Entenda por que a Rússia se tornou ameaça para a França no Mali
O governo francês se encontra contra a parede após a expulsão de seu embaixador no Mali na segunda-feira (1). Nove anos após o envio de tropas ao país africano, para ajudar o Exército local a combater grupos jihadistas, as relações bilaterais entre Paris e Bamako não param de se deteriorar, principalmente depois que um grupo de coronéis tomou o poder na capital malinesa, em agosto de 2020, e contratou a milícia paramilitar russa Wagner para garantir a segurança no território.
A França foi surpreendida pelo agravamento da crise com o atual governo do Mali. O porta-voz do governo francês, Gabriel Attal, disse nesta terça-feira (1°) que "a França vai trabalhar com seus parceiros para ver como sua presença pode evoluir" na ex-colônia, e "prever uma adaptação".
Em junho do ano passado, o presidente Emmanuel Macron havia anunciado uma mudança de estratégia no país africano. Ele propôs uma redução drástica do contingente de quatro mil soldados franceses enviados a cinco países que combatem extremistas islâmicos na região do Sahel. Mais da metade das tropas foi posicionada no Mali. O objetivo do plano era economizar recursos, oferecer uma ajuda mais adaptada ao monitoramento por Inteligência e acalmar os protestos da população malinesa contra a prolongada presença de tropas da antiga potência colonial no território independente.
Uma série de incidentes, como a morte de civis em bombardeios visando alvos jihadistas, e um contexto de contínua insegurança, provocaram revolta no país. Os soldados franceses passaram a ser hostilizados, morreram em emboscadas e foram comparados a uma força de ocupação, embora o pedido de ajuda para lutar contra os extremistas islâmicos tenha partido inicialmente de ex-dirigentes do Mali.
Só recentemente o governo francês conseguiu convencer parceiros da União Europeia a destacar soldados para essa região da África, assolada por problemas crônicos de pobreza, criminalidade, corrupção de dirigentes e sucessivos golpes de Estado militares.
No entanto, com a ascensão da junta militar em Bamako, o novo governo malinês não esperou os europeus definirem uma nova estratégia de luta contra o terrorismo. A junta assinou um contrato de serviços de segurança com a milícia paramilitar russa Wagner, um grupo privado próximo do Kremlin. Os mercenários foram enviados para áreas antes patrulhadas pelos franceses.
Os coronéis no poder em Bamako têm multiplicado os sinais para mostrar aos europeus que não são mais bem-vindos. Recentemente, pediram às forças especiais dinamarquesas, que tinham chegado para engrossar a força Takuba, formada por 800 militares de elite da União Europeia, a se retirar do Mali.
Mercenários russos e fake news nas redes sociais
Enquanto isso, a Rússia foi ocupando o terreno minado pelas discórdias. Na noite de segunda-feira (31), o canal 2 da TV francesa exibiu uma reportagem mostrando como a junta militar malinesa se cercou do apoio russo para acelerar a pressão sobre os franceses.
Imagens aéreas mostraram um acampamento militar erguido ao lado do aeroporto de Bamako em poucas semanas. Dezenas de soldados treinam no local. A reportagem também exibiu a presença de veículos blindados fabricados na Rússia e um helicóptero russo para o transporte de tropas.
Analistas não têm dúvidas de que o acampamento foi construído para abrigar mercenários do grupo Wagner. Especialistas franceses acreditam que já existam atualmente entre 450 e 500 milicianos ou soldados russos no Mali.
A partir deste acampamento, os homens do grupo Wagner foram enviados discretamente para o centro e o norte do país. À medida que os franceses se retiram, os russos avançam e já se encontram a menos de 200 km de distância de 3 mil tropas francesas. Até agora, as autoridades malinesas sempre negaram ter convocado os milicianos. Elas só admitem ter recebido ajuda de oficiais de treinamento e armas do Exército russo.
França, "inimiga" dos russos
Na Rússia, por outro lado, vídeos de propaganda são transmitidos em redes sociais nas quais a França é apresentada como "inimiga" e que grandes vitórias já foram obtidas. Segundo a reportagem do canal France 2, um grupo malinês muito influente, e próximo dos militares no poder, despeja mensagens nas redes sociais no Mali dizendo que o importante para o país é a "liberação da ocupação francesa".
De acordo com a agência Reuters, as autoridades do Mali fecharam um contrato de ? 9 milhões por mês com o grupo Wagner. Porém, além dessa "prestação de serviços de segurança", empresas russas estão assinando dezenas de contratos de exploração de minério, como ouro e lítio, sem que seja possível estabelecer a conexão entre os paramilitares russos e os negócios.
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