ENTREVISTA-Potencial do mercado de recuperação de crédito no Brasil é de R$300 bi, diz Recovery
Por Aluísio Alves
SÃO PAULO (Reuters) - O mercado de recuperação de crédito inadimplente no Brasil deve voltar a crescer nos próximos meses e só o setor bancário tem um estoque superior a 300 bilhões de reais, disse à Reuters Flávio Suchek, presidente da Recovery, líder do setor.
Segundo o executivo, fatores como o aumento da população bancarizada, que ampliou o acesso aos tomadores, e o atual ciclo prolongado de aumento dos calotes vão incentivar vendas de carteiras pelos bancos, os maiores vendedores de crédito vencido.
"O mercado só tende a crescer, diante do aumento da inadimplência e do amadurecimento do setor", disse o presidente da Recovery, empresa criada na Argentina, em entrevista à Reuters.
A recuperação de crédito floresceu rapidamente nos últimos anos no país, que enfrenta a maior recessão em quase um século, com reflexos no rápido aumento do desemprego, das recuperações judiciais e de falência de empresas.
De meados de 2010, quando a Recovery chegou ao país, esse mercado passou de algumas centenas de milhões para cerca de 25 bilhões de reais no ano passado, segundo estimativas de empresas do setor.
Com uma carteira de mais de 50 bilhões de reais em valor de face e cerca de 60 por cento do mercado, a Recovery tem dito que prevê triplicar seu portfólio nos próximos dois anos.
Esse impulso deve vir majoritariamente das carteiras vendidas pelo Itaú Unibanco, que no fim de 2015 comprou 89 por cento da Recovery, antes controlada pelo BTG Pactual, por cerca de 1,2 bilhão de reais.
"Naturalmente devemos ter transferência de carteiras do Itaú em condições de mercado", disse Suchek.
Segundo fontes do mercado, o Itaú Unibanco tem planos de vender à Recovery bilhões de reais em créditos vencidos, com uma primeira tranche de 5 bilhões já realizada no primeiro semestre. O executivo evitou mencionar números, mas admitiu que uma primeira operação com o Itaú aconteceu em maio.
Com base em números do Banco Central, Suchek calcula que só o mercado bancário no país produza todo ano algo em torno de 100 bilhões de reais em créditos vencidos, e uma parcela muito pequena desse montante é vendida ao mercado.
Para Suchek, no entanto, pelo menos dois fatores devem fazer essa realidade mudar nos próximos anos. A primeira é o perfil médio do tomador mais recente de crédito, de quem os bancos têm um volume maior de informações, o que facilita o acesso a ele.
Além disso, os bancos estão buscando alternativas para Basileia 3, acordo prudencial global que exigirá das instituições financeiras uma alocação de capital maior para operações mais arriscadas. A tendência, então, é que os bancos vendam parte das carteiras vencidas para aliviarem o peso dessas exigências. Basileia 3 entra em vigor integralmente no Brasil em 2019.
Para otimizar a recuperação de seus créditos vencidos, alguns bancos têm optado por ter uma estrutura própria para fazer o trabalho. Além do Itaú com a Recovery, o Banco do Brasil é dono da Ativos, também uma das maiores nesse mercado. O Bradesco tem dito que vai criar também a sua empresa de recuperação.
Esse movimento reflete, em parte, o temor dos bancos de que ao repassarem carteiras próprias, outras empresas, inclusive de concorrentes, conheçam dados de suas operações.
No caso da Recovery, o Itaú Unibanco manteve a companhia com uma estrutura segregada e independente. Entre outros motivos, porque o plano é que a Recovery siga operando com bancos como Santander Brasil e Banco Votorantim, como tem feito nos últimos anos.
Para Suchek, nem todos os maiores bancos devem ter uma empresa própria para o setor, porque a estrutura necessária para operar recuperação de crédito de forma competitiva leva tempo e investimentos.
Uma evidência dessa realidade, disse ele, foi a queda de cerca de 30 por cento do volume de crédito recuperado pelo setor no Brasil no primeiro semestre, ante mesma etapa de 2015, diante da recessão continuada no país.
"No caso da Recovery, essa queda foi de cerca de 10 por cento", disse Suchek, acrescentando que o desempenho refletiu em parte o uso de ferramentas que permitiram conhecer melhor o perfil dos devedores e apresentar-lhes planos alternativos para quitar débitos.
EFEITO CAIXA
Após ter girado volume recorde no ano passado, o mercado de créditos vencidos tende no Brasil a cair para algo entre 15 bilhões e 20 bilhões de reais em 2016 após os 25 bilhões de 2015, prevê Suchek.
Essa retração reflete em parte a ordem do Tribunal de Contas de União (TCU), no primeiro semestre, para a Caixa Econômica Federal suspender as vendas de carteiras com atraso, até que o banco estatal explique e corrija irregularidades apontadas pelo órgão.
Só no ano passado, a Caixa vendeu 13 bilhões de reais em crédito vencido, mais de metade do mercado no período. Mais cedo este mês a Reuters publicou, com informações de fontes, que a Caixa só deve voltar a vender carteiras em atraso em 2017.
No entanto, o executivo da Recovery avalia que a inadimplência do sistema ainda em ascensão deve criar grande potencial de negócios por alguns anos.
"O ciclo de piora da inadimplência deve encontrar um fundo entre o final desse ano e início do próximo ano", disse Suchek. "Mas nos próximos anos o mercado deve continuar recebendo boa parte das carteiras vencidas."