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'Sabemos que vamos morrer': a vida com a poluição do 'Chernobyl chileno'

Codelco, uma das grandes empresas da região, anunciou que fechará sua fundição de cobre devido a um recente vazamento de gás - Javier Araos/AFP
Codelco, uma das grandes empresas da região, anunciou que fechará sua fundição de cobre devido a um recente vazamento de gás Imagem: Javier Araos/AFP

18/06/2022 14h44Atualizada em 18/06/2022 15h04

Desde o início de junho, centenas de pessoas, a maioria delas crianças, foram intoxicadas nas cidades chilenas de Quintero e Puchuncaví. A causa: a poluição emitida pelas indústrias locais. O drama não é novidade: muitos casos de intoxicação já foram relatados nesta área, conhecida como Chernobyl chileno.

Na sexta (17), a Codelco, uma das grandes empresas da região, anunciou que fechará sua fundição de cobre devido a um recente vazamento de gás. Entre os dias 6 e 8 de junho, foram registrados 105 casos de intoxicação nessa região a cerca de 140 km da capital chilena.

As vítimas, a maioria delas crianças, apresentavam diversos sintomas: tontura, dor de cabeça, problemas respiratórios, ardor nos olhos, e náuseas. A origem está em um pico de concentração de dióxido de enxofre no ar que aconteceu na manhã do dia 6 de junho. O evento provocou o fechamento das escolas por dias.

Uma semana mais tarde, novas intoxicações foram relatadas em Quintero. Cerca de 260 crianças foram admitidas no hospital no dia 15 de junho, segundo o prefeito. No dia seguinte, a imprensa local relatou outros 20 casos.

O problema é recorrente nesta área, com população de cerca de 50.000 habitantes. Em 2018, mais de 1.700 pessoas procuraram os serviços de saúde por intoxicação na região do parque industrial.

A região abriga usinas elétricas a carvão, refinarias de cobre e petróleo, e fábricas químicas. Os altos índices de poluição emitida por essas indústrias deu origem ao apelido de "Chernobyl chileno", dado pelo Greenpeace a esta que é uma das cinco "zonas de sacrifício" ambiental do Chile.

Vítimas infantis

Professora em uma escola de Puchuncaví, Gladys Olivares, 56, conta que no dia 6 de junho, dez de seus estudantes se sentiram mal durante a aula, com dores de cabeça, de estômago e tonturas.

"Eu mesmo tive dor de cabeça. Eu disse à diretora, mas eles não foram levados para o pronto-socorro, pois lá só podiam lidar com os casos mais graves. No final, a escola ficou fechada por três dias", lembra Olivares.

Moradora da cidade há 24 anos, a professora afirma que as crianças se acostumaram a sentir sintomas de intoxicação como parte de seu cotidiano.

"As crianças aqui têm muitas dores de cabeça, mas estão acostumadas a isso. Eles só reclamam se se sentirem realmente mal, por exemplo, se vomitarem. Por outro lado, alguns têm problemas cognitivos, como deficiências intelectuais ou dificuldades de aprendizagem. Isto está ligado à poluição", considera.

Os adultos, segundo ela, não estão livres das consequências da exposição à poluição.

"Muitos sofrem de hipertensão arterial. Eu tenho problemas renais, rinite crônica, alergias, e tive de remover um ovário porque tinha um caroço. Uma de minhas colegas, de 54 anos, morreu de câncer em dezembro. Em 2011, quando fizemos os testes, ela tinha menos metais pesados no sangue do que eu. Mas estamos todos resignados, sabemos que vamos morrer de câncer. As indústrias aqui ganham dinheiro às custas de nossa saúde", acusa Gladys Olivares.

Usina de cobre vai fechar

Há anos os habitantes e as autoridades locais denunciam a poluição na área e a inação do Estado para reduzi-la. Nessa sexta-feira (17), no entanto, a região recebeu uma boa notícia em relação à poluição: e empresa estatal Codelco, maior produtora de cobre do mundo, anunciou o fechamento de uma fundição situada no "Chernobyl chileno".

"Não queremos mais áreas de sacrifício (ambiental). Hoje existem centenas de milhares de pessoas que vivem no nosso país expostas à degradação ambiental severa que causamos ou consentimos e como chileno [isso] me envergonha", declarou o presidente chileno Gabriel Boric.

A decisão da Codelco "foi tomada considerando os casos recorrentes de intoxicação que têm acontecido na operação da fundição", disse Boric.

A notícia, contudo, foi mal recebida pelos trabalhadores e sindicatos, que temem o desemprego.

De Santiago, Boric assegurou aos 350 funcionários da fundição que todos os empregados devem ser deslocados da fundição para outros cargos. No entanto, os sindicatos da estatal anunciaram neste sábado que "preparam" uma paralisação nacional.

"Nosso movimento continuará enquanto o governo e a diretoria da Codelco insistirem no fechamento de Ventanas e não autorizarem recursos para a continuidade das fundições da Codelco como unidades competitivas e sustentáveis", destacou a Federação de Trabalhadores do Cobre em nota.

Com informações de Chloé Lauvergnier, da France24