Espero também que ele não seja um daqueles que sofrem os piores sintomas ou as piores consequências. Temos hoje mais de 65 mil vítimas. Infelizmente, devemos chegar a 70 mil em breve. Espero que não, sempre há uma esperança de que não se chegue a tanto, mas a pandemia tem sido muito grave no Brasil no que se refere ao número absoluto de vítimas, e mesmo o número relativo também é alto. Quando estava dentro do governo, fui um crítico, e sempre foi minha posição de que precisava ter uma política federal direcionada ao combate da pandemia. E, não obstante, com todo respeito ao presidente e ao governo, houve uma omissão por conta do negacionismo do presidente, e isso foi bem negativo para o país.

O fato de o senhor ter deixado o governo também teve relação com a gestão da pandemia?

O problema principal foi a interferência na Polícia Federal. Já havia uma insatisfação em relação a outros temas relacionados mais propriamente à minha pasta, mas essa parte da pandemia também gerava um desconforto, porque eu não era o ministro encarregado da pasta, mas, internamente, sempre me posicionei no sentido de defender a política nacional, quanto mais próximo do que a ciência nos podia dizer sobre a doença. Então, apoiei o (ex-ministro da Saúde) Luiz Henrique Mandetta, e isso foi até um dos focos de tensão com o presidente, porque o presidente repudiava, acabou demitindo o ministro Mandetta e, nesse contexto, acabou me vendo, dentro do governo, mais como um aliado do ministro do que alguém que tinha colocado (no governo) a favor das ideias dele.

Sua saída ajudou ou prejudicou o governo?

Eu não podia permanecer dentro do governo naquele contexto. Saí e lamentei os fatos que motivaram minha saída. A minha expectativa principal era proteger a Polícia Federal de interferência (Moro alega que Bolsonaro o pressionou para substituir o superintendente da Polícia Federal no Río de Janeiro, que dirigia algumas investigações que supostamente tinham relação com sua família).

O Brasil vive um dos capítulos mais tensos de sua história política. Um grupo que se diz defensor de Bolsonaro ameaçou membros do Supremo Tribunal Federal, por exemplo. O senhor acredita que o país está próximo de uma ruptura institucional?

Não existe uma ruptura a caminho, e o próprio presidente tem contribuído agora com a adoção de um discurso mais moderado. A respeito da aproximação das Forças Armadas, elas não têm esse viés. (O que deve ser reprovado) É essa evocação para gerar instabilidade, o que vem acontecendo por conta de algumas declarações dúbias por conta do Planalto.

Há realmente milícias armadas defendendo o governo?

Foi importante que esses temas tenham vindo à tona para que seja desestimulado esse discurso do ódio nas redes sociais. Nós temos no Brasil, hoje, uma polarização política nociva, tanto da extrema-direita, como da extrema-esquerda, e a rede social tem sido utilizada para disseminação dessas ameaças, notícias falsas, desse discurso de ódio. E isso não é bom para democracia.

Seria possível uma nova Lava Jato durante o governo Bolsonaro?

A agenda anticorrupção é uma política de Estado, e eu, sinceramente, hoje, tenho minhas dúvidas a respeito de a que nível estão garantidas as autonomias dos órgãos de controle. Inclusive a minha saída do governo foi exatamente para chamar a atenção desta questão, no caso específico, da Polícia Federal, mas houve a notícia, durante o governo, de interferências em outros órgãos.

De alguma forma, a Lava Jato foi responsável pela saída do PT do poder. A operação se sente responsável pela ascensão do presidente Bolsonaro?

De forma nenhuma. O que acontece foi que a Lava Jato descobriu um esquema de corrupção. Fala-se do PT, mas houve agentes relevantes do PMDB. Por exemplo, o Eduardo Cunha. Houve também agentes de outros partidos, como o PSDB, que também foram duramente atingidos nas investigações. A Lava Jato, veja, não tinha uma bandeira partidária. Ela fazia seu trabalho, e o Ministério Público, a polícia, o juiz, decidiam tudo com base nas provas.

Além dos militares, os filhos do presidente supostamente têm peso nas decisiões do presidente. Como se traduz essa influência?

Não tinha tanto contato com os filhos dele. Conheço, tive alguns momentos até de lazer com eles, mas eu não tinha tanto contato. Como em qualquer governo, existem grupos, vozes diferentes, que nem sempre convergem, e o presidente (...) às vezes ouve um grupo, às vezes dá preferência a outro. Isso faz parte da política de governar. O lado positivo foi ele ter adotado um discurso mais moderado, recentemente, que todos esperam que seja preservado pelo bem da estabilidade do país.

Existe o chamado "gabinete do ódio", supostamente dedicado a disseminar notícias falsas na internet e cuja liderança é atribuída ao vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ)?

Existe uma investigação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre isso (na quarta-feira, o Facebook retirou do ar páginas e perfis ligadas aos Bolsonaro). O que se pode dizer é que há indicativos de que há uma rede, um grupo na rede social que dissemina em massa ameaças, notícias falsas dirigidas mais vezes a favor do governo. Quem é o responsável por essa rede, se existe relação do Planalto com essa rede, está sob investigação. Então, mesmo eu, quando saí do governo, nos dias seguintes, recebi muita informação de notícias falsas que circulavam não só em veículos, como em Twitter, Facebook, igualmente no WhatsApp, que eram coisas, assim, absurdamente falsas, inventando fatos de caráter criminoso, que nunca foram cogitados anteriormente. Então, isso não é democracia, e isso já é indicativo de manipulação do debate público e passível de repressão sim.

O senhor acredita que o caso envolvendo Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro investigado por corrupção, pode acabar afetando o mandato do presidente?

É difícil fazer essa avaliação. O que entendo, considerando meu passado como juiz e ministro da Justiça, é que o melhor remédio é o combate à corrupção. Quanto mais rápido, melhor. Senão vão permanecendo as tentativas de varrer para debaixo do tapete.

Dado o capital moral que ganhou em função da Lava Jato, o senhor foi sondado por partidos políticos visando as eleições de 2022?

Acho que nosso foco tem que ser a pandemia, a economia, a retomada da agenda anticorrupção e outras agendas de reforma em 2020.

Qual futuro o senhor vê para o Brasil em 2022? Há alguém com força para enfrentar Bolsonaro?

O país tem uma democracia consolidada, e é importante falar com veículos e agências internacionais por conta disso, pois o Brasil tem uma imagem muito negativa. É certo que tivemos nossos problemas, mas o Brasil vinha avançando. Inclusive nesse aspecto, a própria operação Lava Jato foi muito elogiada internacionalmente. Era quase como um Plano Real contra a corrupção. Finalmente nós estávamos enfrentando esse grande mal que afetava nossa democracia, nossa economia. Nós precisamos retomar aquela visão do Brasil... não como um Brasil grande no sentido de alguma coisa imperial ou coisa assim, mas um Brasil que seja acolhedor para todos, um Brasil tolerante, um Brasil que avança com reformas.