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Nobel de Medicina francês que falou de variantes da Covid-19 tem histórico de controvérsias

Luc Montagnier deu informações falsas sobre a vacinação contra o coronavírus - Handout .
Luc Montagnier deu informações falsas sobre a vacinação contra o coronavírus Imagem: Handout .

28/05/2021 16h23

O médico francês Luc Montagnier, recompensado com o prêmio Nobel de Medicina em 2008 pela descoberta do vírus da Aids, ao lado da colega Françoise Barré-Sinoussi, tem sido muito criticado desde que concedeu uma entrevista a uma mídia digital complotista sobre as variantes do coronavírus. Há vários anos, o especialista coleciona controvérsias na França.

Em recente entrevista ao canal complotista Hold-Up, no YouTube, Montagnier, 88 anos, disse que a vacinação contra a Covid-19 estava produzindo as variantes do coronavírus. A afirmação é enganosa, garantem especialistas, e esta não é a primeira vez que Montagnier exibe publicamente sua oposição às vacinas. Ao contrário do que disse o prêmio Nobel, a imunização reduz as chances de aparecimento de variantes mais perigosas do coronavírus.

O virologista Vincent Maréchal, professor da Sorbonne e do Instituto Nacional de Pesquisas Médicas (Inserm), explica que os vírus, incluindo o da Covid-19, podem cometer erros durante o processo de "replicação" nas células. Às vezes, nesse processo, o material genético não é reproduzido de forma idêntica, o que leva ao surgimento de algumas mutações que podem produzir as famosas variantes. Por se tratar de um fenômeno natural, que pode ocorrer com qualquer infecção, "faz sentido que surjam múltiplas variantes em uma epidemia tão massiva como a que estamos observando hoje", comentou Vincent Maréchal no canal de TV francês LCI. Mas nem todas as variantes são motivo de preocupação, acrescenta o pesquisador.

"Considera-se que a maioria das modificações - que ocorrem ao acaso - não têm efeito ou tornam o vírus menos eficaz", detalha, acrescentando que uma variante não será necessariamente mais perigosa do que uma cepa original. Na avaliação do professor da Sorbonne, o problema com a justiticativa exposta por Montagnier é que a argumentação científica parecia sensata para os leigos, "mas não é", garante o especialista do Inserm.

Notório antivacina

Há vários anos, desde que passou a propagar teses antivacinas, Montagnier é alvo de críticas e protestos de seus pares. Em 2017, a imprensa francesa já falava no "naufrágio científico" de Montagnier. Na época, ele lançou uma campanha ao lado de um colega que tinha sido excluído da Ordem dos Médicos, o professor Henri Joyeux, por comentários contra a vacinação infantil. Em uma apresentação, em Paris, Montagnier disse que a imunização preventiva para evitar doenças infectocontagiosas "era um veneno para as gerações futuras". Fato raro na profissão, 106 membros da Academia Francesa de Medicina publicaram uma carta aberta se posicionando contra o vencedor do Nobel e reafirmando os amplos benefícios da vacinação.

Mesmo em sua área de pesquisa, Montagnier já fez declarações controvertidas. Em 2009, ele disse num documentário que era possível se expor várias vezes ao vírus HIV, que provoca a Aids, sem ser infectado de forma crônica. "Se a pessoa tiver um bom sistema imunológico, ela se livrará do vírus em algumas semanas", afirmou. Essa declaração duvidosa também foi feita em um documentário de cunho anticientífico, intitulado "House of Numbers: Anatomy of an Epidemic", recorda o jornal francês Le Figaro. Três anos mais tarde, a colega que havia conquistado com ele o prêmio Nobel de Medicina, Françoise Barré-Sinoussi, declarou durante o 19° Cogresso Internacional sobre Aids, em Washington, que a imunidade natural poderia ajudar no controle da infecção por HIV, mas que não havia dados concretos para comprovar a afirmação de seu parceiro de pesquisa.

Certa vez, Montagnier disse que os africanos teriam facilidade para contrair o HIV por terem uma alimentação desequilibrada, rica em substâncias que causavam "estresse oxidativo", outra apreciação sem prova científica.

Na pandemia de Covid-19, o prêmio Nobel voltou a chamar a atenção da mídia ao levantar a hipótese, no ano passado, de que o coronavírus havia escapado de um laboratório chinês em Wuhan. Ele expôs esta tese no documentário Hold-Up, um filme de três horas de duração que dá espaço a relatos conspiratórios de médicos, deputados, pesquisadores e sociólogos, e foi visto por milhões de pessoas em todo o mundo.

Com o aparecimento das variantes brasileira, sul-africana, britânica e indiana do coronavírus, os produtores de Hold-Up, que depois fundaram a mídia digital complotista com o mesmo nome, no Youtube, chamaram Montagnier para mais uma sessão de desinformação. Esse canal tem mais de 200 mil assinantes na França.