Artistas reinventam ideia de 'humor negro' nas redes
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"Humor negro" foi uma expressão usada por muito tempo para indicar uma comédia politicamente incorreta ou que ofende minorias. Hoje em dia, ao passo em que artistas e humoristas pretos e pardos se consolidam nas redes sociais, eles também reinventam o significado do uso do termo para que ele não carregue mais um sentido pejorativo.
Este tipo de reposicionamento não se presta a ofender o oposto, mas a reconstruir narrativas que até então eram contadas apenas do ponto de vista hegemônico. A ideia é provar que é possível satirizar com consciência e crítica sobre o cotidiano, a cultura, a religião, enfim, a existência do negro na sociedade.
Sinto que estou quebrando barreiras ao fazer comédia, abordando temas centrais como a dificuldade de ser mãe solo e mulher negra. Durante muito tempo, nossas presenças foram taxadas por estereótipos, mas agora acho que os artistas negros estão se posicionando de forma muito autêntica. Isso não é apenas uma forma de expressão artística, é uma transformação social
Niny Magalhães, comediante
A comediante Niny Magalhães esteve com outros humoristas negros como Maíra Azevedo, Sulivã Bispo, Jhordan Matheus e Evaldo Macarrão, no elenco da série "Humor Negro", dirigida pelo dramaturgo Rodrigo França e exibida no Multishow e Globoplay em 2023. Situada em Salvador, a trama retratou exatamente as experiências de artistas negros, tanto no palco quanto fora dele. Antes deste desdobramento, em 2022, a atração estreou como um pequeno especial de comédia nos canais.
Niny tem acumulado cada vez mais fãs - são pouco mais de 300 mil seguidores só no Instagram, número que cresceu expressivamente após sua participação na série televisiva. Ao lado dela na profissão, nomes como Thamirys Borsan, Yas Fiorelo, Bruna Braga e Tatá Mendonça (que se posiciona como a primeira mulher cega comediante).
Do malandro, bêbado e ladrão ao racismo recreativo
Segundo Ludmila Pereira, doutora em letras e linguística pela UFG (Universidade Federal de Goiás) e pesquisadora da trajetória de mulheres negras na comédia brasileira, essa presença nos palcos tem mexido em algumas estruturas.
"Elas eram as pessoas que estavam ali para servir. Então quando elas vão para o palco fazer arte, elas se posicionam enquanto protagonistas das próprias narrativas e as pessoas pagam para ouvir", diz. Para a pesquisadora, elas conseguem transmitir um humor que não enfatiza as opressões. "Elas vão para o palco falar de suas vivências e muitas vezes nem tocam na questão do racismo", complementa.
A pesquisadora também chama a atenção para "um perfil que pode falar tudo sem ter uma punição", normalmente associado a homens brancos. Nesses casos, o humor negro sempre serviu ao que é chamado de racismo recreativo, um tipo de discriminação que se caracteriza pela prática de um humor hostil e brincadeiras disfarçadas de ofensas, muito naturalizado anos atrás em estereótipos do negro como "malandro", "bêbado" ou "ladrão".
No Brasil, o racismo recreativo passou a ser considerado crime pela lei nº 14.532, de janeiro de 2023, que prevê pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multa. Neste caso, a prática é tipificada como injúria racial, que passou a ser enquadrada também como crime de racismo.
A possível leveza de ser negro no palco
Quem viveu assiduamente a internet nos últimos 10 anos também deve se lembrar de quando a atriz e comediante Maíra Azevedo viralizou como Tia Má. Com vídeos curtos, em sua maioria gravados dentro do carro e com óculos escuros, ela dava conselhos amorosos e falava de situações cotidianas - tudo a partir do seu ponto de partida: uma mulher negra no mundo.
Em 2018, ela se tornou a primeira mulher brasileira a lançar um especial de stand up na internet, o "Tia Má Com a Língua Solta". Hoje, tem mais de 1,6 milhões de seguidores no Instagram e atuou como atriz em algumas produções, como os filmes "Medida Provisória" e "Vale Night", e a série "Sem Filtro" da Netflix.
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O Núcleo de Diversidade do UOL traz reportagens e análises relacionadas à população negra. Toda terça.
Quero receberNo show "De cara com Tia Má", disponível no YouTube, Maíra faz piada com episódios de racismo em que pessoas negras são seguidas ao tentar fazer compras. "Sabe uma coisa que eu faço até hoje? Quando estou nessas lojas de departamento e eu vejo o segurança me seguindo, eu faço: 'bu! vou roubar não!'", conta ela, que arranca gargalhadas da plateia.
