MP joga perdas da Eletrobras para Tesouro e consumidor; especialistas veem intervenção

Por Luciano Costa

SÃO PAULO (Reuters) - A Medida Provisória 706/15, que será apreciada na terça-feira pelo Senado, poderá jogar para o Tesouro Nacional e para os consumidores custos bilionários decorrentes de ineficiências e dívidas de distribuidoras de energia da Eletrobras e outras elétricas estatais da região Norte, alertaram especialistas.

Consultores e acadêmicos foram unânimes em considerar que o atual texto da MP invade a esfera de atribuições da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que tem criticado duramente as medidas por meio de seu diretor-geral Romeu Rufino.

A MP 706, que originalmente apenas estendia o prazo para que essas distribuidoras assinassem a renovação de contratos de concessão expirados em 2015, ganhou emendas parlamentares que aliviam exigências de ganhos de eficiência e de combate a perdas e furtos de energia para as empresas da região Norte.

Na prática, a medida deve elevar a receita das distribuidoras beneficiadas, além de permitir o uso de dinheiro do Tesouro para pagar dívidas dessas empresas com a Petrobras e a BR Distribuidora. O impacto aos cofres públicos ainda não foi detalhado, mas deverá ser bilionário.

Em formulário de referência divulgado nesta segunda-feira, a Petrobras estimou que "algumas subsidiárias" da Eletrobras fecharam 2015 com dívidas de 9,9 bilhões de reais junto à companhia e afirmou que as empresas estão "sem condições de honrar esse compromisso em sua totalidade".

Para o presidente do centro de estudos Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, o governo deveria buscar soluções para a difícil situação financeira dessas elétricas, como privatizações, ao invés de socorrê-las.

"A MP é um absurdo do absurdo, porque corrompe todo o processo de regulação definido pela Aneel... e privilegia a ineficiência, incompetência. Subsidia essa ineficiência com valores bilionários, transferindo riqueza para esse poço sem fundo que é a má gestão dessas empresas", disse.

Já o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ), Nivalde de Castro, acredita que o atual momento evidenciará um conflito entre duas diferentes visões no governo do presidente interino Michel Temer.

De um lado estaria uma posição mais alinhada com o mercado, defendida pelo Ministério da Fazenda, de "reduzir gastos e ter receita via vendas de ativos" de estatais, enquanto de outro haveria uma corrente favorável à salvação das empresas devido a "interesses político-partidários".

Segundo Castro, esse segundo grupo teria como um dos nomes o ex-ministro do Planejamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), interessado em "possivelmente, postergar a privatização" dessas distribuidoras.

Durante a tramitação da MP no Congresso, Jucá pediu a aprovação "urgente" do texto e disse que as empresas beneficiadas, entre as quais a estatal CERR, de Roraima, "padecem de extrema dificuldade".

Procurado, o Ministério de Minas e Energia disse que a MP "contou com debate entre os diversos segmentos envolvidos no assunto, incluindo representantes do setor privado".

A assessoria de Romero Jucá (PMDB-RR) não respondeu a pedidos de comentário. A Fazenda disse que não iria comentar.

Em seu primeiro discurso após assumir a pasta, há duas semanas, o ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho (PSB-PE) afirmou que pretende "respeitar a independência e a autonomia" de entidades do setor, como a Aneel. Ele também defendeu uma gestão "menos intervencionista".

CONTA BILIONÁRIA

A MP 706, que perderá a validade se não passar pelo Senado na terça-feira, autoriza a União a utilizar recursos arrecadados com bônus de outorga em leilões de usinas de energia para quitar dívidas das distribuidoras do Norte do país com a Petrobras.

Em novembro passado, um leilão de hidrelétricas obteve 17 bilhões de reais pelas outorgas das usinas, dos quais 6 bilhões deverão entrar nos cofres públicos em junho.

A MP também autoriza que essas concessionárias sejam integralmente reembolsadas por custos com a geração de energia térmica. Pela regulação, a tarifa definida Aneel só cobre gastos considerados "eficientes".

O texto ainda aumenta o repasse de subsídios a essas distribuidoras e diminui metas de redução das perdas de energia ao longo dos próximos 10 anos. As novas exigências serão iguais ao nível de perdas real das empresas em 2015.

"Estão dando um OK para a ineficiência de todos os últimos anos e jogando para o consumidor pagar", afirmou o sócio da consultoria LMDM, Diogo Mac Faria.

Recentemente, a Abradee, associação que representa investidores em distribuição de energia, afirmou que estuda um meio de pleitear junto ao governo que os benefícios da MP 706/15 sejam estendidos a todas concessionárias do segmento, por questão de isonomia.

Para Faria, isso mostra que a MP pode colocar "em risco todo esforço que a Aneel fez nos últimos anos para incentivar as distribuidoras a melhorarem sua gestão de perdas".

Por fim, a MP 706 ainda propõe que valores de um fundo que banca subsídios setoriais, a Reserva Global de Reversão (RGR) "retidos pela Eletrobras... deverão ser devolvidos à RGR até o ano de 2026".

No início do mês, a Aneel havia condenado a Eletrobras a devolver em até 90 dias à RGR valores "apropriados indevidamente" pela estatal entre 1998 e 2011, em um total de cerca de 2 bilhões de reais, que corrigido poderia alcançar cerca de 7 bilhões.

(Por Luciano Costa; reportagem adicional de Marcelo Teixeira; Edição de Gustavo Bonato)

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