ESTREIA-Michael Caine e Harvey Keitel sustentam trama existencial de "A Juventude"
SÃO PAULO (Reuters) - O cineasta italiano Paolo Sorrentino repete, em parte, o estilo elegante de “A Grande Beleza” (Oscar de melhor filme estrangeiro em 2014) em “A Juventude”, uma produção internacional com elenco idem, falada em inglês e que teve uma indicação ao Oscar de trilha sonora (David Lang).
Justiça seja feita: Sorrentino não tem medo da estilização nem do artifício – e nisso ele segue as pegadas de seu mestre assumido, Federico Fellini. Sorrentino não é Fellini, mas tem suas qualidades. Cria suas histórias com apego pela escritura, diálogos de efeito, grandes atores e um apuro visual extraordinário.
O filme estreia em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador, Vitória, Goiânia, Caetés (MG) e Barueri (SP).
Uma música intoxicante – mais uma vez, em boa parte, canto lírico, como se viu em “A Grande Beleza” - se derrama enquanto belas imagens caem como em cascata, revelando o cenário de um elegante hotel-spa suíço, no meio das montanhas, em que alguns hóspedes assumem o papel de cronistas de temas caros ao diretor: o sentido da vida, o peso da maturidade, a razão de ser da arte, a necessidade onipresente da beleza.
Há particularmente dois velhos amigos que falam sobre a vida, Fred Ballinger (Michael Caine) e Mick Boyle (Harvey Keitel). Espécie de protagonistas da história, ambos são muito teatrais, no bom sentido, como personagens de Samuel Beckett banhados de uma luz mais branda, embora a melancolia e a amargura se infiltrem naturalmente, já que ambos atingiram uma idade em que arrependimentos são inevitáveis e muito do que foi perdido não se pode mais reaver. Ainda assim, ironia não lhes falta.
Os outros personagens à sua volta vêm tocar outras notas e compor a sinfonia em torno destes dois condutores, já que um, Fred, é maestro, o outro cineasta, duas profissões em que se luta para exercer controle e até se brinca de Deus. Os principais são Jimmy Tree, ator que vem compor um novo papel (Paul Dano), Lena, a filha insegura de Fred (Rachel Weisz), e uma velha musa de Mick, a atriz Brenda Morel (Jane Fonda, num papel de exposição corajosa, que demonstra não só sua confiança em Sorrentino, como nos lembra da grande intérprete que é).
Neste cenário suntuoso e isolado, com um artificialismo reforçado não só pela decoração do hotel como pela aparição de vários coadjuvantes – uma escultural Miss Universo (Madalina Ghenea), um obeso Diego Maradona (Roly Serrano), um monge budista que procura levitar (Dorji Wangchuk) - , é fácil pensar num cenário de ópera, já que vários dramas estão estourando abaixo da superfície.
Fred, o maestro aposentado, remói suas culpas em relação à vida familiar, constantemente cobrado pela filha, que é sua assistente. Ela mesma tem um dilema a resolver quando, ao invés de partir com ela numa viagem longamente planejada, seu marido Julian (Ed Stoppard), que é filho de Mick, anuncia-lhe a separação e o caso com outra mulher.
Assediado por um insistente emissário da rainha britânica (Alex Macqueen), o maestro poderia facilmente voltar a conduzir em grande estilo. Mas recusa, já que o desejo da soberana é que ele comande a execução de suas obras mais conhecidas, as “Simple Songs” – e isto ele não admite, por motivos pessoais.
Bem diferente é a situação do amigo cineasta – que é sogro de Lena e fica numa saia justa quando o filho abandona a filha do melhor amigo. Tudo o que Mick mais quer é realizar um novo filme, projeto que depende fundamentalmente da participação de sua estrela de outras produções, Brenda Morel – que lhe prepara uma surpresa.
É nítido que Mick é o alterego de Sorrentino que, desta vez, assina sozinho o roteiro. Por isso, são deste personagem algumas das sequências mais saborosas, quando luta para elaborar um roteiro cercado de jovens colaboradores com ideias disparatadas e também quando, numa cena de sonho, revê todas as personagens femininas de sua obra inteira (outra referência a Fellini).
Por outro lado, são de Michael Caine as cenas mais pungentes, num exercício de enfrentamento com a culpa e a dor. Não é exagero dizer que se trata de um dos mais inspirados desempenhos na carreira deste incansável ator de 83 anos, que transita entre todos os gêneros, já estrelou diversos filmes ruins, mas sobreviveu a tudo com sua aura intocada. Por este trabalho, ele recebeu um European Film Award e o prêmio da Associação dos Críticos de Detroit.
De todo modo, a comparação com “A Grande Beleza” não favorece “A Juventude”, que é um filme menos orgânico e mais artificial, embora igualmente bem-produzido.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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