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Apoiadores veem traição de Bolsonaro e aliados tentam vender que Declaração à Nação foi estratégia

Lisandra Paraguassu

Em Brasília

10/09/2021 12h55

No final da tarde de ontem, depois da divulgação da Declaração à Nação em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) recuou dos ataques ao Judiciário, a palavra "decepção" passou a ser uma das mais citadas no Twitter, parte da reação de grupos bolsonaristas que viram na ação uma traição do presidente.

De anônimos em grupos de mensagens e no Twitter a deputados federais da base bolsonarista mais radical, as reclamações vieram às milhares, com acusações de traição, decepção por terem ido às manifestações e chamando Bolsonaro de "frouxo".

"Eu acreditei... eu fui nas diversas manifestações, eu perdi amigos, família, dediquei horas do meu dia, como muitos aqui, e depois da maior manifestação popular a favor do presidente vem uma nota de desculpa... é de chorar...", escreveu uma apoiadora em resposta à nota divulgada por Bolsonaro.

Em grupos no Telegram, uma apoiadora reclamava que o "presidente ficou de joelhos", enquanto outros renegavam a ideia de que seria "uma estratégia" de Bolsonaro enquanto apoiadores estavam sendo presos.

Durante a tradicional live de quinta-feira, pela primeira vez, a quantidade de críticas de apoiadores se multiplicou.

Mesmo entre parlamentares bolsonaristas a Declaração à Nação não pegou bem. Mais contida, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) disse que ficou "frustrada", mas que tem certeza que "o tempo dirá que o presidente estava certo".

Já Otoni de Paula (PSL-RJ), um dos maiores insufladores dos atos do 7 de Setembro e que exatamente por isso está sendo investigado por atos antidemocráticos, mostrou toda sua ira em um discurso na Câmara.

"O povo foi para a rua gritar. E infelizmente os conselheiros do presidente o tornaram pequeno. Leão que não ruge vira gatinho. Lamento presidente, o senhor ficou pequeno", criticou Otoni.

Na nota divulgada no final da tarde de quarta-feira, Bolsonaro, apesar de não pedir desculpas pelos ataques, elogiou o ministro do STF Alexandre de Moraes —seu principal alvo nas últimas semanas e na terça-feira— e disse não ter tido intenção de atacar instituições.

"Na vida pública, as pessoas que exercem o poder não têm o direito de 'esticar a corda', a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia", disse Bolsonaro, na declaração, depois de ter afirmado dia 7 que não acataria mais decisões de Moraes.

"Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum", acrescentou.

Em suas redes, os filhos do presidente Eduardo e Flávio, deputado e senador, tentaram vender a ideia de que "o capitão sabe o que faz".

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, um dos principais auxiliares de Bolsonaro, usou suas redes sociais na mesma linha.

"No passado, vimos muitos virarem as costas para @jairbolsonaro em defesa de supostos "heróis". O tempo trouxe a verdade! Tenham paciência, pois, mais uma vez, o tempo irá consolidar a verdade!", escreveu.

Nesta sexta-feira, as redes bolsonaristas reagiram com um pouco mais de bom humor a essa versão de que a nota da véspera era uma "estratégia" de Bolsonaro para voltar mais forte, e o argumento passou a ganhar um pouco mais de tração.

Riscos

Ao acertar a declaração com o ex-presidente Michel Temer, Bolsonaro tentou debelar a crise institucional despertada por suas palavras nos discursos do 7 de Setembro e que, com o início da paralisação de caminhoneiros pelo país, passou a ameaçar concretamente sua permanência no cargo.

No entanto, com a aposta em uma tentativa de diminuir o tom, mesmo que temporariamente, o presidente alienou parte da sua base que apostou todas as suas fichas nos atos de terça-feira, mesmo sem saber o que esperar para o dia seguinte.

O cientista político Luiz Alexandre Souza da Costa, militar da reserva, avalia que o presidente tenta ganhar tempo dada a movimentação dos setores políticos depois de seus discursos e a reação econômica. No entanto, aposta em um retorno ao radicalismo ao prever a perspectiva de uma derrota eleitoral.

"Caso ano que vem (Bolsonaro) tenha a certeza de uma derrota, acredito que vá, definitivamente, sem voltas, partir para o tudo ou nada. Até porque, certamente, os serviços de inteligência levaram a ele o tamanho do movimento dos policiais e militares no 7 de Setembro a seu favor", disse à Reuters.

"Bolsonaro é perigoso e não se pode pensar que o que ele faz é blefe ou lorota de um político inconsequente. Ele representa um risco real à democracia."

O consultor político e CEO da Dharma Politics, Creomar de Souza, não vê a declaração que incomodou os bolsonaristas nem mesmo como um recuo.

"Você recua quando pede desculpas pelo dito. Ele não fez isso", ressaltou.

"Bolsonaro aposta do cansaço e nos desgaste dos outros atores políticos. Enquanto todos estão ansiosos e até imploram por diálogo, para ele, o confronto é o que mais interessa", acrescentou.