Supostamente 'neutra', China toma partido da Rússia ao chancelar fake news sobre ameaça biológica
Desde o início da invasão russa à Ucrânia, a China se apresentou como um ator "neutro" na cena diplomática. Entretanto, nesta semana, Pequim tomou claramente partido de Moscou, transmitindo ativamente a desinformação russa.
As palavras de Zhao Lijian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, em uma entrevista coletiva na terça-feira (8), falam muito sobre a posição de Pequim. Ele repetiu as acusações feitas por Moscou cinco dias antes sobre uma suposta ameaça biológica. "Recentemente, os laboratórios biológicos norte-americanos na Ucrânia atraíram nossa atenção.
De acordo com vários relatórios, vírus perigosos são armazenados nestas instalações. No decorrer de sua operação militar, a Rússia concluiu que os EUA estão utilizando esses laboratórios para fins militares", declarou o porta-voz da chancelaria chinesa.
"De acordo com dados dos EUA, existem 26 laboratórios na Ucrânia. No total, os EUA têm 336 laboratórios em 30 países diferentes sob seu controle. Também conduziu vários programas biológicos militares em Fort Detrick. Quais são as intenções dos EUA? O que exatamente eles estão fazendo nesses laboratórios? A comunidade internacional está se perguntando", reiterou Lijian. "Mais uma vez pedimos aos Estados Unidos que esclareçam suas atividades biológicas militares no país e no exterior, e que concordem com a verificação multilateral", concluiu o porta-voz.
A diplomacia russa acusa os Estados Unidos de desenvolver armas biológicas em laboratórios na Ucrânia, sem fornecer nenhuma prova até o momento. Estas alegações foram amplamente refutadas, mas a diplomacia chinesa reacende a questão quando menciona "laboratórios norte-americanos na Ucrânia", embora o ministro russo, Sergei Lavrov, tenha corrigido sua declaração.
Durante uma visita à Turquia na quinta-feira (10), ele se referiu aos "laboratórios biológicos criados com dinheiro norte-americano", detalhe de importância capital neste contexto. Sergei Lavrov falou de atividades biológicas realizadas no maior segredo "ao longo de todo o perímetro da Rússia e da China".
O Conselho de Segurança da ONU se reuniu nesta sexta-feira (11), a pedido de Moscou. Os dois aliados - Pequim e Moscou - estão claramente engajados numa ofensiva de informação conjunta.
Amplificação pela mídia oficial
Toda a mídia estatal chinesa se apressou em transmitir e amplificar as informações falsas. A CGTN, a China Radio International e o Global Times acusaram os Estados Unidos de conduzir atividades biomilitares em solo ucraniano e no resto do mundo.
Bastou para impulsionar esta teoria nos círculos conspiracionistas em todo o mundo, e nas redes sociais. Na França, por exemplo, o rapper Booba compartilhou os comentários de Zhao Lijian em sua conta Instagram, que é seguida por quase 1 milhão de pessoas.
Por sua vez, o Global Times chinês chegou ao ponto de fazer a ligação entre esses supostos laboratórios norte-americanos e a pandemia de coronavírus, citando um artigo da mídia russa Sputniknews. O que Moscou usou para justificar a invasão da Ucrânia é usado neste contexto por Pequim para se livrar de qualquer responsabilidade pelo surgimento da Covid-19.
A referência à falta de transparência por parte dos laboratorios de Forte Detrick pelo porta-voz chinês Zhao Lijiang não é nova. Em julho de 2020, a propaganda chinesa estava ocupada culpando os Estados Unidos pelo surgimento do coronavírus. A narrativa envolvendo Fort Detrick serviu ao público chinês com o objetivo de desviar a atenção da China e de seus laboratórios de alta segurança.
O que dizem os EUA?
Os EUA denunciam as mentiras espalhadas por Moscou e Pequim. A subsecretária de Estado para Assuntos Políticos dos Estados Unidos, Victoria Nuland, disse ao Senado norte-americano que a Ucrânia tem "instalações de pesquisa biológica". Ela também expressou a preocupação de que materiais sensíveis estivessem caindo em mãos russas.
Mas estas palavras foram distorcidas e deturpadas como uma admissão de culpa nas redes sociais. Na verdade, qualquer laboratório de pesquisa biológica é obrigado a lidar com materiais sensíveis.
Dado o que acontece atualmente em torno de algumas das usinas nucleares na Ucrânia, é compreensível que os laboratórios também causem preocupação, sem necessariamente concluir que eles contêm armas biológicas. Entretanto, o cenário de conspiração exclui desde o início o fato de que um laboratório poderia ser usado para pesquisa médica.
Nada é secreto
Na realidade, o que os diplomatas russos e chineses apresentam como operações secretas é bastante público e acessível no site do Departamento de Estado dos EUA, segundo um acordo de cooperação celebrado em 2005 entre o Departamento de Defesa dos EUA e o Ministério da Saúde da Ucrânia, visando combater os riscos de proliferação de material patogênico sensível, o documento "Cooperação na Área de Prevenção da Proliferação de Tecnologia, Patógenos e Expertise".
Outros documentos são destacados pela mídia estatal russa e chinesa como prova de que as autoridades norte-americanas tentaram reprimir. De fácil acesso através de buscas de código aberto, eles não apoiam as acusações de produção de armas. A propaganda russa e chinesa os interpreta erroneamente. São simplesmente relatórios técnicos que ilustram a cooperação oficial entre os ministérios norte-americano e ucraniano.
As contradições da diplomacia chinesa
O fato de que a China está agora retransmitindo esses fake news russas mina a reivindicação de imparcialidade da China. Pequim está fazendo agora uma grande diferença, pesando para o lado do aliado Putin.
Por um lado, seu ministro das Relações Exteriores afirma "uma atitude objetiva e imparcial [...] baseada na realidade dos fatos". E, por outro lado, seu porta-voz está espalhando alegremente a desinformação russa.
Esta manobra é parte de uma narrativa que apresenta a Otan como única responsável pela guerra. Enquanto o discurso oficial da China defende o respeito pela integridade territorial dos países, ela acusa a Otan de ter "levado a Rússia e a Ucrânia a um ponto de ruptura". Finalmente, esta narrativa visa fazer as pessoas esquecerem que agora é o exército russo que está bombardeando a Ucrânia.
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