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Críticas à OMS por gestão contra o coronavírus se multiplicam na França

Pequim "fecha as portas" por medo de novo surto de coronavírus - STR/AFP
Pequim 'fecha as portas' por medo de novo surto de coronavírus Imagem: STR/AFP

14/04/2020 13h15

"A guerra contra o coronavírus provocou sua primeira vítima colateral?", se pergunta nesta terça-feira (14) Le Monde. Assim como outros jornais franceses, o diário publica uma matéria analisando as críticas que se multiplicam contra a Organização Mundial da Saúde (OMS) e seu diretor-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, acusados de terem demorado a agir para evitar a propagação global do coronavírus.

A ação da OMS, que publica diariamente dados e alertas sobre a pandemia de coronavírus, não consegue conter as críticas contra a organização. Desde o início do surgimento da Covid-19, ela é acusada de ter se alinhado a China, de ter elogiado as medidas das autoridades de Pequim contra a doença e de ter demorado a dar o alerta mundial sobre o perigo do novo coronavírus.

Fotomontagens do diretor-geral da OMS, com os olhos vendados por uma bandeira chinesa e com uma coleira, sendo conduzido pelo presidente Xi Jinping, viralizaram nas redes sociais. Tedros Adhanom Ghebreyesus, que é de origem etíope, foi alvo de ataques racistas e denunciou que foi, inclusive, ameaçado de morte.

Um abaixo-assinado, lançado na internet no início de fevereiro, pede a sua demissão. A iniciativa já recolheu o apoio de 872.000 pessoas. Um texto a favor do Dr. Tedros obteve até agora dez vezes menos assinaturas. Uma outra petição na internet solicita que a OMS "diga a verdade" sobre a Covid-19.

Ataques de Trump

Os ataques contra a gestão da agência da ONU se intensificaram após um tuíte do presidente americano de 7 de abril. Na mensagem, Donald Trump acusa a OMS de ter "se enganado completamente". A organização só reconheceu que o vírus era transmissível entre humanos em 22 de janeiro, um mês depois do surgimento da doença em Wuhan, e só considerou a doença uma ameaça para o mundo em 11 de fevereiro. A demora teria contribuído para transformar a epidemia chinesa em uma pandemia, com quase 2 milhões de casos confirmados em todo o mundo e mais de 110.000 mortos, sendo mais de 22.000 nos Estados Unidos.

Trump, que não perde uma oportunidade para criticar as organizações multilaterais, ameaçou suspender a colaboração financeira americana à OMS. O analista Richard Gowan, do grupo International Crisis, entrevistado pelo Le Monde, avalia que o presidente tenta ganhar pontos na corrida eleitoral americana. "Os democratas acusam Trump de ter fracassado na crise da Covid-19 e o presidente tenta transferir a culpa para o Dr. Tedros", afirma Gowan.

Dois senadores republicanos, Ted Cruz et Marco Rubio, exigem a demissão do diretor-geral da OMS.

A ONU publicou uma mensagem de apoio à OMS e o Dr. Tedros pediu "uma quarentena das tentativas de politização da Covid-19", que só agravariam a crise.

Crise de confiança

Esta não é nem a primeira crise sanitária nem a primeira crise de confinaça da OMS, que foi criada em 1948. Ela é integrada hoje por 194 países. A organização não tem poder de coerção sobre os países que se recusam a cooperar. Esse limite é ainda mais evidente quando se trata de um regime autoritário, como a China, lembra Le Monde. Uma ex-diretora da OMS, Marie-Paule Kieny, pede nas páginas do jornal o fim de análises ingênuas. "Os países integrantes da OMS querem que ela continue fraca pois a saúde é um tema essencialmente político e uma prerrogativa nacional", salienta a virologista que deixou a OMS em 2017.

A organização, responsável pela coordenação internacional de epidemias, não tem poder de sanção. "É como se criticássemos um maestro, a quem não demos uma batuta, de dirigir mal uma orquestra", compara Antoine Flahault, epidemiologista e diretor do Instituto de Saúde Global.

Por enquanto, é difícil saber o resultado dessa crise de confiança. Na sede da OMS em Genebra, as autoridades garantem que os erros e seus responsáveis serão apontados após a pandemia. Mas mais uma vez, o novo coronavírus veio revelar a fragilidade da organização. "Esta crise mostra que no mundo interdependente em que vivemos, a saúde é um desafio global e que é necessário reforçar o papel de coordenação da OMS. Essa é a lição que deveriam tirar os países membros. Uma OMS enfraquecida será ainda mais inapta a enfrentar futuras pandemias", propõe no Le Monde Suerie Moon, coordenadora do Centro de Saúde Global do Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento.