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Brasileira trans assassinada em Portugal pode virar nome de rua 15 anos após o crime

A brasileira Gisberta foi morta em 2006 por um grupo de 14 adolescentes entre 12 e 16 anos - ARQUIVO/PANTERAS ROSA
A brasileira Gisberta foi morta em 2006 por um grupo de 14 adolescentes entre 12 e 16 anos Imagem: ARQUIVO/PANTERAS ROSA

Caroline Ribeiro, de Lisboa

11/04/2021 11h25

Um abaixo-assinado promovido pela Marcha do Orgulho LGBT da cidade do Porto, em Portugal, quer homenagear Gisberta Salce Júnior. A transexual brasileira foi assassinada em 2006, em um crime brutal e que marca o país até hoje.

A iniciativa pede que o nome de Gisberta seja atribuído a uma rua do Porto, onde vivia e foi morta.

"Este ano, marcamos os 15 anos da morte da Gisberta. Penso que faz todo sentido revisitarmos agora, com uma nova consciência, reconhecendo as falhas que levaram a que uma situação destas se tornasse possível e com disponibilidade para rever políticas, práticas, para impedir que algo assim torne a acontecer. Também com o objetivo de criar uma real discussão em torno das questões trans e das violências que as pessoas trans sofrem", explica à RFI Brasil Sofia Brito, membro da comissão organizadora da Marcha.

O assassinato de Gisberta é um dos crimes dos quais Portugal não se esquece. Mesmo antes de morrer, ela já era vítima. Imigrante em situação irregular, transexual e soropositiva, Gisberta acabou nas ruas. Vivia em um prédio abandonado quando foi abordada por um grupo de 14 adolescentes, que tinham entre 12 e 16 anos e queriam ver o "homem que parecia mesmo uma mulher", como está descrito no processo.

Ao longo de três dias, eles se revezaram para espancar a brasileira com murros, chutes, pedradas e pauladas. Ao final, jogaram o corpo de Gisberta, que ainda estava viva, mas completamente debilitada, no fundo de um poço.

"Nós sabemos que a Gisberta foi uma figura importante da cena cultural do Porto, com os espetáculos que ela fazia. Sabemos que se envolveu em ativismos, se envolveu em projetos. Antes da morte e do assassinato, ela já era uma membra distinta da nossa comunidade trans e a morte dela não deixou de catapultar o debate sobre os direitos trans aqui em Portugal", diz à RFI Brasil Julia Mendes Pereira, dirigente da ONG Ação Pela Identidade (API).

Imigrantes ainda vulneráveis

A morte de Gisberta reforçou o movimento LGBT em Portugal e oficialmente trouxe mudanças, com a criação de leis e entidades voltadas para as questões de gênero. Mulher trans e ativista, Júlia explica que o caso foi significativo para impulsionar ações que já existiam, mas que, hoje, ainda é preciso lutar para garantir o que já é um direito.

A lei da autodeterminação de gênero, de 2018, prevê, por exemplo, o direito ao nome social em documentos "havendo ou não a correção da certidão de nascimento", diz Júlia. "Isso também se deveria aplicar ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras", avalia.

O SEF é o órgão do governo português que trata das questões de imigração. "Estamos a sensibilizar para que isso possa ser resolvido imediatamente. Iria trazer um efeito imediato na vida dessas mulheres trans, que são a parte mais vulnerável da nossa comunidade trans. Por não ter documentos, conectam-se com outras violências. Há falta de acesso a trabalho e muitas não querem fazer documentos em Portugal porque seria com um nome que não é delas. Também existem dificuldades de acesso à saúde [pública], para ter acompanhamento nos cuidados específicos com hormônios, cirurgias, tudo isso está sendo impedido", diz a ativista.

Terceira tentativa

A sensação de "impedimento" também existe entre quem quer ver o nome de Gisberta em uma rua do Porto. A representante da Marcha conta que já houve duas tentativas anteriores, sem sucesso. "Juntando estas assinaturas, nós demonstramos toda a vontade de todas as pessoas que veem esta causa como algo importante, de algo que querem ver marcado na memória coletiva. O que vamos fazer é propor novamente à Comissão de Toponímia. Esperamos que fique mesmo visível o quanto é desejado este nome", diz Sofia Brito.

O abaixo-assinado já tem mais de cinco mil assinaturas e vai ficar aberto até meados de julho. Ao longo desse período, os organizadores vão realizar palestras e sessões de debate sobre diversidade e questões de gênero. Ao final, os organizadores vão entregar o material junto com o novo pedido para consagrar a Gisberta o nome de uma rua. "Esperamos que, com a nossa insistência e essa demonstração de coletividade e união, fique claro que esta é uma vontade comum", afirma Sofia.