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Dia da consciência e, infelizmente, também da paciência

Hoje é Dia da Consciência Negra, data importantíssima registrada na Constituição de um país que, não só escravizou africanos por séculos, mas fez de tudo para reescravizá-los.

A data relembra a luta dos que deram suas vidas pela liberdade e por direitos. É um momento de reafirmar o pioneirismo da cultura e da epistemologia africana. A cor da pele, o cabelo crespo, a trança nagô… tudo é motivo de orgulho.

Só que também é dia de muita paciência com pessoas e ações que visam cooptar a simbologia social e política da data.

É o tal do discurso e "boas ações" dos que só lembram que negro existe no dia 20 de novembro. É o convite ao intelectual negro para palestrar - e de graça.

É a escola que ignora a lei 10.639/2003 (que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas do Brasil), mas que aproveita a data para realizar uma única ação no ano para ficar bonita na foto.

Também o dia da pessoa não-negra, aquela que não se importa com os altos índices de jovens negros assassinados, escrever o textão nas redes sociais para relembrar da avó ou do bisavô negro.

Isso, sem falar dos que vão a público tentar explicar ao país como, para eles, o passado escravocrata precisa ser ignorado para dar lugar ao Brasil "sem cores", como se a divisão racial fosse algo inventado por negros. Sabemos que não é.

Infelizmente, o Brasil ainda é um país no qual a branquitude alimenta a ideia de democracia racial, apesar dos esforços de muitos ativistas e intelectuais negros para dar fim a esta falácia. Apesar dos dados que comprovam os reais impactos da desigualdade social, diretamente atrelada à desigualdade racial.

A consciência traz a reflexão sobre a paciência. Uma reflexão que tem mais perguntas do que respostas.

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Para muitos brasileiros negros, mesmo os politicamente racializados, hoje se torna o dia da paciência porque a revolta já é extremamente desgastante para quem passa os outros 364 dias do ano no modo sobrevivência.

Para alguns outros, há ainda a energia da resistência. Incansavelmente, e anualmente, se mobilizam e vão às ruas marchar e lembrar o legado de Zumbi e Dandara. É também este um processo educativo e importante.

Se por um lado temos a demarcação de uma data, fruto da luta social negra, para nos lembrar da importância da negritude; por outro vemos os passos lentos, mas muito lentos, de um ideal de democracia que se sonhava ter com o fim do sistema escravocrata.

A consciência é a motriz para muita coisa. Ela fornece sabedoria para entender o momento da revolta, até mesmo das pequenas revoltas e mobilizações que vão trilhando o caminho para algumas conquistas. Afinal, se não fosse a revolta, o sistema escravocrata ainda existiria ou não teríamos uma lei que pune o racismo.

Talvez, a chave para a igualdade esteja na dosagem de tudo. Um caldeirão de consciência, preenchido com revolta e pitadas de paciência. A consciência racial, vale dizer, para ambos os lados, para todas as camadas da sociedade.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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