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Cazaquistão: polícia mata dezenas de manifestantes enquanto país vive caos

Oriane Verdier

Da RFI*

06/01/2022 05h21Atualizada em 06/01/2022 09h04

A polícia anunciou nesta quinta-feira (6) ter matado "dezenas" de manifestantes em mais uma noite de protestos no Cazaquistão. Eles teriam invadido prédios públicos em Almaty, a maior cidade do país. Na quarta-feira, uma onda de revolta popular derrubou o governo e fez o presidente decretar estado de emergência e um toque de recolher no país.

O movimento popular explodiu no domingo, em resposta ao aumento dos preços do gás e dos combustíveis no Cazaquistão anunciado no dia anterior. De uma só vez, o governo dobrou os valores de venda. Os numerosos protestos fizeram o presidente Kassym-Jornart Tokaiev voltar atrás, mas já era tarde demais.

A população conflagrada já tinha outras reivindicações: a mudança do regime político, a eleição direta dos governos locais, o fim das prisões arbitrárias, a redução da desigualdade.

Na quarta-feira (5), os protestos em Almaty, com a ocupação de prédios públicos por manifestantes e o cerco ao aeroporto marcaram um ponto de virada. Por toda a cidade, teve início uma onda de saques.

Diante do caos, a Rússia e seus aliados na Organização do Tratado de Segurança Coletiva anunciaram o envio de uma "força de paz" para o Cazaquistão, a pedido do país da Ásia Central, antiga nação da União Soviética.

Até o momento, Tokaiev não conseguiu conter os protestos, apesar de ter derrubado o governo, decretado estado de emergência em todo o país e imposto um toque de recolher noturno.

Dezenas de mortos

Pela manhã desta quinta, o porta-voz da polícia Saltanat Azirbek afirmou, segundo a mídia local, que "dezenas" de manifestantes foram mortos quando tentavam invadir edifícios administrativos e delegacias de polícia. O oficial chamou os manifestantes de terroristas.

"Ontem à noite, forças extremistas tentaram invadir edifícios administrativos, o departamento de polícia da cidade de Almaty, bem como departamentos e delegacias locais", disse. De acordo com ele, uma operação "antiterrorista" estava em andamento em um dos distritos de Almaty.

Imagens transmitidas pela televisão e em redes sociais mostraram cenas de caos com lojas saqueadas e alguns edifícios administrativos invadidos e queimados em Almaty.

Na praça principal de Almaty, uma grande quantidade de carros blindados e dezenas de soldados foram enviados para conter uma nova manifestação contra o governo que começava logo pela manhã de quinta. Jornalistas da agência Reuters afirmam ter ouvido tiros nesta região central da maior cidade do Cazaquistão.

De acordo com a televisão pública do país, o Banco Central suspendeu as atividades de todo o sistema financeiro.

O acesso à internet no país continua cortado, desde quarta-feira. E a rede de telefones também parece não funcionar.

Violência nos protestos

De acordo com o Ministério do Interior do Cazaquistão, citado pela mídia local, pelo menos oito membros das forças de segurança foram mortos e 317 ficaram feridos.

O presidente cazaque disse na quarta-feira que "gangues terroristas" que haviam "recebido treinamento no exterior" estavam liderando os protestos.

Em um discurso transmitido pela televisão, o presidente disse que "grupos de elementos criminosos estão espancando nossos soldados, humilhando-os, arrastando-os nus pelas ruas, atacando mulheres, pilhando lojas".

Razões para a revolta

A raiva dos manifestantes é dirigida em particular ao ex-presidente Nursultan Nazarbayev, 81, que governou o país de 1989 a 2019 e mantém grande influência sobre o atual governo. Ele é considerado o mentor do atual presidente, Tokaiev. Aliado do presidente russo Vladimir Putin, Nazarbayev era até quarta o presidente do poderoso Conselho de Segurança do país.

"Os protestos surpreenderam a comunidade internacional por seu tamanho e duração, mas eles não são os primeiros. O movimento atual se deve exatamente a anos de protestos reprimidos, com demandas sociais extremamente fortes. No Cazaquistão, a grande riqueza de uma minoria está ao lado da pobreza da maioria da população", explica Sasha Koulaeva, pesquisadora de Ásia Central e professora da Sciences Po.

"O regime do Cazaquistão é muito autoritário, e parte dos manifestantes de hoje foram presos por sua participação em protestos do passado", afirma a pesquisadora.

O Cazaquistão, a maior das cinco antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central e a maior economia da região, tem uma minoria considerada etnicamente russa considerável. É de importância econômica e geopolítica crucial para a Rússia.

Na quarta, Moscou pediu que a crise fosse resolvida através do diálogo "e não através de motins de rua e violação de leis". No entanto, as forças russas estão prestes a serem enviadas ao país.

"Hoje, o país está em um caos. Os saqueadores que se aproveitam da situação estão se misturando com ativistas cívicos e políticos. Há confrontos e seria muito surpreendente se não houvesse uma resposta forte das autoridades. Ao mesmo tempo, a força das manifestações é tão grande e incomparável com qualquer coisa vista nos últimos anos que é muito complicado prever a resposta exata das autoridades", considera Koulaeva.

*Com informações da RFI, AFP e Reuters