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Argentina tenta aprovar legalização do aborto com projeto de apoio para quem decide ser mãe

Mulheres fazem manifestação na Argentina pró-aborto - Luciana Taddeo
Mulheres fazem manifestação na Argentina pró-aborto Imagem: Luciana Taddeo

RFI

18/11/2020 04h44

Numa estratégia para manter o equilíbrio no debate de um assunto que divide o país, o presidente argentino, Alberto Fernández, enviou ao Parlamento o projeto de legalização do aborto para quem decidir interromper a gravidez junto com outro projeto de assistência sanitária e financeira para quem desejar mas não tiver recursos para continuar com a gravidez. A Igreja já organiza uma marcha contra a legalização e conta com outro argentino aliado: o Papa Francisco.

Numa estratégia para manter o equilíbrio no debate de um assunto que divide o país, o presidente argentino, Alberto Fernández, enviou ao Parlamento o projeto de legalização do aborto para quem decidir interromper a gravidez junto com outro projeto de assistência sanitária e financeira para quem desejar mas não tiver recursos para continuar com a gravidez. A Igreja já organiza uma marcha contra a legalização e conta com outro argentino aliado: o Papa Francisco.

A estratégia de apresentar os dois projetos juntos visa equilibrar o anúncio de um projeto pelo aborto com outro a favor da vida. Ao mesmo tempo, procura desarticular um dos argumentos contrários ao aborto que aponta às mulheres de baixos recursos financeiros que se veem inclinadas a abortar por não terem condições de manter um filho.

"São dois projetos de lei para que as mulheres tenham direito à saúde integral. O primeiro deles legaliza a interrupção voluntária da gravidez. O segundo cria o programa dos 'mil dias' com o objetivo de fortalecer o atendimento integral da saúde da durante a gravidez e nos primeiros anos de vida", explicou o presidente Alberto Fernández em um vídeo difundido pelas redes sociais no qual aparece de gravata verde, cor do movimento feminista pelo aborto legal, seguro e gratuito.

"A minha convicção é de que o Estado acompanhe todas as gestantes no seu projeto de maternidade, mas também que se responsabilize por cuidar da vida e da saúde das que decidirem interromper a sua gravidez", ponderou Fernández.

Paridade de forças no Congresso e nas ruas

Pesquisas de opinião recentes indicam que a sociedade argentina está dividida em partes iguais quanto ao assunto. Esse equilíbrio se reflete no Congresso. Na Câmara de Deputados, a balança se inclina, por pouca margem, a favor do aborto. No Senado, a paridade de forças é maior com leve tendência à rejeição do aborto, apesar de uma maioria governista.

É o mesmo retrato de 2018, quando grandes marchas feministas encheram as ruas da Argentina ao longo de semanas. Naquele ano, a legalização foi aprovada pelos deputados, mas rejeitada pelos senadores.

Por esse motivo, o debate que começa agora pela Câmara de Deputados pretende aprovar o projeto nesta casa em dezembro, para só depois avançar para o Senado sob as pressões da militância nas ruas e do governo no Parlamento para aprovação da lei que permitiria a interrupção da gravidez até a 14.ª semana de gestação, inclusive.

Do outro lado, os grupos pró-vida prometem lutar contra a legalização. Diversas ONG e grupos religiosos já organizam uma grande manifestação em oposição para o próximo dia 28.

O projeto

Na Argentina, a atual lei de 1921 só permite o aborto em caso de estupro ou em casos nos quais a mãe corre risco de vida.

O novo projeto prevê que, após a solicitação do aborto, a intervenção deva acontecer em até dez dias. As menores de 13 anos de idade deverão estar acompanhadas de um adulto ou de um representante legal. Não há a necessidade de aprovação do pai ou do padrasto, contemplando os casos de estupro intra-familiar.

As adolescentes entre 13 e 16 anos podem decidir o tipo de prática abortiva que preferem. O projeto interpreta as maiores de 16 anos como adultas.

"A criminalização do aborto não serviu de nada, a não ser que os abortos aconteçam clandestinamente em cifras preocupantes. A cada ano, são hospitalizadas cerca de 38 mil mulheres devido a abortos mal praticados e 3 mil morreram desde 1983", indicou Alberto Fernández, acrescentando que "esses abortos inseguros, muitas vezes, afetam as capacidades reprodutivas das mulheres".

Nesse ponto, os contrários ao aborto defendem que as duas vidas devem ser salvas: tanto a da mulher quanto a do feto.

Contra-argumentos

O presidente afirmou que a legalização "não aumenta a quantidade de abortos nem os promove", mas que "resolve um problema que afeta a saúde pública" além de "diminuir as mortes que os abortos geram". Também defendeu que a legalização não vai implicar uma carga extra ao sistema de saúde porque "a maioria dos procedimentos são ambulatórios; não cirúrgicos".

"O debate não é sim ou não ao aborto porque acontecem de forma clandestina e põem em risco a vida e a saúde das mulheres que a eles submetem-se. O dilema é entre a clandestinidade e o sistema de saúde argentino", apontou numa tentativa de reorientar o debate.

No dia 22 de outubro, a Conferência Episcopal Argentina criticou o iminente debate parlamentar do aborto. "Não cuidar de todas as vidas seria uma falta gravíssima do Estado", disseram, em nota, os bispos argentinos para quem o debate é "insustentável e inoportuno".

Mil dias e o Papa

As mulheres mais vulneráveis são as que estão na pobreza por não poderem pagar um aborto ilegal, arriscando-se a práticas inseguras. Por isso, Alberto Fernández anunciou ainda o programa dos "mil dias" para dar assistência às mulheres de baixos recursos que decidirem continuar com a gravidez.

O programa estipula novas ajudas econômicas e amplia as já existentes durante mil dias (nove meses de gestação mais os dois primeiros anos de vida).

"O programa dos 'mil dias' visa diminuir a mortalidade, a desnutrição e a má nutrição, além de prevenir a violência, protegendo os vínculos, o desenvolvimento emocional e o físico", afirmou Fernández.

O programa é também um sinal ao Papa Francisco que se opõe à legalização embora seja simpatizante do governo peronista de Alberto Fernández.

Outro sinal é a incorporação ao projeto da chamada "objeção de consciência" que permite aos médicos e pessoal de saúde em geral rejeitarem um procedimento abortivo que entre choque com as suas crenças religiosas.

No entanto, o texto do projeto põe limites a essa negativa. O médico deverá encaminhar a paciente imediatamente a outro profissional. Caso haja risco de vida ou necessidade de atendimento imediato, a objeção de consciência não poderá ser alegada. E, em nenhum caso, a objeção poderá ser exercida quando se tratar de atendimento pós-aborto.

"Que seja lei", concluiu o presidente Alberto Fernández, usando o slogan da campanha feminista a favor do aborto.