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Jornal francês diz que obsessão de Bolsonaro pela economia é 'aposta maluca' em meio à covid-19

20.mar.2020 - De máscara, presidente Jair Bolsonaro participa de videoconferência com empresários - Isac Nóbrega/PR
20.mar.2020 - De máscara, presidente Jair Bolsonaro participa de videoconferência com empresários Imagem: Isac Nóbrega/PR

12/04/2020 05h52

A insistência do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em menosprezar a gravidade da pandemia do novo coronavírus, multiplicando os apelos para que os brasileiros abandonem as medidas de distanciamento social e voltem ao trabalho, ganha reportagem de meia página no "Journal du Dimanche" (JDD), semanário que circula aos domingos na França.

Para a edição do JDD neste domingo de Páscoa (12), não há dúvida: Bolsonaro faz "uma aposta maluca" ao focalizar toda a sua atenção na economia.

"Quando os mortos começarem a acumular, ele será apontado como o único responsável", afirma o brasilianista Frédéric Louault, da Universidade Livre de Bruxelas, ouvido pela reportagem.

O JDD mostra os esforços feitos pela maioria dos prefeitos e governadores brasileiros, particularmente os dirigentes de São Paulo, para ilustrar o quanto Bolsonaro se isolou nesta crise.

"Aos 40 anos, o Prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), enfraquecido por um câncer gravíssimo na cárdia, (...) que a quimioterapia não consegue erradicar, instalou uma cama em seu gabinete para continuar coordenando os esforços contra a epidemia", descreve o JDD. "Ele sabe que não sobreviveria se contraísse a covid-19", assinala o texto.

No estado de São Paulo, o mais populoso do país com 46 milhões de habitantes, o combate contra o coronavírus é terrível, prossegue o JDD. A região mais rica do Brasil já acumula a metade das mortes e dos doentes no país.

O governador do estado e o prefeito Bruno Covas começaram a preparar um plano de emergência desde janeiro, reforçando as equipes médicas, elaborando o plano de distanciamento social decretado na segunda quinzena de março, construindo dois hospitais de campanha de 2.000 leitos cada um, entre outras medidas para atenuar a crise sanitária. S

e o confinamento não fosse respeitado, em seis meses o estado teria 110 mil mortes, calcula o Instituto de Pesquisa Biomédica Butantan; 277 mil, caso nenhuma medida fosse tomada.

Mais leitos de UTI do que a França

No papel, o Brasil não figura entre os países mais despreparados para enfrentar a epidemia. Frédéric Louault assinala que o sistema público de saúde brasileiro é um dos melhores da América Latina. "No Rio de Janeiro, é o crime organizado, o Comando Vermelho, que organiza o confinamento nas favelas", observa.

Uma fonte europeia, que permanece anônima na matéria, destaca que o Brasil tem mais leitos per capta de UTI do que a França. Apesar disso, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, antecipou um déficit de pessoal médico e de leitos na fase aguda da epidemia. No Amazonas, os hospitais já estão saturados.

As evidências sobre a gravidade do coronavírus levaram governos no mundo inteiro a posicionar a saúde das populações como uma prioridade absoluta. Mas Bolsonaro passa os dias a incitar os brasileiros a voltar ao trabalho.

A maior preocupação, hoje, são os 38 milhões de trabalhadores que sobrevivem com o comércio informal —41% dos ativos no país. "Esta situação assinala a extrema fragilidade do Brasil diante da epidemia", indica o JDD. A única obsessão do presidente é evitar o desmoronamento da economia.

Bolsonaro passou a semana passada envolvido na queda de braço com o ministro Mandetta, mas sai da disputa com a credibilidade ainda mais arranhada.

"A maioria dos governadores e congressistas já deram às costas ao presidente. (...) Ultimamente, até o Exército, coluna vertebral do poder, se distanciou", ressalta o correspondente Antoine Malo.

Cada vez mais isolado, Bolsonaro se volta aos evangélicos, praticamente sua última base de apoio. A ponto de propor um jejum nacional para conjurar o vírus, reporta incrédulo o JDD.

Tempos sombrios são sempre propícios ao aparecimento de heróis nacionais. Atualmente, quem encarna este papel no Brasil é o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, constata o semanário francês.