O ator e comediante Yuri Marçal fala sobre raça e candomblé em seus shows e vídeos desde 2016. Não no estilo depreciativo do "chuta que é macumba", mas como uma pessoa que nasceu em uma comunidade de terreiro - sua mãe é uma yalorixá, sacerdotisa da religião.
"Quando eu era criança eu não falava, morria de vergonha de dizer que era da macumba. Quando as pessoas perguntavam minha religião, eu dizia que era espírita. Espírita de que? De espírito mesmo. Espírito santo? É, tem santo... Mas não falava", conta Yuri em uma apresentação no Comedy Central.
Atualmente ele tem mais de 1 milhão de seguidores no Instagram e 410 mil inscritos no YouTube. Em 2022, ele estrelou o especial de comédia para a Netflix chamado "Ledo engano", que aborda assuntos como família, raça e religião, e faz referência a Xangô, orixá a quem ele é consagrado. "Eu sabia que precisava descobrir como tornar esses assuntos engraçados para um público mais amplo", diz a Nós Negros.
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PEGA A VISÃO
"O Ministério dos Direitos Humanos é dedicado a cuidar especialmente das pessoas mais vulneráveis no mundo social e a estimular a convivência na diversidade, implementar um plano de ação que tenha como premissa a valorização das potências, das populações, das periferias, favelas."
Macaé Evaristo
A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, tomou posse no Palácio do Planalto nesta sexta (27). Quase todas as ministras participaram do evento. Veja mais detalhes da cerimônia.
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NÓS NA SEMANA
As tretas das cotas - A Justiça paulista deu razão ao estudante Alison dos Santos Rodrigues, que se autodeclara pardo, e determinou que a USP o matricule no curso de medicina. Ele havia sido aprovado no sistema de cotas, mas depois barrado pela comissão de heteroidentificação. Entenda o caso.
Conexão musical - O encontro explosivo entre Olodum e BaianaSystem visto no Rock in Rio começou a ser gestado em Minas Gerais, lá em 2022. Os músicos conversaram com a turma de TOCA e explicaram como tudo aconteceu.
Cinema nacional - "Passagrana" é um filme brasileiro que estreou em 19 de dezembro, contando a história de quatro amigos que assaltam um banco sem que ninguém perceba, incluindo eles mesmos. O colunista Tony Marlon conta mais sobre esta história inusitada.
Tá todo mundo falando - Vítimas e amigos famosos: quem é quem no caso P. Diddy
Já conhece? Da comunidade do Mandela, em Manguinhos (RJ), Pedro Ottoni começou a fazer sucesso com vídeos engraçados nas redes sociais. Só no TikTok ele tem mais de 1,2 milhão de seguidores.
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AGENDA
Nas telinhas
A comédia romântica "O Dia Que Te Conheci" estreou nos cinemas nesta quinta (26). O longa traz dois protagonistas negros em lugares pouco explorados de Belo Horizonte e mostra o desenrolar de um romance marcado por acontecimentos do cotidiano.
Nos palcos
Bruno Mars traz 147 toneladas de equipamentos para shows no Brasil. Confira a agenda dos shows, que vão passar por São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba e Belo Horizonte.
Estreia em festa
O UOL já anunciou a chegada de TOCA, a sua nova plataforma de música. Agora, é a vez do público comemorar junto ao time de criadores, com uma festa de lançamento oficial, ao lado de um dos maiores artistas do país e seus compadres: Marcelo D2 e Um Punhado de Bamba. A festa acontece na Audio, em São Paulo, no dia 26 de outubro. Bora junto?
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DANDO A LETRA
Jeferson Tenório - Pablo Marçal tenta capitalizar em cima do ódio e pode se dar mal
Ronilso Pacheco - Netanyahu discursa apelando ao 'Israel Bíblico', guerreiro e messiânico
Cristiane Guterres - Chega de competir, gatas: 9 atitudes para normalizar em amizades femininas
Eduardo Carvalho - Apagar queimadas ou acabar com a fome? Eis a questão
André Santana - Marcha em Lisboa relembra luta pela independência africana e Amílcar Cabral
Emílio Ribeiro - Presença Histórica - Iphan reconhece tradição negra da Marujada como patrimônio do Brasil
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