Processo de reconstrução no Haiti vai levar pelo menos dez anos

Thiago Chaves-Scarelli
Do UOL Notícias
Em São Paulo

Seis meses após um terremoto que deixou centenas de milhares de mortos e pelo menos US$ 8 bilhões de prejuízos materiais, o Haiti tem um longo caminho pela frente até conseguir abandonar a dependência da ajuda internacional e poder caminhar por suas próprias pernas. De acordo com as fontes consultadas pelo UOL Notícias e segundo as previsões de documentos oficiais, esse é um processo que vai levar pelo menos uma década.

A estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que o PIB do Haiti, que já era frágil, despenque 8,1% este ano, em comparação com o ano passado. As dificuldades ganham maior proporção porque a região da capital, uma das mais atingidas pelos tremores, era responsável por 65% da atividade econômica e por 85% da arrecadação de impostos do país.

Seis meses depois, Haiti ainda sente efeitos do terremoto

 

“Mesmo antes do terremoto, as necessidades já eram imensas: 76% da população do país vivia com menos de US$ 2 por dia. Em Porto Príncipe, 86% das pessoas viviam em favelas. E depois do terremoto, milhões de pessoas foram para acampamentos provisórios”, explica Claire Doole, porta-voz da Federação Internacional da Cruz Vermelha no Haiti.

Mais de 100 mil casas foram destruídas, outras 208 mil foram danificadas. Mais de 1.300 centros educacionais e mais de 50 hospitais desabaram ou ficaram instáveis. O principal porto do país ficou inutilizável, a prisão ruiu e cerca de 400 detentos fugiram. O palácio presidencial, tribunais e a maioria das sedes ministeriais se incluem na lista dos edifícios afetados – e ainda hoje esses prédios da administração pública estão no chão.

“No início, o presidente [Réne] Préval estava despachando dentro de uma delegacia de polícia, porque a casa dele ruiu e o palácio presidencial ruiu”, lembra o coronel Rêgo Barros, comandante das tropas brasileiras que participam da missão de paz da ONU no Haiti. Atualmente, o presidente trabalha em um prédio anexo ao antigo palácio, cuja estrutura resistiu ao tremor.

A imagem do palácio presidencial em ruína é exemplar. Parte do processo de reconstrução passa pela retomada das funções administrativas do Estado, que atualmente não tem recursos nem estrutura para arcar com suas funções básicas.

Em junho, o primeiro-ministro haitiano, Jean Max Bellerive, explicou que o governo dispunha de US$ 100 milhões para começar a reconstruir o centro da capital com edifícios administrativos, enquanto o setor privado está convidado a reconstruir os espaços comerciais mediante um marco legal mais liberal.

A maior parte dos serviços de saúde pública hoje está a cargo de organizações como Médicos Sem Fronteiras e Federação Internacional da Cruz Vermelha, cujas ações vão desde o atendimento clínico até o fornecimento de água.

“Os planos da Cruz Vermelha são transferir a distribuição de água, nos próximos dois ou três anos, novamente para o governo. No campo da saúde, vamos transferir nossa experiência para o sistema público nos próximos três anos”, explica a porta-voz da organização.

A segurança está a cargo de tropas militares estrangeiras que compõem da missão de paz da ONU (Minustah), que mesmo antes do terremoto já tinha o objetivo de estabilizar o país. Após o desastre natural, a missão – que dispõem de batalhões brasileiros atuando na capital – se dedicou também à distribuição emergencial de mantimentos e, em seguida, na administração dos acampamentos provisórios. Atualmente, essas tarefas são realizadas de modo paralelo às ações de estabilização, como prevenção de roubos e de violência, por exemplo.

“Essa questão da segurança de fato nos preocupa, e é uma de nossas missões principais”, explica o coronel Barros, responsável pelos batalhões brasileiros, segundo o qual a situação atual não é alarmante. “Nosso mote é ‘manter o ambiente seguro e estável’, e o ambiente está seguro e estável”.

Também do ponto de vista econômico, o coronel se mostra otimista. “Supermercados e restaurantes já voltaram a funcionar. Em algumas regiões, já se nota falta de cimento e areia, o que é um indício do aquecimento da economia”, descreve o coronel Barros, lembrando a importância das remessas de dinheiro feitas pelos haitianos no exterior.

“Aos poucos as pessoas recomeçam a recompor seus bens, suas casas, seus terrenos. Nós vemos já várias casas sendo reconstruídas nas partes mais aquinhoadas de Porto Príncipe, o comércio retornando a uma atividade que não é frenética, mas é ativa”, acrescenta. “É uma busca da normalidade”.

Plano de recuperação

O Plano de Ação para a Recuperação Nacional do Haiti, que trabalha com estimativa de dez anos para reconstrução, prevê inicialmente ações emergenciais que incluem limpeza dos destroços, estabelecimento de infraestrutura básica, e reconstrução. Também se prevê ampliação da malha viária, portuária e aeroportuária, além de estímulo imediato ao setor de agricultura, com crédito, fornecimento de insumos e projetos de irrigação.

Nos primeiros 18 meses, o orçamento estima empregar 200 mil pessoas em atividades pagas pelo setor público, e arcar com o restabelecimento das instituições judiciárias, legislativas e executivas. Apenas para atividades de segurança e justiça, são estimados gastos de US$ 455 milhões nos próximos três anos.

Como houve um processo de migração das áreas afetadas pelo tremor para zona rural, parte da estratégia do governo consiste em estimular a produção agrícola regional, reduzindo a dependência das importações e integrando a força de trabalho dos desabrigados.

A segunda fase, após os 18 meses iniciais, tem objetivo de reduzir a dependência do governo de auxílio externo durante a próxima década. Já para 2015, os objetivos são um crescimento médio de 3,5% anuais na economia, redução da pobreza de 54% para 40%, redução do déficit na balança de pagamento (sem doações internacionais) de 26% para 13%.

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