"Não coloco os pés enquanto ele estiver no poder": turistas desistem de ir ao Brasil após eleição de Bolsonaro
No dia seguinte à eleição de Jair Bolsonaro, vários franceses fizeram uso da mesma plataforma que levou o candidato do PSL à presidência do Brasil: eles invadiram o WhatsApp, só que de mensagens de preocupação e de tristeza a seus amigos brasileiros. Muitos deles não entendiam como o povo do "país do carnaval e da festa" foi guiado por um discurso machista, homofóbico e racista – um discurso de ódio. A RFI entrevistou estrangeiros que já conhecem ou que tinham interesse de visitar o Brasil pela primeira vez mas que, diante do atual cenário, desistiram de fazer uma viagem ao país.
De acordo com dados do Banco Central e publicados pelo ministério do Turismo, os estrangeiros que foram ao Brasil em agosto de 2018 gastaram US$ 482 milhões, 6% acima do valor do ano anterior, que foi de US$ 455 milhões. O ganho nos primeiros oito meses, por sua vez, girou em torno de US$ 4,13 bilhões, um crescimento de 4,7% em relação ao mesmo período de 2017. Mas se depender de turistas como a francesa Corinne Moutout, os lucros nessa área, a partir de agora, só vão diminuir.
"Jurei para mim mesma que não colocaria os pés enquanto esse cara estiver no poder", disse categoricamente Corinne Moutout, que afirma ter uma forte ligação com o país. “Visitei o Brasil quando dei a volta ao mundo e fiquei apaixonada. Tanto que, quando voltei à Paris, decidi aprender o português e tinha vontade de me mudar para lá. Desde então, devo ter voltado pelo menos uma vez por ano, cinco vezes no total”, conta.
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“Minha opinião é parcial, porque tenho uma relação de paixão com o Brasil. É mais do que alguém que planeja suas férias e muda de ideia por causa de Bolsonaro. O que tenho a dizer é que estou decepcionada que uma maioria tenha votado por um fascista”, declara Corinne. “Eu sei, por ter vivido anos na África, que existem países demais vivendo sob uma ditadura que não escolheram e agora temos uma maioria de brasileiros que escolhe para si uma ditadura. É insuportável”, diz.
Corinne explica que o sentimento é de que, após todas suas visitas, há toda uma face do Brasil que ela ignorou. “Para mim, no país que eu conheço e que eu amo, era inimaginável que os brasileiros pudessem fazer uma escolha dessas. Por essa razão, não posso mais planejar uma viagem ao Brasil. Da mesma forma que não posso colocar os pés nos Estados Unidos de [Donald] Trump. Para mim, não é possível”.
"Não darei dinheiro a governo autoritário"
A atitude de Corinne Moutout, que faz oposição a governos que vão contra seus ideais democráticos, é a mesma de Marc Luc, parisiense que não conhece o Brasil, mas que tinha planos de visitá-lo no futuro. “Sou alguém bastante engajado, temos todos nossos próprios valores e o novo governo brasileiro não tem nada daquilo em que eu acredito. A forma como ocorreu a campanha eleitoral, como Lula não pôde se apresentar... Tudo isso mostra que o novo governo não compartilha de meus ideais. Nem na questão do autoritarismo, nem na repressão de minorias, numa política que não é nem aberta, nem progressista. Não tenho vontade de fazer turismo e dar dinheiro a um Estado que vai aplicar esses valores”, diz.
“Eu tinha uma imagem festiva do Brasil, que deve ser bastante parcial e que não representa a realidade do país, que é grande e complexo. Mas eu pensava que era um país receptivo e onde a vida era agradável e a eleição de Bolsonaro simboliza mais um fechamento dentro de si mesmo do que uma abertura para o exterior. E isso não dá vontade de visitar”, explica Marc Luc.
