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Zambelli mostra como racismo pode se camuflar na intenção das palavras

A intencionalidade é uma das características que dá poder às palavras. Como qualquer cristão sabe, a palavra tem poder. Enquanto se banaliza a intencionalidade considerando-a "mimimi", o país continua sendo aquele em que "todo mundo conhece uma pessoa racista", mas ninguém se considera tal.

Não se trata de não poder fazer uma "piada" com o "amigo negro". Não se trata de "não poder dizer mais nada hoje em dia". Trata-se de saber que uma palavra nunca é só uma palavra, sempre há intenções por trás dela - sejam boas ou negativas.

Quando se fala um palavrão, a depender da empolgação, entonação e "intencionalidade", ele pode ser interpretado de muitas formas. Uma mensagem de texto, por vezes, também gera muita treta quando não lida com a mesma intencionalidade de quem a escreveu.

Chamar a deputada federal Benedita da Silva de Chica da Silva pode soar como um elogio. Por que não? Afinal, Chica da Silva foi uma mulher negra, escravizada e alforriada que da sua forma burlou o sistema do país que tinha como único objetivo tirar a sua humanidade. De novo: tirar a sua humanidade.

Chica da Silva virou uma das mulheres mais poderosas das terras mineiras, em pleno século 18, e isso no país que escravizou mais de 4 milhões de africanos. Como não ver com bons olhos ser comparada a ela?

A intencionalidade é um dos pontos para se entender a questão. No vídeo criado por Zambelli para expor sua queixa sobre não poder discursar na primeira reunião de mulheres parlamentares dos países que integram o G-20, ela se mostra indignada pelo fato de Benedita da Silva ter sido a escolhida.

Detalhe: Benedita é atual coordenadora-geral da bancada feminina da Câmara dos Deputados. E não só: carrega consigo décadas de experiência política - ela chegou pela primeira vez no Congresso em 1986. Foi governadora do Rio de Janeiro.

Em tom que cada um pode julgar à sua maneira, no vídeo que circulou em suas redes sociais Zambelli coloca Benedita como "a Chica da Silva". E muita gente julgou sua intencionalidade como menosprezo e racismo.

Depois da repercussão, Zambelli disse nas redes sociais que confundiu o nome de Benedita. "Conforme já falamos e me desculpei pela confusão no nome, a Sra [Benedita] sabe que isso passa longe de querer lhe ofender, muito pelo contrário", escreveu. Já Benedita afirmou ao jornal O Globo que notificará judicialmente Zambelli pela fala.

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Outro ponto interessante para refletir é que é comum comparar pessoas negras a grandes personalidades negras. Parece que todo mundo é Pelé, Mussum, Chica da Silva... Isso quando não se enfatiza a narrativa de "sobrevivência", "superação" e até mesmo um certo "coitadismo" para todo negro. A narrativa já é tão embrenhada em tanta gente que elas acreditam que pessoas negras são todas iguais, têm as mesmas histórias de vida.

É o tal "perigo da história única", do qual a escritora Chimamanda Adichie já nos alertou tantas vezes. O fato é que pessoas negras são tão diversas e diferentes umas das outras quanto as possibilidades de corpos celestes no espaço. O que não significa que não existem semelhanças também, é claro. Afinal, é o que as alinha enquanto grupo.

Por último, vale lembrar que com todo o histórico de apagamento, desumanização e violência que o processo de escravização brasileiro impôs às pessoas negras, um movimento comum hoje é cada um reivindicar o seu lugar no mundo.

Benedita da Silva é Benedita da Silva. Não é preciso concordar em nada com ela, nem mesmo politicamente. O que interessa é que ela é uma mulher, mãe, avó, com sua história de derrotas e vitórias. É uma mulher negra que com seus mais de 80 anos se coloca enquanto uma parlamentar que trabalha pelo que acredita.

Reivindicar o direito de conhecer o passado diz muito mais sobre se reconhecer enquanto sujeito no mundo e sobre as possibilidades de encontrar outras narrativas sobre sua própria história. Hoje, a comunidade negra reivindica que negros e negras são descendentes de reis e rainhas africanas. Não é negar o passado de violência, mas se entender além dele.

Não à toa, hoje mulheres negras dizem de onde vêm, os nomes dos que vieram antes delas, e também nunca deixam de dizer seus nomes e sobrenomes.

Opinião

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