PERFIL-Presidente arredia à política, Dilma é cassada ao sucumbir a julgamento político

Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) - Em um ato derradeiro de apelo ao discursar no Senado durante o julgamento do impeachment, Dilma Rousseff afirmou que a cassação de seu mandato seria submetê-la a uma pena de morte política. As declarações emocionadas caíram em ouvidos surdos, insensíveis às palavras de quem, nos últimos seis anos, se mostrou pouco receptiva a ouvir os outros, embalada na sua certeza de estar fazendo o correto.

Dilma perdeu o mandato no segundo processo de impeachment que o Brasil enfrenta em 24 anos.

Eleita em 2010 embalada na onda da popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva --que saiu do governo com mais de 80 por cento de aprovação-- e com imagem de boa gestora, a presidente que enfrentou o Senado esta semana chegou a essa situação com o mandato corroído pela crise econômica, a perda da base política com quem nunca conseguiu lidar, e acusações de incompetência, até mais do que pela corrupção que chegou por vezes muito perto de seus auxiliares mais fiéis.

As acusações de ter cometido crime de responsabilidade, sempre disse, eram apenas um pretexto. Oposicionistas e ex-aliados, como o PMDB, reconhecem internamente que é verdade. Mas Dilma perdeu o mandato pelo “conjunto da obra”, diziam --a soma de todas as dificuldades causadas pela própria personalidade da presidente, somadas a erros econômicos e uma crise persistente.

“Tenho a consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade. As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em definitivo o meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política”, discursou a presidente no Senado.

Em frente aos senadores, se mostrou forte e altiva --e, por vezes, “Dilma demais”, a “mesma de sempre”, disseram os parlamentares, mas em uma versão capaz de se emocionar.

“Por duas vezes vi de perto a face da morte: quando fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos faziam duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida. E quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado a minha existência. Hoje, eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços”, disse, com voz embargada.

A dificuldade de comunicação da presidente era notória. Primeira mulher eleita presidente da República, Dilma deixou como marca o perfil centralizador e a aversão à política, que tentou vencer nos últimos meses, negociando cargos e recebendo parlamentares pessoalmente, em uma tentativa, fracassada, de salvar seu mandato.

RELAÇÃO DIFÍCIL

Alçada aos holofotes pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula daSilva graças à imagem de gestora competente e de "mãe" do entãoPrograma de Aceleração do Crescimento (PAC), Dilma nunca manteveboa relação com o Congresso.

A pouca paciência da petista com os meandros da política, terreno que seu antecessor dominou com maestria durante seus oito anos de governo, revelaram-se um desastre no dia a dia do governo e acabaram por ajudar a selar seu destino. “Não adianta, ela não gosta de política e não gosta depolíticos, muito menos da gente”, disse um senador não petistaque pertenceu à base aliada. “Possivelmente Lula não gostavatambém, mas ele fingia tão bem que a gente até acreditava.”

Nas semanas que antecederam o seu afastamento provisório do cargo em maio, Dilma deixou a política com seus auxiliares mais próximos --inclusive o ex-presidente Lula-- e foi para a batalha. Reuniu apoiadores, movimentos sociais, mulheres, estudantes e assumiu o discurso do “não vai ter golpe”, mas perdeu a batalha onde sempre teve dificuldades, no Congresso.

Nos últimos dias do seu governo, ainda no Planalto, mostrou certo abatimento, mas nunca deixou o discurso de luta de lado. No dia seguinte à aprovação da abertura de impeachment na Câmara, Dilma apareceu para fazer uma declaração à imprensa com os olhos vermelhos de quem pouco tinha dormido. Mas, quando questionada se o que estava passando era tão difícil quanto na ditadura, afirmou que não havia comparação possível.

Desde maio, Dilma transformou o Palácio do Alvorada, onde continuou morando, em um bunker de resistência. Recebeu movimentos sociais, deu mais entrevistas organizadas do que jamais havia feito, participou de eventos em várias partes do país, recebeu senadores inúmeras vezes, questionou cada medida do governo interino. Entrou em uma batalha pela história, mais do que pelo seu mandato.

CRISE E VICE

Dilma chegou ao julgamento no Senado sendo apontada como responsável pela situação desastrosa da economia, que seria sua especialidade, deixando para trás a fama de boa gestora da época da primeira eleição para a Presidência. Também contribuiu para isso o gigantesco escândalo de corrupção envolvendo a Petrobras, menina dos olhos da petista.

Quando as crises econômica e política começaram a corroer a base aliada no Congresso, e as acusações de corrupção se aproximaram perigosamente do Palácio do Planalto, a presidente demorou para cair na realidade. Armada com a certeza da própria honestidade, acreditava que não poderia ser atingida. Em um gesto para tentar melhorar a articulação política,pediu a seu vice-presidente Michel Temer que assumisse em 2015 anegociação com parlamentares que ela não conseguia fazer. Mas, conta um ex-ministro, tinha dificuldades de delegar eaceitar as negociações. Em um determinado momento, queixou-se que Temer “achava queera presidente” e passou a boicotar os esforços do vice. Deacordo com uma pessoa próxima a Temer --a quem agora Dilma chamade “golpista”-- o vice chegou a dizer que poderia ter sido umgrande aliado da presidente, mas ela não deixou. Ao falar aos senadores no julgamento do impeachment, Dilma lamentou a escolha do vice, que hoje ocupa sua cadeira no Palácio do Planalto.

“Foi escolhido para ser meu vice, porque supúnhamos que era integrante desse centro democrático progressista e transformador. Nós acreditávamos que ele representava o que havia de melhor no PMDB. Eu não sei quando isso começou a mudar, mas o certo é que começou a mudar", disse.

DE VOLTA A PORTO ALEGRE

Quem convive com a presidente, no entanto, dizia que Dilma estava mais tranquila. A tristeza pelo que via como uma injustiça ainda permanecia, mas a irritação com qualquer deslize dos auxiliares, antes comum, aparecia raramente.

“Ela está ótima. Não sei de onde tira essa disposição, mas até piada anda fazendo”, contou um dos auxiliares que continuaram a trabalhar com Dilma. Nos próximos dias, a primeira presidente mulher volta para uma rotina que não conhece há várias décadas, longe do poder pela primeira vez desde 1985, pelo menos provisoriamente, já que o Senado manteve seus direitos políticos e de exercer cargo público.

Prepara a mudança para Porto Alegre, onde morava quando de lá saiu para ser ministra de Minas e Energia do primeiro governo Lula, em 2003, surgindo para a política nacional.

Antes disso, havia sido secretária da mesma área no final do governo de Alceu Collares (PDT) no Rio Grande do Sul e no primeiro mandato do PT no governo do Estado, com Olívio Dutra --quando deixou o PDT, seu partido de origem, para aderir ao PT. Ganhou aí a fama de boa gestora, ao conseguir deixar o Estado fora do racionamento nacional de energia elétrica.

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