O francês afirma que o discurso agressivo de Bolsonaro não vai influenciar na escolha de todos os turistas, que querem apenas ver as praias e a vasta natureza do país, mas que isso deveria ser levado em conta na escolha de uma destinação. “Para mim isso é muito importante. Tudo isso dá a impressão de um país onde o contexto social não é calmo. E se eu tiver que enfrentar a polícia, ou a justiça, porque houve uma agressão, eu não seria muito bem ouvido ou levado em consideração [pelas forças de ordem]”.
O brasileiro Tiago*, que mora na França há vários anos, planejava ir festejar o carnaval em Recife em 2019 e matar a saudade, mas mudou de ideia após a eleição presidencial. “Estou muito desgostoso com o resultado, com uma parte de minha família. É uma mistura de raiva, angústia, medo e frustração que tomou conta. Não estou com vontade de ir ao Brasil”, lamenta.
Africanos se dizem decepcionados com o país “modelo”
Joel Oliveira, cabo-verdiano que mora em Lisboa, planejava ir ao Brasil em janeiro de 2019, passando por São Paulo, Rio de Janeiro, até Belém, terra natal de um amigo brasileiro. “Mas o pai dele disse para a gente não ir, disse que não está bom lá...”, declara. “Desisti porque, em primeiro lugar, temia que a violência aumentasse. Desde que ele foi eleito, já foram efetuados vários ataques em seu nome, e isso não vai mudar do dia para a noite, após todo o discurso de ódio”.
Ele afirma que apenas o fato da violência, uma realidade que perdura há anos no Brasil, não seria motivo o suficiente para desencorajá-lo de visitar o país. Mas o clima após as eleições e, sobretudo, a vitória de um candidato cujas ideias não agradam a Joel, fizeram com que ele deixasse de lado a viagem planejada. “Não entrava em minha cabeça como as pessoas podiam votar em Bolsonaro. Não sei como alguém como ele chegou ao poder num país como o Brasil. Entendo que as pessoas estejam cansadas, querem novas medidas, mas não é assim que se faz”, diz. “Ainda bem que não comprei as passagens”.
Carla Pereira, que também é de Cabo Verde, mas mora em Lille, no norte da França, já visitou o Brasil em 2013 e passou três semanas viajando por diversos estados. Ela disse que ficou espantada com a eleição de Bolsonaro. “No meu país, o PT não é mal visto, com todas as bolsas criadas e com a evolução das classes mais baixas. Então não esperava nem que Bolsonaro fosse passar para o segundo turno”, explica.
A situação do Brasil, no entanto, não é diferente de diversos países, como os Estados Unidos, a Polônia ou a Hungria, de acordo com Alexandra. “As pessoas precisam ter uma certa segurança e, infelizmente, criam esse sentimento nacionalista, que faz com que elas cometam erros. Não sei ainda o quão dramático será a eleição de Bolsonaro. Será como Trump? Ou será algo bom? Não sei, mas fiquei triste, e não me dá vontade de retornar ao Brasil. Se o país antes já não era muito seguro, com os últimos eventos, não dá vontade de voltar e me dá muita pena porque, para mim, o Brasil é um país muito bonito”.
Resistência turística
No entanto, alguns estrangeiros contatados pela RFI afirmaram que a eleição de Bolsonaro não deve ser vista de forma tão radical. “Não acho que seria uma boa ideia boicotar um país quando ele está ‘na merda’, então acho que se tivesse a oportunidade, iria assim mesmo. Mesmo que seja só para ver meus amigos que vivem lá e que estão desesperados”, declara o francês Karl Testevuide, que mora em Paris.
A italiana Elena Menegaldo, que também vive na capital francesa, tem a mesma opinião. “Ficaria um pouco apreensiva, mas isso não me impediria de visitar o país”. Já a marroquina Yousra diz que vai “esperar para ver”. “Quero ir ao Brasil e no momento ainda não me senti desencorajada. Mas se ele de fato fizer tudo o que disse durante a campanha, sobretudo as medidas sociais, claro que não vou querer ir”, afirma.
*O nome foi modificado a pedido do entrevistado.
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