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Afeganistão: ONGs denunciam "espiral de abusos" de talibãs contra civis

7.set.2021 - Membro do Talibã aponta arma para manifestantes no Afeganistão - Reuters/Stringer
7.set.2021 - Membro do Talibã aponta arma para manifestantes no Afeganistão Imagem: Reuters/Stringer

22/09/2021 11h45

Todos os avanços destes últimos vinte anos em prol dos direitos humanos e da liberdade de expressão no Afeganistão estão sendo desmantelados de maneira sistemática pelos talibãs. É o que denuncia um relatório publicado por três ONGs, que listam uma série de abusos contra os civis desde meados de agosto, quando os extremistas islâmicos assumiram o poder.

"Os talibãs tentaram persuadir o mundo que eles iriam respeitar os direitos humanos, mas as informações que recebemos de lá mostram uma outra realidade", sublinha um relatório realizado pelas ONGs Anistia Internacional, a FIDH (Federação Internacional pelos Direitos Humanos) e a OMCT (Organização Mundial Contra a Tortura).

"Não tínhamos nenhuma ilusão sobre o verdadeiro projeto dos talibãs", afirma à RFI Nathalie Godard, diretora do escritório de ações da Anistia Internacional da França. "Hoje temos a prova que eles têm como projeto, primeiramente, desmantelar os avanços dos direitos humanos nestes últimos anos e impor uma repressão a toda sociedade civil, mulheres, jornalistas, ativistas e a todas as pessoas que se opuserem a eles", reitera.

O relatório elaborado pelas três ONGs aponta para uma "espiral de abusos", como a intimidação e a repressão das afegãs e dos defensores dos direitos humanos, represálias contra funcionários do antigo governo afegão e ataques à liberdade de expressão. O documento é baseado em uma dezena de testemunhos colhidos junto a cidadãos desde 15 de agosto - quando os talibãs tomaram Cabul - até 12 de setembro.

"Os defensores dos direitos humanos estão em uma situação de grande medo e vivem uma ameaça permanente", alerta Godard. Ela relata o caso de um homem que conseguiu fugir do Afeganistão recentemente mas, até deixar o país, foi submetido a intimidações e ameaças diretas.

"Os talibãs conheciam o seu nome e o maltratavam. Seus colegas foram violentamente agredidos, receberam chicotadas. Ele conseguiu fugir, mas conta que ativistas que permaneceram em Cabul são ameaçados e perseguidos", afirma.

Mulheres voltaram a usar burca

Um dos principais alvos dos talibãs são as mulheres. Desde que chegaram ao poder, eles prometeram que os direitos das afegãs não seriam ameaçados. Mas, na prática, a realidade é outra.

"Como consequência deste clima de medo que se instalou, muitas afegãs voltaram a usar a burca. Elas só saem de casa ao lado de um homem da família e deixaram de fazer várias coisas com medo das violências e represálias", afirma a militante da Anistia Internacional.

Na terça-feira, ao anunciarem a formação completa do regime, os talibãs prometeram a volta das meninas e professoras mulheres às escolas "em breve", sem especificar uma data. A decisão foi anunciada depois que, no último domingo, as autoridades foram alvo de muitas críticas da comunidade internacional ao autorizarem apenas o retorno de garotos e educadores homens às salas de aula.

Em uma entrevista coletiva em Cabul, o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, disse que o retorno das meninas à escola "acontecerá o mais rápido possível." Ele acrescentou que "um ambiente de aprendizagem seguro" precisava ser estabelecido com antecedência para elas.

O Talibã também cortou o acesso das mulheres ao trabalho. As autoridades aconselharam as afegãs a ficarem em casa para sua própria segurança, até que a interpretação da lei islâmica possa ser definida.

Todos os setores mais progressistas da sociedade afegã vêm sendo alvo dos abusos denunciados pelo relatório, com restrições radicais da liberdade em apenas em pouco mais de um mês do novo regime. As três ONGs fazem um apelo para que o Conselho dos Direitos Humanos da ONU estabeleça um mecanismo de investigação independente para registrar e lutar contra essas violências.