Baixa qualidade de milho limita vendas em leilões, dizem fontes; Conab nega
-
Marizilda Cruppe/The New York Times
SÃO PAULO (Reuters) - Os mais recentes leilões de milho de estoques públicos, que segundo o Ministério da Agricultura serviriam como um termômetro do mercado, tiveram um baixo grau de interesse por problemas na qualidade dos lotes e não porque a demanda pelo grão estaria baixa, disseram agentes do mercado nesta terça-feira.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ofertou nesta terça 50 mil toneladas de milho em Mato Grosso, sendo que 52,4% não foram vendidos.
Em um leilão em 9 de agosto, 68% das 50 mil toneladas de milho não foram vendidas.
O detalhamento dos negócios publicado pela Conab mostra que a maior dificuldade está sendo vender lotes localizados em armazéns credenciados no município de Ipiranga do Norte, perto de Sinop, no norte de Mato Grosso. Ao todo, os leilões do governo ofertaram 31,7 mil toneladas de milho no município, com índice de sucesso de apenas 28%, o que afetou dramaticamente a média dos certames.
O gerente da unidade de uma trading internacional que opera na região disse à agência de notícias Reuters que uma pequena parte daquele milho de Ipiranga do Norte já havia sido vendida anteriormente, e o comprador recebeu um produto de baixa qualidade, com "alto índice de fermentação", o que torna o produto impróprio para a maior parte dos usos na ração animal.
"O pessoal, sabendo desse problema, nem teve interesse", disse ele sob condição de anonimato.
Todos os lotes que tiveram baixo interesse nos dois leilões, em diversos municípios de Mato Grosso, foram de grãos da safra 2012/13, portanto com cerca de três anos de idade, segundo os detalhes publicados pela Conab.
"O milho do leilão é muito ruim. Milho de péssima qualidade. É milho velho, com mais de 30% de ardidos (avariados pela umidade)", disse um executivo de compra de milho em uma grande indústria consumidora.
Em nota, a Conab respondeu que "de maneira alguma os criadores teriam prejuízo, pois a qualidade do produto é garantida no edital, ou seja, se por acaso ficar constatado que o produto a ser retirado está inferior ao definido em edital, a Conab oferece aos compradores a possibilidade de devolução do valor pago ou retirada do produto em outro local".
O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, tem reiterado que os leilões com pouca procura são um indicativo de que o mercado está equilibrado no Centro-Oeste, sem escassez efetiva do produto.
"Vendeu pouco (no leilão de 9 de agosto). Tem muito milho na mão de atravessador", disse Geller em um evento público na semana passada.
Integrantes do governo têm afirmado que os estoques de passagem da safra 2015/16 estão estimados em 5,8 milhões de toneladas, volume suficiente para mais de um mês de consumo interno, e que portanto não há indicações de escassez.
Os estoques públicos, entretanto, são relativamente baixos para as necessidades mensais do Brasil, de menos de 1 milhão de toneladas.
Mercado quer qualidade
Na opinião de agentes do mercado, se houvesse oferta de milho de boa qualidade nos últimos leilões, haveria grande interesse comprador.
"O ponto chave é a qualidade desse milho, que talvez não esteja em condições de uso. Só isso justificaria (a baixa procura) em função dos preços obviamente atrativos perante o mercado corrente", disse um analista de uma grande corretora de grãos de São Paulo.
O Brasil está finalizando a colheita da segunda safra da temporada 2015/16, mas os resultados, principalmente no Centro-Oeste, têm sido desanimadores em função de chuvas irregulares que afetaram produtividades.
A chamada safra de inverno de 2015/16, que abastece as exportações e a operação de muitas indústrias de aves e suínos, chegou a ser projetada em mais de 55 milhões de toneladas, mas agora é vista em 42,6 milhões de toneladas, segundo a Conab.
A quebra de mais de 10 milhões de toneladas fez os preços dispararem e os estoques praticamente sumirem em muitas regiões, levando produtores de aves e suínos e indústrias a clamarem por ações do governo para aliviar o mercado, como leilões de estoques e melhores condições para importações.
"É pouco milho disponível (da safra atual)", disse um segundo executivo de trading internacional na região de Sinop, revelando que os poucos lotes negociados têm girado perto de R$ 28 por saca. O milho ofertado nesta terça-feira naquela mesma região, e que não foi arrematado, foi oferecido pela Conab a R$ 24,45 por saca.
A Conab disse na nota que define os valores baseados na safra do produto em questão e outros custos de armazenagem.
"Somente em alguns casos, quando o produto está fora de tipo, a Conab oferece o deságio, o que não foi o caso de Ipiranga do Norte e de nenhum dos lotes nos referidos leilões", afirmou a companhia estatal.
A Conab disse ainda que fiscais fazem visitas técnicas periódicas aos armazéns com estoques públicos e que o município de Ipiranga do Norte que está na lista dos incluídos na próxima etapa de fiscalização.
Procurado, o Ministério da Agricultura não comentou imediatamente.